quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Meus Dois Centavos Sobre o Capitalismo



Caro leitor,

abaixo você encontrará a tradução que fiz da transcrição de um dos programas de podcast do Prof. Dr. de Filosofia Clark Carlton. O professor Carlton dá aulas de história da filosofia, lógica e filosofia da religião na Tennessee Tech University. Você pode escutar os podcasts dele, em inglês, neste endereço:


Transcrição

Venham e pedi-me a prestação de contas, diz o Senhor. Embora vossos pecados sejam escarlates, eles serão brancos como a neve; embora sejam vermelhos carmim, serão como a lã. Se fordes obedientes e o quiserdes, comereis o fruto da terra.

Olá, e bem-vindos mais uma vez ao “Fé e Filosofia”. O assunto de hoje é “Meus Dois Centavos sobre o Capitalismo”. Irei retornar ao tópico da linguagem teológica nos podcasts futuros, e quando o fizer, quero dar um foco especial nas Escrituras e como devemos lê-las.

Mas hoje, quero fazer um pequeno desvio. Eu tenho me colocado em dia com vários dos últimos podcasts aqui na Ancient Faith Radio. E fiquei intrigado com uma série deles sobre o capitalismo. Sendo assim, enquanto o assunto ainda está fresco na minha cabeça, eu quero contribuir com meus dois centavos.
O que se segue não busca ser uma refutação do que quer que tenha sido dito por alguém aqui. Ao invés, meus comentários têm o objetivo de clarificar os termos e questões que têm sido levantados. A única crítica que tenho sobre as discussões anteriores é que houve uma falta de contexto histórico. Tentar definir os termos abstratamente, sem referência a seus desenvolvimentos históricos, irá inevitavelmente levar a distorções.

Basicamente, quero detonar com dois mitos que cercam o capitalismo, e daí meus dois centavos. O primeiro mito é que o capitalismo depende da propriedade privada e do livre-mercado. O segundo é que o progressismo e o socialismo são alternativas reais ao capitalismo.

Vamos começar com o primeiro mito, e isso com certeza vai levantar algumas sobrancelhas. Historicamente, o capitalismo tem se provado um inimigo da propriedade privada, não seu defensor. É, é, eu sei. Todos nós já ouvimos quem defina o capitalismo como posse privada de propriedade, em contraste com o socialismo que seria a posse pública do capital.

Mas esta definição é enganadora e pouco útil. As pessoas já possuíam propriedade privada por milênios antes do surgimento do capitalismo. Os romanos reconheciam a posse privada, assim como os gregos e os judeus. A propriedade privada não é uma invenção moderna. De fato, o republicanismo clássico dependia da posse privada da propriedade e, portanto, nas virtudes da classe de cidadãos proprietários.

Karl Marx recebeu bem e elogiou o capitalismo. Aposto como você não ouviu isso nas escolas públicas. Você diz, “Marx queria eliminar a propriedade privada”. E queria mesmo. Mas ele via o capitalismo como um estágio necessário no desenvolvimento sócio-econômico da humanidade – um desenvolvimento que, segundo ele acreditava, levaria inexoravelmente a uma utopia comunista.

Dito de outra forma, o capitalismo é essencial para a concentração da propriedade nas mãos de alguns poucos. Isto alcança duas coisas dentro da perspectiva comunista: acentua as desigualdades socioeconômicas até o ponto no qual o proletariado irá se erguer em revolução, e deixa a transição para o comunismo mais fácil porque apenas uns poucos são donos da propriedade.

Além disso, o capitalismo prospera apenas em mercados controlados, não em livre-mercados. Algumas das discussões nos podcasts focavam no capitalismo laissez-faire. Vamos deixar uma coisa clara. Tal coisa não existe. Nunca existiu. Nunca existirá. Capitalismo laissez-faire é uma fantasia libertária, e os libertários têm sido descritos, corretamente, como os utópicos da direita.

O capitalismo, da forma que se desenvolveu historicamente, não está fundamentado nas trocas do livre-mercado, mas na manipulação do mercado pelos governos para o benefício dos capitalistas – ou, pelo menos, de alguns capitalistas.

Primeiro de tudo, o capitalismo só pode existir onde a economia tenha sido monetarizada. Seria impossível em uma economia de escambo. Uma economia monetarizada, por sua vez, necessita de um sistema monetário de algum tipo, o que vai exigir um sistema bancário e, tão importante quanto, algum tipo de base governamental ou política para o dinheiro.

Desde o início, os capitalistas dependeram dos governos para beneficiá-los através de tributações monetárias e políticas comerciais. O capitalismo e o mercantilismo andam de mãos dadas. Os industriais do século XIX não ficaram podres de ricos pela manipulação do livre-mercado. Eles ficaram ricos graças a políticas monetárias federais, políticas tributárias, gastos públicos em coisas como linhas férreas, e altas tarifas que os protegiam da livre competição.

Francamente, é impossível ficar rico como os Vanderbilts ou os Rockfellers, ou mesmos os Bill Gates e Warren Buffets da vida, sem uma manipulação governamental gigantesca dos mercados – especialmente através de políticas monetárias e políticas de taxas. Algumas pessoas se tornam ricas com essas manipulações. Outras ficam pobres. Não tem nada a ver com a sobrevivência do mais adaptado, mas com quem você conhece ou quão bem você pode manipular o sistema a seu favor.

O que me traz ao segundo mito, que diz que o progressismo e o socialismo oferecem alternativas genuínas ao capitalismo. Se o capitalismo tratasse de propriedade privada e livre-mercados, então estas coisas seriam alternativas. Mas o capitalismo na verdade promove a concentração de riqueza e a socialização dos riscos da economia, enquanto o socialismo não passa de um lado diferente do mesmo sistema econômico corrupto.
Eu costumo dizer que os evangélicos constituem o grupo mais burro de eleitores nos EUA, porque você quase sempre pode contar que eles irão votar contra seus próprio interesses – basta que um político diga algo legal sobre Jesus e finja se opor ao aborto. Depois dos evangélicos, entretanto, eu colocaria os auto-proclamados progressistas, que realmente acreditam que apoiando coisas como regulamentação governamental e serviço universal de saúde, estão enfrentando a elite em nome dos pequenos e frágeis. Total e completo esterco de cavalo.

Vou dar um exemplo. Este ano o congresso americano concedeu ao FDA a competência de regular o tabaco – uma grande vitória para os consumidores e defensores da saúde contra as grandes e malvadas corporações, certo? Na verdade não. O que mudou o rumo das coisas foi que as grandes empresas deixaram de se opor à lei. Eles descobriram que as novas regulamentações iriam lhes dar uma vantagem competitiva contras as empresas de tabaco menores, já que as incontornáveis regulamentações da FDA seriam mais custosas para os pequenos produtores.

De fato, na maioria dos casos, a regulamentação governamental tende a beneficiar as grandes corporações e colocar grandes fardos nas pequenas empresas. Tudo isso pode ser percebido se estudarmos a história dos EUA. Ao contrário do que diz a mitologia do livro escolar, os primeiros colonizadores não eram minorias religiosas buscando a liberdade.

Tanto a Massachusetts Bay Company quanto a Virginia Company eram corporações visando lucros com acionistas na Inglaterra, e que estavam esperando uma admirável compensação por seus investimentos. Desde o início, entretanto, houve tensões entre os colonos e seus senhores corporativos. O que a maior parte das pessoas não se dá conta é que uma boa parte da legislação parlamentar, contra a qual os colonos reclamavam tanto, fora passada sob as ordens e para o benefício da Compania das Índias Orientais.
No fim do século XVIII, a Compania havia se tornado tão rica e poderosa – ela chegou a possuir exército e marinha próprios – que na prática o Parlamento e a Coroa estavam comprados e no seu bolso. Assim, quando os colonos reclamavam contra a tirania, era na verdade a tirania corporativa, embora manifesta através dos atos de um parlamento marionete.

Quando os colonos alcançaram a independência, dois caminhos distintos estavam à sua frente. Jefferson queria uma ruptura completa com o velho sistema mercantilista, capitalista. Ele imaginava uma república de repúblicas menores, baseada em uma vasta rede de propriedades privadas agrárias e pequenos negócios. Ele alertava contra as temíveis conseqüências se acionistas e banqueiros chegassem a ter a predominância. Ele acreditava que para os direitos de propriedade e a liberdade serem preservados, o poder político devia ser o mais descentralizado possível.

Do outro lado do debate estava Alexander Hamilton. Ele queria reproduzir o mercantilismo inglês deste lado do Atlântico e derrotar os ingleses em seu próprio jogo. Ele imaginava os Estados Unidos como um furacão militar e econômico. Para se alcançar tal coisa, entretanto, tanto o poder político quanto o capital financeiro teriam que ser concentrados.

Pela primeira metade do século XIX, os jeffersonianos contiveram os hamiltonianos. Mas em 1860, tudo mudou. A eleição de Abraham Lincoln colocou os EUA solidamente no caminho de se tornar um império mercantilista, e temos pago o preço disso desde então.

Vou detonar um outro mito agora. O Partido Republicano não é, nem nunca foi um partido conservador. Ele foi fundado em 1850 por uma coalizão de elites corporativas e progressistas sociais, e continua assim até hoje. O programa republicano de um banco nacional, melhorias internas financiadas publicamente, e tarifas altamente protetoras criaram não apenas riqueza jamais vista nesse país, mas também criaram uma corrupção como jamais vista – tanto privada quanto governamental.

As reformas progressistas da primeira parte do século XX não foram um repúdio do capitalismo mercantil, mas apenas um realinhamento em posições diferentes. A regulamentação governamental se tornou o preço da larga generosidade do governo. Não nos esqueçamos que o republicano Teddy Roosevelt se tornou um dos fundadores do Partido Progressista.

Até 1931, o Partido Democrático ainda era o mais conservador dos dois partidos, mas isso mudou com a eleição de Franklin D. Roosevelt, cuja família, não esqueçamos, havia sido republicana. Reparem no programa democrata de 1932. É praticamente o oposto especular do que Roosevelt de fato executou no posto. A eleição de 1932 foi uma das grandes farças de todos os tempos.

Tudo isto explica, aliás, porque as políticas de Obama pouco diferem das de George Bush. Obama apoiou os planos de subsídios antes de ser eleito e seu governo deu continuidade às mesma políticas desastrosas de subsidiar bancos e desvalorizar os dólares nas contas bancárias de pessoas que realmente tem que trabalhar para viver. Nada mudou.

Para voltar à pergunta feita nos outros podcasts, seria o capitalismo compatível com o Cristianismo Ortodoxo? Bem, a resposta é não. Mas o progressismo não oferece uma alternativa real. O capitalismo é um sistema econômico modernista e o progressismo é um paleativo modernista – não uma alternativa.
A única alternativa real ao capitalismo é algo na linha do que Jefferson havia planejado, o que é parecido com a visão dos distributivistas católicos, tais como Belloc e Chesterton, e com a terceira via do economista protestante Wilhelm Röpke. O fundamento de um tal sistema é uma vasta rede propriedades privadas e governo descentralizado.

Quero salientar que a palavra grega ekonimia significa administração doméstica. Wall Street não é a economia. A economia é como você provê para si mesmo e para sua família e como você trata seus vizinhos no processo. Entretanto, tem se tornado cada vez mais difícil prover para nós mesmos quando nossas economias são desvalorizadas por políticas governamentais e nossas pequenas fazendas e negócios são regulamentados em cada centímetro para o benefício das grandes corporações.

Gostaria de concluir com alguns comentários concernentes ao protestante Wilhelm Röpke. Estes comentários foram feitos por Ralph Ansel, em um excelente artigo que ele escreveu:

Para um protestante que considerava a situação criada pela Reforma como de uma das grandes calamidades na história, ele devia ter dificuldades em encontrar seu lar religioso tanto no protestantismo contemporâneo, o qual em seu caos e falta de orientação está pior do que jamais esteve, ou no contemporâneo catolicismo pós-reforma. Tudo que ele pode fazer é reunir, em si mesmo, os elementos essências do cristianismo indiviso pré-reforma. E nisto, eu acho que estou na companhia de homens cuja boa-vontade, pelo menos, não é duvidável.

Nós sabemos, naturalmente, que o Cristianismo indiviso não necessita ser, de fato não pode ser, reunido porque ele já existe na Igreja Ortodoxa. Mas esta passagem é um lembrete de que a solução dos dilemas econômicos do homem moderno não estão no modernismo, mas na fé e vida de uma vez por todas entregue aos santos.

Apenas a Ortodoxia é capaz de oferecer não apenas uma crítica da modernidade, mas de apontar-nos soluções reais. Não podemos dar o testemunho da verdade que o mundo precisa, porém, enquanto continuarmos a tentar contemporizar com sistemas econômicos e políticos que, por sua própria natureza, minam a fé que temos e a vida que buscamos levar.

E finalmente, que nosso Deus e Salvador, Jesus Cristo, através das interseções de Sto. Inocêncio do Alasca e do Abençoado Ancião Sofrônio Sakharov, tenha piedade de nós e nos conceda uma rica entrada em Seu Reino eterno.