quinta-feira, 4 de junho de 2015

Gula 2.0 - A Idolatria da Alimentação Saudável



Artigo completo no NATIONAL POST: http://news.nationalpost.com/life/food-drink/the-new-religion-how-the-emphasis-on-clean-eating-has-created-a-moral-hierarchy-for-food

Sarah Boesveld, 30 de maio de 2015
Edição e Tradução: Fabio L. Leite, 03 de junho de 2015

McCann é professora de religião e cultura na Universidade de Nipissing, ao norte de Ontário, e confessa que é culpada de esnobismo alimentar. A vegetariana admite que sentiria nojo só de ver um pedaço de carne muito perto de sua salada na geladeira.

A professora é uma dos vários acadêmicos apresentando trabalhos semana que vem no Congresso de Humanas e Ciências Sociais em Ottawa, examinando como a explosão de "alimentação saudável" - sejam comidas cruas ou sucos, paleodieta, regimes sem glúten ou veganismo fervoroso - criaram uma hierarquia moral da alimentação.

Ela argumenta que o aumento nos movimentos relacionados a comida coincidiu com o declínio da religião na sociedade, com muitas pessoas buscando antigos valores como pureza, ética e bondade, mas dessa vez nos seus hábitos alimentares. Mas, esses movimentos tendem a encorajar os mesmos comportamentos que primeiramente afastaram as pessoas da religião: julgamentos, uma pretensão de superioridade moral, e a mentalidade de nós-contra-eles. Ela acrescenta ainda que muitos buscam um senso de realização que não pode ser satisfeito com comida.

O relacionamento entre comida e virtude tem raízes profundas. Morder uma maçã no Éden, foi, no final das contas, a escolha moral e fatal de Eva. Muçulmanos e judeus evitam carne de porco. Hindus e rastafaris são vegetarianos.

Alan Levinovitz, professor americano de filosofia e religião, argumenta em seu livro "The Gluten Lie and Other Myths About What You Eat" (A mentira do Glúten e Outros Mitos Sobre o Que Você Come), argumenta que embora a maioria de nós tenha deixado de lado tais restrições alimentares, ainda existe uma tendência na cultura a associar valores morais com comida. 

A forma como categorizamos os alimentos como virtuosos ou poluidores é complexa. Por exemplo, como Levinovitz explicou em uma entrevista com o The Atlantic nesse mês, "no fim do século XVIII, as pessoas consideravam que o açúcar fosse ruim" e isso tão logo ele surgiu na Europa. Era assim porque era considerado prazeroso, e por isso mesmo, praticamente um pecado, embora a opinião fosse diferente sobre a doçura do mel, considerada mais "natural".

Entretanto, segundo McCann, na medida em que religião decaiu, nossa obsessão com a pureza do que está em nosso prato aumentou. "É mais subconsciente", ela diz, mas é algo motivado por um tipo de "impulso religioso" que não é reconhecido como tal.

O fervor com o que é considerado "bom" ou "mau" na comida pode ter uma nuance messiânica. Escolher o que deveríamos comer se torna cada vez mais complexo: não basta comer alimentos genericamente saudáveis? Eles também tem que ser ecologicamente sustentáveis? É suficiente limitar a ingestão de carne ou precisamos nos abster completamente para sermos virtuosos?

McCann destaca em sua apresentação que "se você acha que é o puro (por causa do que você come), então alguma outra pessoa é a impura", ela diz. Quanto melhor nos sentimos sobre o que nós comemos - seja porque é ético, saudável ou local - mais tendemos a julgar os outros pelo que eles comem. Ou pior, pelo que achamos que eles são por causa do que comem".

Não é à toa que dizemos 'sou vegetariano' ao invés de 'como vegetais'.

"Dá uma sensação de virtude," diz McCann. "Sou uma pessoa virtuosa, estou no controle do meu corpo, eu consigo discipliná-lo e *você* não."

Parte do apelo da alimentação virtuosa é que nos oferece uma sensação de controle em um mundo fora de controle, diz Helen Zoe Veit, professora na Universidade Estadual de Michigan e autora de Modern Food, Moral Food.
National Post

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