By Rod Dreher
Tornei-me ortodoxo em 2006 e eu era um homem arrasado. Eu havia sido um devoto e convicto praticante do catolicismo romano por anos, mas minha fé foi estilhaçada em grande parte pelo que eu descobrira como jornalista cobrindo os escândalos de abuso sexual. Eu supunha que minhas convicções teológicas iriam proteger o coração da minha fé sob qualquer teste, mas o conhecimento com o qual eu lutava desgastou minha habilidade de crer nas alegações de verdade eclesiásticas da igreja Romana (eu escrevi em detalhes sobre este drama aqui: http://blog.beliefnet.com/crunchycon/2006/10/orthodoxy-and-me.html ). Para minha esposa e eu, o protestantismo não era uma opção, dado o que sabíamos a respeito de história da igreja, e dadas as nossas convicções sobre teologia sacramental. Isto fazia da Ortodoxia o único porto seguro na tempestade que ameaçava naufragar nosso cristianismo.
Na verdade, eu já aspirava à Ortodoxia por algum tempo, pelas mesmas razões que eu, quando jovem, encontrara meu caminho para a Igreja Católica. Ela me parecia uma rocha de estabilidade em um turbulento mar de relativismo que assola o cristianismo ocidental. E enquanto a igreja romana jogou fora tanto da sua herança artística e litúrgica na violência do Vaticano II, a Ortodoxia ainda mantém a dela. Muitos anos antes de entrarmos para a Ortodoxia, minha esposa e eu visitamos amigos Ortodoxos em sua paróquia em Maryland. Enquanto católicos moral e liturgicamente conservadores, nos comovemos e mesmo sentimos inveja do que vimos lá. Tínhamos que sair cedo para pegar a estrada para paróquia católica em estilo moderno dos anos 70, para atender nossas obrigações dominicais. O contraste entre os ofícios litúrgicos desconexos na paróquia de "Nossa Senhora do Pizza Hut" e o que tínhamos visto na paróquia ortodoxa, literalmente nos levou às lágrimas. Mas a feiúra, até mesmo a sensação de desolação espiritual, não se sobrepõem à verdade, e sabíamos que tínhamos que estar com a verdade - e portanto com Roma - apesar de tudo.
Se o catolicismo nos EUA fosse saudável, talvez pudéssemos ter aguentado os julgamentos por abuso sexual. Mas minha esposa e eu vínhamos nos preocupando por algum tempo sobre como iríamos criar nossos filhos como cristãos fiéis dada a moral ambígua ensinada nas paróquias romanas. Nos considerávemos católicos ortodoxos, isto é, acreditávamos no que está no catecismo, e tentávemos viver de acordo. Falhávamos - pois todos falham - mas o ponto é que, buscávamos na Igreja uma liderança moral clara e que nos ajudasse a vivermos a nossa fé com integridade e alegria. Mas aí está o problema: existe muito pouca ortodoxia na igreja católica dos EUA, e no nível paroquiano, praticamente nenhum reconhecimento de que existem coisas como "crença correta". Não é que eu quisesse expulsar todos os que não vivessem com exatidão o ensino católico - eu seria o primeiro a ser expulso se fosse o caso - mas eu não discernia nenhuma direção, e nenhuma convicção real de que as paróquias existiam para alguma outra coisa além de afirmar para nós mesmos que "estamos legais". Embora na época eu não tivesse palavras para descrever, eu estava cansado até os ossos dessa imitação barata de cristianismo que o sociologista Christian Smith chama de "Deísmo Terapêutico Moralista"(*). Eu me sentia tão vazio pelo desespero que isso me causava enquanto católico que quando os fortes ventos dos escândalos de abusos começou a soprar, a estrutura da minha crença católica não aguentou.
Eu digo isto não para denegrir a Igreja Católica Romana – a qual ainda amo, e perante a qual eu serei sempre grato por me apresentar ao Cristianismo antigo e sacramental – mas para mostrar porque a Ortodoxia é tão atraente para mim. Quando o entrevistei para meu livro “Crunchy Cons”, meu amigo Hugh O’Beirne, também convertido do Catolicismo para a Ortodoxia, me disse que para um católico cansado das guerras culturais acontecendo no catolicismo americano, é uma benção e um alívio descobrir que na Ortodoxia não tem esse problema. As questões que estão destruindo muitas outras igrejas nos EUA não sem nem de perto tão problemáticas na prática Ortodoxa. Seria bobagem fingir que esses conflitos não existem em absoluto nas paróquias Ortodoxas, mas eles realmente não chegam a ser uma questão relevante.
E tem a questão da liturgia e da música. Não existe nada comparável nas outras igrejas. É majestosamente belo e profundo, e é predominantemente a mesma Divina Liturgia (embora em língua vernacular) formada por S. João Crisóstomo, o patriarca de Constantinopla do século V. A beleza da Liturgia nos transporta completamente e a reverência que inspira nos dá forças. E embora eu sinta falta de alguns velhos hinos familiares (nos ofícios ortodoxos o que cantamos são orações e salmos), existe maior vantagem em não ter que aturar “On Eagle’s Wings” e outras canções bregas tão endêmicas do culto católico americano.
A principal razão pela qual a Ortodoxia é tão atraente para os convertidos, ou pelo menos para este convertido aqui, é o quão séria ela é sobre o pecado. Não digo que é uma religião de rigorismos – muito longe disso! – mas, ao invés, que a Ortodoxia trata o quebrantamento da humanidade com a devida seriedade. A Ortodoxia não vai dizer que você “está legal”. Na verdade, ela vai exigir que você chame a si mesmo, como S. Paulo o fez, “o maior dos pecadores”. E então a Ortodoxia lhe dará a Boa Nova: Jesus morreu e retornou à vida para que também você possa viver. Mas para poder viver, você mesmo terá que morrer, várias vezes. E isso não será sem dor, e não pode ser, ou não será real.
Por causa disso, por toda sua beleza dramática e rico jejum, a Ortodoxia é muito mais austera e exigente que a maior parte do cristianismo americano. As longas liturgias, as orações frequentes, os jejuns intensos – todos fazem exigências sérias para o fiel, especialmente para americanos acostumados ao conforto da classe média como eu. Ela nos chama para fora de nós e para o arrependimento. A Ortodoxia não está interessada em fazer com que você se sinta confortável nos seus pecados. Ela não quer nada menos que você seja um santo.
É comum ouvir entre os convertidos americanos que os homens são atraídos para a Ortodoxia primeiro, e que suas esposas os seguem. Não é difícil ver porquê. Muitos homens estão cansados de um Cristianismo molenga e burguês que não exige muito deles, porque não pede muito para eles. Homens adoram um desafio, e é exatamente isso que a Ortodoxia lhes dá.
Não se engane. A Ortodoxia não é, fundamentalmente sobre regras e práticas. Quanto mais eu progrido em minha Ortodoxia, mais claro fica para mim que a Ortodoxia é, acima de tudo, um caminho. Não é uma instituição, um conjunto de doutrinas, ou uma coleção de rituais, embora ela contenha tudo isso. Ao invés, é um modo de ver o mundo, e o nosso lugar nele, e um mapa para a santidade que é paradoxalmente antigo e surpreendentemente novo, pelo menos para sensibilidades ocidentais. É o caminho da liberdade.
É verdade que é possível encontrar paróquias na Ortodoxia americana com vidas espirituais secas, normalmente entre as paróquias mais antigas e centradas na questão étnica, pois se vêem como pouco mais do que a tribo se juntando para rezar. E porque as igrejas Ortodoxas estão cheias de pessoas americanas comuns, também estão cheias de problemas americanos comuns. Qualquer um que venha para uma paróquia Ortodoxa esperando a perfeição ficará desapontado. O que você encontrará, entretanto, é a Verdade e o Belo apresentados de uma forma que pode ser de tirar o fôlego para americanos modernos, e um Caminho antigo fundamentado na estabilidade doutrinária, na realidade sacramental, e em misticismo cristão prático – um misticismo que foi marginalizado na maioria das outras igrejas americanas.
Eu encontrei na Ortodoxia aquilo que eu achei que iria encontrar quando me tornei católico. Como meu santo patrono, eu escolhi S. Benedito de Núrsia, querido por ambas as igrejas, e um símbolo da unidade que já tivemos e que poderemos vir a ter um dia. A Igreja Católica precisa se tornar mais Ortodoxa e a igreja Ortodoxa precisa se tornar mais católica. Eu oro, realmente oro, que eu veja esta unidade ainda em vida. Até lá, porém, sou grato a Deus por Ele ter me dado uma segunda chance na Ortodoxia, e me mostrado o Caminho pelo qual eu busquei toda a minha vida. Quando entrei por essa porta, eu estava espiritualmente acabado, e achava que seria impossível para mim aprender a aturar essas liturgias longas, as orações intensas, estas prostrações, o jejum estrito, e – como dizê-lo? – a esquisitice do Cristianismo Ortodoxo em um contexto americano. Cinco anos depois, eu não consigo imaginar como foi que eu vivi tanto tempo sem tudo isso. Não dá para entender a Ortodoxia lendo. Você tem que vir e ver por si mesmo.
Rod Dreher é um escritor da Filadélfia, Estados Unidos.
(*) Deísmo terapêutico moralista – Segundo a Wikipedia,
Deísmo terapêutico moralista é uma expressão criada no livro “Soul Searching: As Vidas Espirituais e Religiosas dos Adolescentes Americanos” (2005 por Christian Smith e Melinda Lundquist Denton. A expressão é utilizada para descrever o que os autores consideram ser as crenças religiosas comuns à juventude americana. O livro é o resultado de um projeto de pesquisa chamado “Estudo Nacional da Juventude e Religião”, financiado pela organização privada Lilly Endowment.
Os autores descobriram que muitos jovens acreditam em diversas afirmações morais não exclusivas de qualquer das grandes religiões do mundo. É esta combinação de crenças que eles rotularam de Deísmo Terapêutico Moralista:
1 – Existe um dues que criou e ordenou o mundo e que guarda a vida humana na terra;
2 – Esse Deus quer que as pessoas sejam boas, gentis e justas umas com as outras, como ensinado na Bíblia e na maioria das religiões do mundo;
3 – O principal objetivo da vida é ser feliz e sentir-se bem a respeito de si mesmo;
4 – Deus não precisa estar envolvido de forma particular na vida de ninguém, exceto quando Deus é necessário para resolver algum problema;
5 – As pessoas boas vão para o céu quando morrem;
Estes pontos de crença foram compilados a partir de entrevistas com aproximadamente 3.000 adolescentes.
Análises dos autores:
Os autores dizem que o sistema é “moralista” porque “é sobre inculcar uma abordagem moral da vida. Ele ensina que o ponto central da vida é viver bem e feliz e que para isso é necessário ser uma pessoa boa e moral”. Os autores descrevem o sistema como sendo “sobre prover benefícios terapêuticos aos seus aderentes”, em contraposição com coisas como “arrependimento do pecado, manter o Sábado, ou viver como um servo de uma divindade soberana, ou persitir em orações, ou observar fielmente dias santos, ou construir o caráter através do sofrimento..” e além disso, como “crença em um tipo particular de Deus: um que existe, criou o mundo, e que define nossa ordem moral geral, mas não um que seja envolvido de forma particular na vida das pessoas – especialmente aqueles que se preferiria que Deus não se involvesse”.
O afastamento de Deus neste tipo de teísmo explica a palavra “deísmo”, embora “o Deísmo aqui seja uma revisão da sua versão clássica do século 18, qualificada pelo seu atributo ‘terapêutico’, fazendo de Deus seletivamente disponível para cuidar de nossas necessidades”. Deus é visto como “um tipo de combinação de um Mordomo Divino e um Terapêuta Cósmico: está sempre a nosso serviçoo, toma conta de todos os problemas que surgem, ajuda profissionalmente as pessoas a se sentirem melhor com elas mesmas, e não se envolve pessoalmente demais nos processo”.
Os autores acreditam que “uma parcela significativa do cristianismo nos Estados Unidos é apenas tenuamente cristão em qualquer sentido da palavra que esteja seriamente ligado à tradição histórica cristã, mas que seja algo substancialmente modificado nesse primo de terceiro grau mal-gerado que é o Deísmo Terapêutico Moralista Cristão.