sábado, 27 de julho de 2013

Igrejas Ortodoxa e Romana: Semelhanças e Diferenças - Parte 1/3

São Francisco de Assis e São Serafim de Sarov


Caríssimos,

em vista da visita do Papa para a JMJ, Jornada Mundial da Juventude, surgem muitas dúvidas sobre quais seriam as diferenças entre as Igrejas Católica Ortodoxa e Católica Romana.

A dúvida mais comum talvez seja como e por que Roma deixou de aceitar o governo tradicional apostólico da Igreja, essencialmente colegial com o Primaz tendo um papel de autoridade real, porém muito menos pronunciado, sendo que Roma o substituiu por uma forma centralizada e monárquica com autoridade universal e ordinária no bispo romano, além do dogma proclamado no século 19 de que em questões de doutrina e moral pronunciadas "ex cathedra", isto é, oficialmente, o Papa é infalível. Foi um processo de muitos séculos até Roma abandonar o Catolicismo Ortodoxo separando-se completamente de suas igrejas irmãs mais velhas em  Antioquia, Grécia e Alexandria,  e que comungam da mesma fé e continuam Católicas Ortodoxas até hoje, incluindo a Igreja Mãe de todas que é a de Jerusalém; Depois de abandonar a ortodoxia católica, Roma formou o Catolicismo Romano para ter a liberdade de se organizar da forma mais centralizada no Papa e focada nos reinos do oeste da Europa, os quais mais tarde se expandiriam pelo globo formando o que hoje chamamos de Ocidente. 

No espírito do amor e da verdade, e utilizando como referência o livreto "Orthodoxy and Catholicism: What are the differences?" do padre Theodore Pulcini, elenco abaixo, algumas das principais diferenças, que vão além da forma de governo da Igreja.

Esta pequena série é dividida em três partes.

A primeira parte trata de Questões de Doutrina, a segunda de Adoração e Veneração e a terceira de Governança.

Questões de Doutrina

Princípios Básicos

Igreja Católica Ortodoxa

Toda doutrina ortodoxa é fundamentada na Santa Tradição, que é composta pelos hinos, iconografia, ensinamentos orais, ofícios e liturgias, cânones, concílios, credos, festas, escritos teológicos e místicos, e Santas Escrituras. Vale lembrar que os livros aceitos das Santas Escrituras foram determinados nos primeiros concílios católico-ortodoxos do primeiro milênio e existiam de forma esparsa entre os livros litúrgicos, isto é, os livros da Divina Liturgia e outros ofícios da Igreja. A Bíblia como um livro único com todas as Santas Escrituras aceitas só passou a existir depois da invenção da imprensa. A Santa Tradição, da qual fazem parte as Santas Escrituras, é a própria vida da Igreja, inspirada e guiada pelo Espírito Santo. A atitude básica da Igreja sobre a teologia enfatiza o mistério e  experimentarmos o incompreensível.

Igreja Católica Romana

Os fundamentos da Igreja Romana são essencialmente os mesmos, exceto que a atitude geral da teologia enfatiza definições precisas e um processo de dedução baseado na razão humana, a qual, só consegue ir até certo ponto na experiência da infinitude de Deus. É uma ênfase muito maior em definir em forma de regras, listas, leis, padrões e estruturas. 

A Bíblia

Igreja Católica Ortodoxa

A Bíblia, chamada de Santas Escrituras, é a principal fonte escrita de doutrina e fé. Suas palavras foram inspiradas pelo Espírito Santo e o contexto que dá sentido às suas palavras é Santa Tradição que nos foi transmitida de Cristo para os Apóstolos e destes para a Igreja. A continuidade desta fé comum através dos séculos está registrada nos ofícios, liturgias, hinos e ícones de forma simbólica, e de forma direta nos comentários e explicações dos Pais da Igreja. A Igreja Ortodoxa preserva alguns livros a mais no Antigo Testamento que a Igreja Romana.

Igreja Católica Romana

A crença a respeito das Santas Escrituras é essencialmente a mesma, sendo que além de alguns livros a menos, o Antigo Testamento também está organizado em uma ordem ligeiramente diferente.

Concílios e Credos

Igreja Católica Ortodoxa

O principal credo ortodoxo é o Niceno-Constantinopolitano escrito nos concílios ecumênicos de Nicéia (ano 325) e Constantinopla (ano 381). A Igreja Católica Ortodoxa não alterou nem acrescentou nada a este Credo ao longo dos séculos. Realizou 8 concílios ecumênicos no primeiro milênio, sendo que Roma não participou do segundo e, mesmo tendo participado do 8o, posteriormente o renunciou. Assim, até hoje o primeiro milênio ainda é conhecido pelos primeiros 7 Concílios Ecumênicos. Alguns teólogos e historiadores ortodoxos reconhecem como ecumênicos  o 8o e 9o Concílios, além do concílio Pan-Ortodoxo de 1672 realizado em Jerusalém.

Igreja Católica Romana

Aceita os 7 concílios do primeiro milênio, porém alterou o credo pela adição da cláusula do filioque (veja a seção sobre "Trindade"). Realizou diversos concílios exclusivamente romanos após separar-se das igrejas irmãs e da igreja mãe em Jerusalém, e os considera concílios ecumênicos, tendo sido o mais recente o Concílio Vaticano II. Em alguns casos, decretos papais foram colocados acima ou contra decisões de concílios ou credos anteriores.

A Trindade

Igreja Católica Ortodoxa

A doutrina básica da Trindade define Deus como Uno (uma natureza divina, uma ação e uma vontade divinas) em três Pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. Deus Pai é origem e fonte da Trindade. Deus Filho é eternamente gerado do Pai. Através de Sua Encarnação, Cristo possui duas naturezas, divina e humana, unidas em uma só Pessoa; Ele é completamente Deus e completamente Homem. O Espírito Santo procede eternamente e exclusivamente do Pai. Quando a Igreja Católica Ortodoxa definiu a frase "Creio no Espírito Santo...que procede do Pai.", estava citando o próprio Jesus Cristo: "Mas, quando vier o Consolador, que eu da parte do Pai vos hei de enviar, aquele Espírito de verdade, que procede do Pai, ele testificará de mim". João 15:26. Acrescentar, retirar ou alterar de qualquer forma esta frase é mudar a própria revelação de Deus Filho sobre a Trindade, ensinada aos Apóstolos e registrada nas Santas Escrituras.

Igreja Católica Romana

Para combater uma heresia em terras que mais tarde formariam a Espanha, passou-se a acrescentar localmente na fórmula do Credo Niceno-Constantinopolitano a frase que o Espírito do Santo procede do Pai *e do Filho*. Fora do Credo é possível dizer isto em sentido metafórico, pois o Filho envia o Espírito Santo para o mundo. Porém, no Credo, fala-se das relações internas e eternas da Trindade. 

Carlos Magno, rei dos francos, tentou reconstruir o Império Romano ocidental com bases germânicas. Seu trabalho civilizacional foi um dos grandes movimentos que tornaram possível o Ocidente como o conhecemos. Mas também foi ele quem pela primeira vez quis forçar que se acrescentasse de forma sistemática no Credo Niceno-Constantinopolitano a frase "e do Filho". Dessa forma, ele podia acusar os "gregos", isto é, os católicos ortodoxos de língua litúrgica grega, de terem deturpado o Credo e assim justificar seu próprio título de Imperador dos Romanos, que já era usado pelo Imperador em Constantinopla muito antes. Acusando o Imperador em Constantinopla de heresia, ele podia se mostrar como o legítimo substituto de líder supremo dos romanos. A alteração do Credo porém é um crime tão grande que o próprio Papa admoestou Carlos Magno contra essa mudança e mandou colocar na Catedral de Roma uma placa com o Credo original em grego e latim e sem a expressão "e do Filho". Apenas séculos depois, poucos anos antes do cisma romano de 1054, é que, durante a coroação de um rei germânico como imperador do Sacro Império Romano Germânico, e para agradá-lo legitimando o seu antecessor Carlos Magno, um Papa utilizou a expressão "e do Filho" no Credo, tornando a alteração oficial e mandatória em toda a Igreja Romana. Mesmo assim, por muitos séculos e até a ciência histórica provar o contrário, a Igreja Romana alegou para seus fiéis que os "gregos" é que haviam alterado o Credo. 

Pecado e Salvação

Igreja Católica Ortodoxa

O pecado é um estado não natural do homem, uma distorção da criação original de Deus. Depois da Queda de Adão, todos os seres humanos foram adoecidos pelo pecado ancestral, tornando-se vítimas da morte. O objetivo da vida humana é evitar o pecado, adquirir o Espírito Santo em nossos corações, e assim restaurarmos nossa semelhança com Deus. A verdade, porém, é que todos nós pecamos, e só podemos nos libertar do pecado pela energia salvífica de Jesus Cristo, que perdoa nossos pecados e do mundo através de Sua abundante misericórdia. Pela Sua ressurreição, Cristo derrotou nosso último inimigo, que é a morte. A salvação é um processo que dura a vida inteira, envolvendo nossa coparticipação passiva na energia de Cristo através da aceitação da Graça de Deus, de oração, ascese espiritual e participação na vida sacramental da Igreja.

Após a morte, há um estado intermediário entre a morte e o Julgamento Final, durante o qual as almas beneficiam-se das orações dos fiéis.

Igreja Católica Romana

De acordo com o entendimento romano, o "pecado original" é uma mancha de culpa herdada e que é passada de Adão para as gerações seguintes. Enquanto na Igreja Católica Ortodoxa o que passa são apenas as consequências do pecado de Adão (a morte), na Igreja Católica Romana é a própria culpa. 

Aqueles que morrem tendo cometido pecados veniais (pecados menores em relação aos "grandes" como assassinato, etc) e dos quais não se arrependeram devem passar um tempo no Purgatório expiando tais pecados. Esta expiação pode ser aliviada por orações e pelos méritos de Cristo e dos Santos através das indulgências.

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