quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Intercomunhão com Roma II: A relação melquita-antioquena


Continuando o trabalho do último artigo, daremos voz aos documentos e autoridades eclesiais de ambas as igrejas sobre o problema de intercomunhão Roma-Ortodoxia através das igrejas melquita e antioquena, buscando focar no que trata diretamente do assunto em pauta.

Da parte de Roma

Carta da Congregação para as Igrejas Orientais Prot. No. 251/75
11 de Junho de 1997
Sua Beatitude Máximos V Hakim
Patriarca Católico Greco-Melquita de Antioquia e todo o Oriente, Alexandria e Jerusalém
Sua Beatitude
As novidades do projeto de "reaproximação" entre o Patriarcado Católico Greco-Melquita e o Patriarcado Ortodoxo de Antioquia deu margem a vários ecos e comentários na opinião pública.
A Congregação para Doutrina da Fé, a Congregação para Igrejas Orientais, e o  Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos realizaram um esforço para estudar e examinar de perto as áreas que enquadram-se em suas competências nesse domínio; e os líderes desses Dicastérios foram incumbidos pelo Santo Padre de expressar algumas considerações a Sua Beatitude.
(...)
Os Discatérios envolvidos apreciam muitíssimo as iniciativas pastorais comuns que são tomadas por católicos e ortodoxos, de acordo com as instruções encontradas no Diretório para aplicação dos princípios e normas para o Ecumenismo, especialmente nas áreas de formação cristã, de educação, um esforço comum na caridade e de compartilhar oração quando possível.
Quanto a experiências de natureza teológica, é necessário laborar pacientemente e prudentemente, sem precipitação, com o fim de auxiliar ambos os lados a viajarem na mesma estrada.
O primeiro nível neste partilhar trata da linguagem e das categorias empregadas no diálogo: deve-se ter muito cuidado para que o uso da mesma palavra ou do mesmo conceito não seja usado para expressar diferentes pontos de vista e interpretações de uma natureza histórica e doutrinal, nem que se prestem a simplificações excessivas.
Um segundo nível de envolvimento requer que o partilhar de conteúdo no diálogo não seja limitado apenas aos dois participantes: os Patriarcados dos Católicos Greco-Melquitas e os Ortodoxos de Antioquia, mas que envolva as confissões com quem os dois patriarcados estão em plena comunhão, a comunhão católica para o primeiro e a ortodoxa para o segundo. Mesmo as autoridades eclesiásticas ortodoxas do Patriarcado de Antioquia levantaram uma preocupação semelhante. Esse envolvimento global também permitirá evitar o risco de que algumas iniciativas, que buscam promover a plena comunhão no nível local, dêem margem a uma falta de compreensão ou suspeitas além da generosidade das intenções.
Consideremos agora os elementos contidos na profissão de fé de sua Excelência Kyr Elias Zoghby, Arcebispo Emérito dos Católicos Greco-Melquitas de Baalbek, e assinada em fevereiro de 1995, e a qual numerosos hierarcas do Sínodo Católico Greco-Melquita aderiram.
É claro que esse Patriarcado é uma parte integral do Oriente Cristão cujo patrimônio ele compartilha. Quanto aos Católicos Greco-Melquitas que declaram sua completa adesão ao ensino da Igreja Ortodoxa, é necessário considerar o fato de que ela não está hoje em plena comunhão com a Igreja de Roma, e que essa adesão, portanto, não é possível enquanto não houver uma plena correspondência na profissão e exercício da fé pelos dois grupos. Além disso, a correta formulação da fé necessita de uma referência não apenas a uma Igreja particular, mas a toda Igreja de Cristo, que não conhece fronteira, nem no espaço, nem no tempo.
Na questão da comunhão com os Bispos de Roma, sabemos que a doutrina concernente ao primado do Pontífice Romano passou por desenvolvimentos ao longo do tempo dentro do quadro de explicação da fé da Igreja, e ele tem que ser preservado integralmente, o que significa de sua origem até nossos dias. Basta pensar sobre o que afirmou o Concílio Vaticano I e o que o Concílio Vaticano II declarou, particularmente a Constituição Dogmática Lumen Gentium Num. 22 e 23, e no Decreto sobre ecumenismo Unitatis Redintegratio Número 2.
Quanto as modalidades para o exercício do ministério Petrino em nosso tempo, uma questão que é diferente do aspecto doutrinal, é verdade que o Santo Padre recentemente quis lembrar-nos de como "podemos buscar - juntos, naturalmente - as formas nas quais este ministério pode realizar um serviço de amor reconhecido por todos os envolvidos" (Ut unum sint, 95); entretanto, se é legítimo lidar com isso também no nível local, é também um dever fazê-lo sempre em harmonia com uma visão da Igreja universal. Tocando nessa questão, é apropriado lembrar que em todo caso, "A Igreja Católica, tanto na sua práxis, quanto em seus documentos solenes afirma que a comunhão das igrejas particulares com a Igreja de Roma, e de seus Bispos com o Bispo de Roma, é - no plano de Deus - um requisito essencial da plena e visível comunhão" (Ut unum sint, 97).
Quanto aos vários aspectos da communicatio in sacris, é necessário afirmar um diálogo constante com o fim de compreender o significado da regulamentação correntemente vigente, sob a luz de pressuposições teológicas subjacentes; iniciativas unilaterais e prematuras devem ser evitadas, onde os resultados eventuais podem não ter sido suficientemente considerados, podendo produzir consequências sérias para outros católicos orientais, especialmente os que vivem na mesma região.
Em resumo, o diálogo fraternal realizado pelo Patriarcado Católico Greco-Melquita servirá melhor ao diálogo ecumênico na media em que busque envolver toda a Igreja Católica, a qual pertence, no amadurecimento de novas sensibilidades. Existem bons motivos para crer que os ortodoxos em geral partilham das mesmas preocupações, devido também às obrigações de comunhão dentro de seu próprio corpo.
Os Discastérios envolvidos estão prontos para colaborar com o fim de aprofundar a troca de verificações e ecos; eles expressam sua satisfação por esses encontros que ocorreram sobre o assunto com os representantes da Igreja Católica Greco-Melquita, e esperam e desejam que esses encontros continuem e se intensifiquem no futuro. 
Sem duvidar que Sua Beatitude desejaria partilhar essas ideias, imploramos que aceite a expressão de nossas saudações cordiais e fraternais. 
Joseph Card. Ratzinger (posteriormente SS Papa Bento XVI)
Achille Card. Silvestrini
Edward Card. Cassidy

Do lado da Igreja Ortodoxa de Antioquia, temos:

Em outubro de 1996, o Santo Sínodo do Patriarcado Ortodoxo Antioqueno emitiu uma declaração que incluía as questões com a proposta melquita:

"Sobre esse assunto, nossa Igreja questiona a unidade da fé que os católicos melquitas acham que se tornou possível. Nossa Igreja crê que a discussão dessa unidade com Roma ainda está em seu estágio primitivo. O primeiro passo para a união no nível doutrinal, é não considerar como ecumênicos os concílios ocidentais locais que a Igreja de Roma convocou, separadamente, incluindo o Concílio Vaticano I.
Em segundo lugar, os católicos melquitas não deveriam ser obrigados a aceitar tais concílios. Sobre a intercomunhão agora, nosso Sínodo crê que a intercomunhão não pode ser separada da unidade da fé. Além disso, a intercomunhão é o último passo na jornada para unidade, e não o primeiro."

Além disso, o eminente Metropolita Philip Saliba (1931-+2014) da Arquidiocese Antioquena da América do Norte, subscrevendo o Sínodo Antioqueno, também emitiu o seguinte comunicado:

Por favor, estejam avisados que, enquanto oramos pela unidade de todos os Cristãos, não podemos e não iremos realizar comunhão com os não-ortodoxos até que antes alcancemos a unidade da fé. Enquanto essa unidade da fé não for realizada, não pode haver intercomunhão. Pedimos a todos que adiram às instruções que receberam de nosso escritório e de nossos hierarcas".
Ambos os comunicados estão registrados no site melquita:

https://web.archive.org/web/20111205203202/http://www.melkite.org/bishopQA.htm

Nesse mesmo site o Bispo melquita John, na área de perguntas e respostas, resume de forma muito sábia a questão:

Pergunta sobre participação nos ofícios ortodoxos: "Como católicos melquitas, podemos participar nos ofícios de oração (como o de Vésperas) de nossos colegas ortodoxos antioquenos? O que eu queria saber é: Quais são as regras?"

Resposta do Bispo João: Muito obrigado por sua pergunta sobre a participação nos ofícios com os ortodoxos antioquenos. O Vaticano II chama todos os católicos a familiarizarem-se com os cristãos ortodoxos orientais, já que existe tão pouco que os separa. O atual Santo Padre está bastante disposto a trabalhar por uma reunião dos católicos romanos e dos ortodoxos. Para nós como melquitas, a questão é ainda mais urgente, pois temos raízes familiares comuns - muitas de nossas famílias são inter-relacionadas, e temos tanto em comum. Você provavelmente reparou que a música e os ofícios são muito parecidos. Por isso, sim, por favor, participe dos ofícios com os ortodoxos antioquenos e ore com eles, assim como convidando-os aos ofícios em nossas igrejas melquitas. Entretanto, não restabelecemos a comunhão plena com eles ainda. No momento, nós nos abstemos de receber a Comunhão nas igrejas uns dos outros... não porque sejamos melhores do que eles, nem porque eles sejam melhores do que nós... nos abstemos como um reconhecimento de que ambos os lados tem que trabalhar mais duro pela reunião para que um dia possamos todos intercomungar e desfrutar aquela unidade pela qual Cristo Deus orou tão fervorosamente em Sua Última Ceia com os Apóstolos, quando ele nos deu a Divina Liturgia como uma celebração da comunhão plena com o Pai e uns com os outros através dEle no Espírito Santo.

Vale lembrar que se a proibição é efetiva entre melquitas e ortodoxos, é ainda mais forte entre ortodoxos e católicos latinos.

Veja o primeiro artigo da série: http://vidaortodoxa.blogspot.com.br/2015/08/intercomunhao-com-roma-o-elefante-na.html

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