sábado, 22 de maio de 2010

Primazia, Colegialidade e Unidade da Igreja - II

Saudação do Arquimandrita Atanásios Anastasiou,
Abade do Santo Monastério de Meteora,
à Conferência: "Primazia, Colegialidade e Unidade da Igreja"


Fonte:http://www.impantokratoros.gr/Greeting-abbot_meteora.en.aspx
Tradução: Fabio L. Leite

Pireus, 28 de abril de 2010

Vossa Eminência, reverendos Padres, ilustres Professores,
Cristo Ressuscitou.

É uma benção excepcional para nós termos recebido o convite de Sua Eminência Metropolita Serafim para comparecermos nesta conferência e realizarmos nosso humilde comentário monástico. Esta conferência, a qual ele organizou com particulares cuidado e atenção aos detalhes, mais uma vez demonstra a sinceridade de sua confissão, sua compreensão da luta e seu testemunho inspirado.

Nossa presença aqui esta noite é um testemunho consciencioso e importante contra o grande problema do ecumenismo, o qual apresenta um sério perigo para nossa Igreja e para o progresso espiritual dos fiéis, além de ter profundas ramificações soteriológicas e espirituais.

É um testemunho de apoio e participação na saudável preocupação e desconforto de todos os presentes - os organizadores, palestrantes e ouvintes - mas também de tantos outros fiéis em nossa Igrea, que estão feridos e indignados com os avanços ecumênicos de hoje em dia, e que expressam seu extremo desgosto e aflição.

É nosso compartilhado testemunho, resoluto e inquebrantável, que nos recusamos a aceitar estes "eventos inevitáveis", que são os frutos que a Nova Era e a Nova Ordem Mundial criam e buscam impor na esfera dos diálogos ecumênicos e da união com os heterodoxos; e isto, em face dos tempos difíceis para nossa terra-natal (N.T.: Grécia) e povo, os quais agora vivem tragicamente as consequências destes mesmos frutos em uma tempestade de escárnio universal, falta de confiança, decadência, subjugação e submissão.

Exatamente as mesmas coisas estão sendo realizadas na esfera da fé através no insalubre e grotesco ambiente do ecumenismo, onde ocorrem ruinosas e inadmissíveis concessões, relativismos, falsificações, alterações, modificações e contemporizações que ocorrem sob a máscara do pacifismo, coexistência, troca de experiências, fraternidade e em um clima de um discurso verborrágico, insípido e melífluo.

Entretanto, a verdade de nossa fé é e sempre será a mesma, genuína e sem inovações. Nossa fé Ortodoxa é sempre será inegociável. Não existe a menor necessidade de mecanismos de apoio, pactos de estabilidade, contratos de supervisão, tutelagem internacional. Ela não pode ser limitada, debilitada, zombada; ela não tem medo dos especuladores, pois não pode ir a falência!

Esta nossa santa fé Ortodoxa, que nos foi transmitida pelos Apóstolos, a fé viva e salvífica de nossos Santos Pais - pela Graça de nosso Senhor Ressuscitado, de nossa Panagia e de nossos Santos, salvará nossa amada pátria e nos guiará a nossa pátria futura nas alturas, isso a despeito dos ataques ferozes e das maquinações que ela suporta da parte de pessoas dentro e fora de seus muros, dos combatentes visíveis e invisíveis.

Nossa mensagem é clara e simples: não há espaço para reduções e contemporizações em questões de fé. Em questões de fé, não há governados e governantes, superiores e subordinados, ditadores e seguidores. Não obedecemos por conta de intimidações e ameaças. Não aceitamos ultimatos e argumentos de fato consumado. Recusamo-nos a abandonar a fé salvífica e a santa tradição de nossa Igreja Ortodoxa para sermos guiados por trilhas de falsas uniões e adesões uniatas, que ficam de fora da Igreja.

Vossa Eminência,

gostaríamos de agradecer e congratulá-lo por seu testemunho confessional na questão do ecumenismo. Sua presença como um líder, em face da falta de liderança episcopal nesta questão em particular, nos dá conforto e forças. Também queremos agradecê-lo e parabenizá-lo pela coordenação da conferência desta noite sobre o bem-escolhido e pertinente tema: "Primazia, Colegialidade e Unidade da Igreja", sobre o qual os mais notáveis palestrantes falarão.

Primazia, Colegialidade e Unidade da Igreja


Conclusões da conferência da Santa Metrópole de Pireu
Tema: "Primazia, Colegialidade e Unidade da Igreja"
Realizado no S.E.F. (Estádio Paz & Amizade), Pireu, Grécia, em 28 de abril de 2010



Tradução: Ricardo Williams
Fonte:

“A ‘primazia’ papal não possui fundamento teológico, carece de bases eclesiológicas sólidas e não é legitimada pelo Espírito Santo. É uma posição claramente baseada em uma compreensão mundana do conceito de autoridade”. Este foi o destaque da conclusão da conferência teológica organizada pela Santa Metrópole de Pireu no Estádio Paz & Amizade, Salão Melina Mercouri, em 28 de abril de 2010, e que contou com a participação de um grande número de leigos e clérigos.

A abertura da conferência ficou a cargo de Sua Beatitude Jerônimo, Arcebispo de Atenas e toda a Grécia, que enobreceu o evento com sua presença. Também estavam presentes Sua Eminência Serafim, Metropolita de Citera; Sua Eminência Paulo, Arcebispo de Glifáda; e Sua Eminência Melitão, bispo de Maratona.

O tema “Primazia, Colegialidade e Unidade da Igreja” foi discutido em duas sessões, que contaram com a presença de sete palestrantes: Sua Eminência Serafim, Metropolita de Pireu; Hieromonge Lucas Gregoriatis; Professor Aristides Papadakis da Universidade de Maryland, EUA; Protopresbítero George Metallinos; Protopresbítero Theodore Zisis; Protopresbítero Anastasios Gotsopoulos; e Professor Dimitrios Tselengidis.

Através das apresentações e discussões subseqüentes, conclui-se que: a unidade é parte intrínseca da natureza da Igreja, que é tanto o Corpo de Cristo como a Comunhão com Cristo. Existe apenas uma única Igreja verdadeira. A unidade da Igreja em todas as suas interpretações – estrutural ou carismática (isto é, plena de graça) – está claramente fundamentada no Espírito Santo. Ela possui caráter místico mas é mantida e cultivada principalmente por meio da Santa Comunhão.

De acordo com a “Confissão de Fé” do Sínodo de Constantinopla de 1727: “Assim sendo, a Igreja não reconhece a existência de qualquer outra cabeça, seja quem for, além de Nosso Senhor Jesus Cristo, enviado pelo Pai e pedra fundamental da Igreja”. Segundo a eclesiologia Ortodoxa, não existe por via de regra uma “primazia” indefinida e à parte de um sínodo local.

O conceito de posição de honra (termo utilizado na tradição eclesiástica Ortodoxa, ao invés do termo tardio “primazia” utilizado pelos papistas) expressa e assegura a unidade e a colegialidade da Igreja Católica Ortodoxa. A Igreja deu forma ao conceito de posição de honra durante o primeiro milênio através da hierarquia dos tronos patriarcais.

A autoridade do “primaz” deriva de sua posição de honra e é fruto da colegialidade da Igreja; por outro lado, a autoridade que os papas clamam para si desde o fim do primeiro milênio é resultado da abolição da organização sinodal da Igreja.

Durante o primeiro milênio da Igreja, os conceitos de primazia papal “por direito divino” de jurisdição ou de autoridade universal sobre a Igreja eram inexistentes. Pelo contrário, a Igreja detinha o direito de deliberar sobre suas questões administrativas sem a anuência do bispo de Roma, e estas decisões sempre foram universalmente válidas.

Após o cisma de 1054, as pretensões cada vez maiores dos papas em afirmar sua primazia sobre toda a Igreja subverteram completamente a estrutura do corpo místico da Igreja inspirada pelo Espírito Santo. Desse modo, a colegialidade – como uma função do Corpo de Cristo inspirada pelo Espírito Santo – torna-se um conceito fortuito, que é posteriormente abolido e substituído por uma mentalidade mundana. A primazia papal anula a igualdade dos bispos, distorce a autoridade administrativa plena da Igreja e despreza a essência do Teântropos (Deus-homem) ao fazer de um homem a cabeça visível da Igreja, repetindo, assim, o pecado ancestral dentro desta instituição.

Só pode haver união verdadeira quando há unidade de fé, culto e administração. Este é o modelo de união existente na Igreja antiga e que a Igreja Ortodoxa mantém inalterado até hoje. O uniatismo apresenta uma falsa união baseada em uma eclesiologia herética, pois permite a divergência de fé e culto, sujeita a unidade da Igreja ao reconhecimento da primazia papal – instituída pela justiça humana – e solapa a estrutura administrativa sinodal da Igreja – instituída pela justiça divina. A diversidade só é aceitável em questões secundárias de tradições e costumes locais.

Após o Concílio Vaticano I (1870) e, especialmente, o Concílio Vaticano II (1962-1964) a primazia papal deixou de ser uma simples asserção administrativa para se tornar um dogma de fé absolutamente necessário para a salvação dos fiéis. Negá-la resulta em excomunhão, conforme as resoluções do Concílio Vaticano I, cuja validade foi reafirmada no Concílio Vaticano II.

Como anfitrião da conferência, o Metropolita Serafim de Pireu enfatizou em sua apresentação que: “devido à doutrina blasfema e herética da primazia papal, incluindo aí suas ramificações espirituais – tais como a ‘infalibilidade’ do papa e seu despotismo monárquico e autocrático sobre a comunidade religiosa que está sob sua autoridade – o Papismo tornou-se um sistema monárquico-autocrático de ideologia mística e uma distorção do legítimo significado da Igreja. Ele é nada além de etnicismo franco-romano (paganismus) moderno disfarçado de espiritualidade, responsável por roubar a liberdade mística em Cristo dos membros da Igreja, por ser a causa inevitável e fatídica da apostasia e divisão da Igreja una, santa, católica e apostólica no Ocidente em uma miríade de heresias divergentes, e que hoje se apresenta como um obstáculo insuperável para seu possível retorno à Ortodoxia”.

Além disso, nos atuais diálogos teológicos entre Ortodoxos e católicos romanos, os participantes Ortodoxos devem buscar, em sua tentativa de restabelecer a comunhão eclesiástica, não somente a eliminação de doutrinas heréticas romanas (Filioque, graça criada, infalibilidade, purgatório, etc.), mas também a eliminação definitiva da primazia papal – e não apenas buscar uma interpretação aceitável por ambas as partes.

E, finalmente, consideramos que o modelo sincrético de “unidade na diversidade” é inaceitável e não será aceito jamais como “um modelo para a restauração da comunhão plena”

domingo, 16 de maio de 2010

O Que Sobrou da Religião



OLAVO DE CARVALHO | 16 MAIO 2010 
ARTIGOS - CULTURA

É tudo uma profecia auto-realizável: se a evidência avassaladora da percepção extracorporal é negada, não é só porque as pessoas não acreditam nela - é porque se tornaram realmente incapazes de vivenciá-la de maneira consciente.
Se há neste mundo um fato bem comprovado, é a percepção extra-sensorial durante o estado de morte clínica. Um corpo inerte, sem batimentos cardíacos ou qualquer atividade cerebral, desperta de repente e descreve, com riqueza de detalhes, o que se passava durante o seu transe, não só no quarto onde jazia, mas nos outros aposentos da casa ou do hospital, que de onde estava ele não poderia ver nem se estivesse acordado, bem de saúde e com os olhos abertos.
Isso já se repetiu tantas vezes, e foi atestado por tantas autoridades científicas idôneas, que só um completo ignorante na matéria pode teimar em permanecer incrédulo. Mas mesmo alguns daqueles que reconhecem a impossibilidade de negar o fato relutam em tirar a conclusão que ele impõe necessariamente: os limites da consciência humana estendem-se para além do horizonte da atividade corporal, inclusive a do cérebro.
A relutância em aceitar isso mostra que o "homem moderno" - o produto da cultura que herdamos do iluminismo - se identificou com o seu corpo ao ponto de sentir-se amedrontado e ofendido ante a mera sugestão de que sua pessoa é algo mais. É evidente que aí não se trata só de uma convicção, de uma idéia, mas de um transe auto-hipnótico incapacitante, de um bloqueio efetivo da percepção.
Esse estado é implantado nas almas pela tremenda pressão anônima da coletividade, que as mantém em estado de atrofia espiritual mediante a ameaça do escárnio e o temor - imaginário, mas nem por isso menos eficiente - da exclusão. Infinitamente multiplicado e potencializado pelo sistema educacional e pela a mídia , o que um dia foi mera idéia filosófica, ou pseudofilosófica, incorpora-se nas personalidades individuais como reflexo de autodefesa e, na mesma medida, restringe a autopercepção de cada qual ao mínimo necessário para o desempenho nas tarefas imediatas da vida socio-econômica. É tudo uma profecia auto-realizável: se a evidência avassaladora da percepção extracorporal é negada, não é só porque as pessoas não acreditam nela - é porque se tornaram realmente incapazes de vivenciá-la de maneira consciente. Vivem alienadas da sua experiência psíquica mais profunda e constante, encerradas num círculo de banalidades no qual o triunfalismo "cultural" e "científico" da mídia popular infunde uma ilusão de riqueza e variedade.
O "mundo real" no qual essas pessoas acreditam viver é o dualismo galilaico-cartesiano, já totalmente desmoralizado pela física de Einstein e Planck, mas que a mídia e o sistema escolar continuam impondo à alma das multidões como verdade definitiva: tudo o que existe nesse mundo são as "coisas físicas" e, em cima delas, o "pensamento humano", as "criações culturais". De um lado, a realidade dura da matéria regida por leis supostamente inflexíveis, nas quais se fundamenta a autoridade universal e inquestionável da "ciência"; de outro, a pasta mole e dúctil do "subjetivo", do arbitrário, onde toda opinião vale o mesmo. Dessa esfera "subjetiva" faz parte a "religião", que é o direito de crer no que bem se entenda, com a condição de não proclamá-lo jamais verdade objetiva ou valor universal.
Nessas condições, o próprio exercício da religião torna-se uma caricatura grotesca. Tanto quanto o ateu, o homem religioso de hoje em dia acredita piamente na existência de uma esfera material autônoma, regida por leis próprias que a ciência enuncia, só de vez em quando rompidas pela interferência do "milagre", do "inexplicável", do "divino". Por mais que a filosofia esculhambe com o "Deus dos hiatos" (aquele que só age por entre as brechas do conhecimento científico), ele é o único que restou no altar das multidões de crentes. Oficializada pelo establishmentgovernamental, universitário e midiático, a rígida separação kantiana de "conhecimento" e "fé" tornou-se verdade de evangelho para a maioria das almas religiosas, embora ela seja, em si, perfeitamente herética à luz da doutrina católica, interpondo um abismo infranqueável entre dimensões cuja interpenetração, ao contrário, é a própria essência da concepção cristã do cosmos. É novamente a profecia auto-realizável em ação: à percepção mutilada do eu individual corresponde uma religião mutilada, e vice-versa.
Quando digo percepção mutilada, estou afirmando, taxativamente, que a imagem do eu como algo que reside no corpo ou se identifica com ele é fantástica, ilusória, doente. Ela impõe à consciência limitações que não são de maneira alguma naturais, muito menos necessárias. Todas as tradições espirituais do mundo, todas as disciplinas sapienciais começam pela constatação óbvia de que o eu não é o corpo, não "está" no corpo mas de certo modo o abrange como o supra-espacial transcende e abrange o espacial (este é balizado por certas relações matemáticas que, em si, não estão em parte alguma do espaço). Mas uma coisa é compreender isso por pura lógica, outra bem melhor é poder constatá-lo no fato vivo da percepção extra-sensorial em casos de morte clínica. Bastaria, a rigor, um único episódio desse tipo para dar por terra com a balela de que o cérebro, isto é, o corpo, "cria" a cognição, o pensamento, a consciência. Mas os episódios são milhares, e o desinteresse dos crentes por esse tipo de fenômenos (mais estudados por ateus, adeptos da New Age e budistas do que por católicos, protestantes, ou mesmo judeus crentes) denota que a mente religiosa já se conformou com um estado de existência diminuída, em que a alma supracorporal, condição fundamental do acesso a Deus, só passará a existir no outro mundo, por alguma transmutação mágica da psique corporal, em vez de constituir já nesta vida a nossa realidade pessoal mais concreta, mais substantiva e mais verdadeira, presente e atuante nos nossos atos mais mínimos como nas nossas vivências mais elevadas e sublimes.
Durante milênios cada ser humano, ao pronunciar a palavra "eu", referia-se de maneira imediata e automática à sua alma imortal, a única que podia orar e responder por seus próprios atos ante o altar da divindade. Dessa alma, a psique corporal era uma parte e função menor, voltada ao meio material e social tão-somente, alheia a todo senso do eterno e, a rigor, incapaz de pecado ou santidade, apenas de delitos e virtudes socialmente reconhecidos. A partir do momento em que a psique corporal foi assumida como realidade autônoma, cada indivíduo só se enxerga a si mesmo como membro de uma espécie animal e como "cidadão", amputado daquela dimensão que fundamenta o senso último de responsabilidade e cultivando, em lugar dele, o mero instinto da adequação social, adornado ou não de "moral religiosa". Imaginem a diferença que isso faz, por exemplo, na compreensão que você tem da Bíblia: se você não a lê com sua alma imortal, talvez fosse melhor não lê-la de maneira alguma, porque a lê com a carne e não com o espírito.

Diário do Comércio, 12 de maio de 2010