quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Sermão de São Tikhon no Domingo do Triunfo da Ortodoxia


Sermão de São Tikhon no Domingo do Triunfo da Ortodoxia

São Tikhon foi bispo nos EUA no início do século XX e posteriormente patriarca de Moscou pouco antes da Revolução Comunista.


Neste domingo, irmãos, inicia-se a semana da Ortodoxia, ou a semana do Triunfo da Ortodoxia, assim chamada pois é neste dia que a Santa Igreja Ortodoxa solenemente relembra sua vitória sobre a heresia iconoclasta e outras heresias e, com gratidão, relembra todos os que lutaram pela fé Ortodoxa em palavras, escritos, ensinos, sofrimentos, ou com uma vida em Deus.

Ao mantermos o dia da Ortodoxia, os ortodoxos devemos lembrar que é nosso dever sagrado mantermo-nos firmes na fé ortodoxa e cuidadosamente mantê-la.

Para nós, é um precioso tesouro: nesta fé nascemos e fomos criados; todos os eventos importantes da nossa vida estão relacionados com ela, e ela está sempre pronta a nos ajudar e abençoar em todas as necessidades e boas iniciativas, por menores que pareçam ser. Ela nos dá forças, alegria e consolo; nos cura, purifica e nos salva.

A fé Ortodoxa também nos é querida porque é a Fé de nossos Pais. Por amor dela, os Apóstolos labutaram e suportaram dores; mártires e pregadores sofreram por ela, campeões, que eram como os santos, derramaram lágrimas e sangue; pastores e professores lutaram por ela, e nossos ancestrais a defenderam, e tal legado deveria ser para nós como a pupila de nossos olhos.

E quanto a nós, descendentes destes – preservamos a fé Ortodoxa? Somos fiéis aos seus Evangelhos? Desde milênios atrás, o profeta Elias, este grande trabalhador pela glória de Deus, denunciava que os Filhos de Israel haviam abandonado o Testamento do Senhor, afastando-se dele e chegando-se aos deuses dos pagãos. Ainda assim, o Senhor revelou ao Seu profeta que entre os israelitas ainda existiam sete mil pessoas que não haviam se ajoelhado perante Baal ( 3 Reis 19 LXX(1)). De forma parecida, sem dúvida, em nossos dias também existem alguns verdadeiros seguidores de Cristo. “O Senhor conhece os que são Seus.” (2 Tim 2.19)

Ocasionalmente encontramos os filhos da Igreja, aqueles que são obedientes aos Seus decretos, que honram seus pastores espirituais, que amam a Igreja de Deus e a beleza do seu exterior, que anseiam por atenderem à Divina Liturgia e levar uma vida boa, que reconhecem suas falhas humanas e sinceramente arrependem-se de seus pecados.

Mas existem muitos como estes entre nós? Não são em maior número aqueles, “em quem as sufocantes ervas daninhas da vaidade e da paixão permitem apenas pequenos frutos da influência dos Evangelhos, ou que são mesmo desprovidas de frutos, que resistem à verdade do Evangelho, por causa do aumento de seus pecados, que renunciam ao dom do Senhor e repudiam a Graça de Deus”.

‘Eu fiz nascer filhos e os glorifiquei, e mesmo assim eles Me renegam’ disse o Senhor nos dias antigos, a respeito de Israel. E hoje também existem muitos que o Senhor fez nascer, cuidou e glorificou na fé Ortodoxa, e mesmo assim negam sua fé, não prestam atenção aos ensinamentos da Igreja, não mantêm suas injunções, não escutam seus pastores espirituais e se mantêm frios no que se refere aos ofícios divinos e à Igreja de Deus.

Quão rapidamente alguns de nós perdem a fé Ortodoxa neste país de muitos credos e tribos! Eles começam sua apostasia com coisas que a seus olhos possuem pouca importância. Eles acham que é “antiquado” ou que “não é aceitável entre as pessoas cultas” observar costumes tais como: orar antes e depois das refeições, ou mesmo de manhã e à noite, usar uma cruz no pescoço, ter ícones em suas casas ou observar os dias santos da igreja e seus jejuns. E não param em tais coisas, mas vão além: raramente vão à igreja e algumas nem mesmo vão, já que o homem tem que descansar no domingo (em algum bar); eles não se confessam, não fazem questão de se casar na igreja e adiam o batizado de suas crianças.

E deste modo seus laços com a fé Ortodoxa são quebrados! Eles se lembram da Igreja no leito de morte, e alguns nem mesmo ali! Para desculpar sua apostasia eles ingenuamente dizem: ‘esta não é a nossa terra natal, aqui é a América, e portanto é impossível observar todas as exigências da Igreja’, como se a palavra de Cristo fosse apenas para a terra natal e não para o mundo todo. Como se a fé Ortodoxa não fosse a fundação do mundo!

“Ah, nação pecadora, um povo tomado pela iniquidade, uma semente de perpetradores do mal, crianças que são corruptoras: eles se esqueceram do Senhor, eles provocaram a ira do Santo de Israel’ (Is 1.4)

Se não conseguem preservar a fé Ortodoxa e os mandamentos de Deus, o mínimo que podem fazer é não humilharem seus corações inventando falsas desculpas para seus pecados!

Se não honram nossos costumes, o mínimo que podem fazer é não rir das coisas que não conhecem nem entendem.

Se não aceitam o cuidado maternal da Santa Igreja Ortodoxa, o mínimo que podem fazer é confessar que agem erroneamente, que estão pecando contra a Igreja e se comportando como crianças!

Se o fizerem, a Igreja Ortodoxa irá perdoá-los, como uma terna mãe, de sua frieza e fraqueza, e irá recebê-los de volta em seus braços, como filhos que erraram.

Apegando-se à fé Ortodoxa, como a algo santo, amando-a com todo o seu coração e dando-lhe o mais alto valor, cada Ortodoxo deve, além disso, esforçar-se para espalhar esta fé entre os povos de outras crenças.

Cristo, o Salvador, disse que “nem os homens acendem uma vela para colocá-la embaixo da mesa, mas sobre o candelabro, para que ela ilumine a todos que estão na casa.’ (S. Mt. 5:15)

A luz da Ortodoxia não foi acesa para brilhar apenas sobre um pequeno número de pessoas. A Igreja Ortodoxa é universal; ela se lembra das palavras de seu Fundador: “Vão ao mundo, e preguem o evangelho para todas as criaturas”(S. Lc. 16:15), “vão pois, e ensinem a todas as nações” (S. Mt. 28:19).

Temos que compartilhar nossa riqueza espiritual, nossa verdade, luz e alegria com os outros, que estão privados de tais bênçãos, mas normalmente estão buscando-as e sedentas por elas.

Certa feita, uma visão apareceu a Paulo de noite. Um homem da Macedônia o chamava dizendo, ‘venha para a Macedônia e nos ajude,’ (At. 16.9). Depois deste evento o apóstolo foi a este país apregoar a Cristo. Nós também ouvimos este convite. Nós vivemos cercados por pessoas de crenças diferentes; no mar de várias religiões, nossa Igreja é uma pequena ilha de salvação, na direção da qual alguns nadam, atirados ao mar da vida. ‘Venham, rápido, socorro!’, escutamos às vezes de pagãos em lugares tão longe quanto o Alasca, e mais frequentemente daqueles que são nossos irmãos em sangue e foram um dia nossos irmãos em fé, os Uniatas. ‘Recebe-nos em sua comunidade, nos dê um de seus bons pastores, nos envie um Padre para que tenhamos o Ofício Divino realizado nos dias santos, ajude-nos a construir uma igreja, a construir uma escola para nossos filhos, para que eles não percam na América sua fé e nacionalidade,’ estes são os pedidos que temos escutado, especialmente nos últimos dias.

E devemos nós permanecer surdos e insensíveis? Deus nos proteja contra tal falta de compaixão. Ou então ai de nós, ‘pois tomamos a chave do conhecimento e nem entramos nós, e nem deixamos entrar os que queriam.’ (S. Lc. 11:52).

Mas quem vai trabalhar pela expansão da fé Ortodoxa, para o crescimento dos filhos da Igreja Ortodoxa? O clero e missionários, você responde. Você está certo, mas estarão eles sozinhos?

S. Paulo sabiamente compara a Igreja de Cristo a um corpo, e a vida do corpo é compartilhada por seus membros. Assim deve ser na vida da Igreja também. ‘Do qual todo o corpo, bem ajustado, e ligado pelo auxílio de todas as juntas, segundo a justa operação de cada parte, faz o aumento do corpo, para sua edificação em amor. ‘(Ef. 4:16)

No início, não apenas o clero sofria pela fé do Cristo, mas também os leigos, homens, mulheres e até crianças. Heresias foram combatidas por leigos também. Igualmente, a expansão da fé de Cristo deve ser algo próximo e querido ao coração de todo cristão. Neste trabalho todo membro da Igreja deve tomar parte com vivacidade e de coração. Este interesse pode se expressar na pregação pessoal do Evangelho de Cristo.

E para nossa alegria, sabemos de tais exemplos entre nossos irmãos leigos. Em Sitka, membros de uma irmandade missionária de índios fazem trabalho missionário com os outros habitantes de suas vilas. E um irmão zeloso viajou até uma vila distante (Kilisno), e ajudou bastante o padre local em proteger os filhos simples e crédulos da Igreja Ortodoxa contra influências exteriores, através de suas próprias explicações e argumentos. Além disso, em muitos lugares dos Estados Unidos, aqueles que deixaram o Uniatismo para juntar-se à Ortodoxia compartilham com seus amigos onde a verdade pode ser encontrada, e os predispõem a entrarem para a Igreja Ortodoxa.

Não é necessário dizer, não são todos entre nós que tem a oportunidade ou a capacidade de pregar o evangelho pessoalmente. E em vistas disto, eu os oriento, irmãos, que cada pessoa faça o que possa para expandir a Ortodoxia e essa é a medida do seu dever.

As Epístolas Apostólicas frequentemente mostram o fato de que quando os Apóstolos se dirigiam a lugares distantes para pregar, os fiéis normalmente os ajudavam com suas orações e ofertas. São Paulo buscou esta ajuda dos cristãos especialmente.

Consequentemente, podemos expressar o interesse que temos na causa do Evangelho orando ao Senhor,

que Ele tome esta santa causa sob Sua proteção,

que Ele dê aos seus servos a força para realizarem seu trabalho dignamente,

que Ele os ajude a conquistar as dificuldades e perigos, que são parte do trabalho,

que Ele não permita que se sintam deprimidos ou enfraqueçam em seu zelo,

que Ele abra os corações dos descrentes para ouvirem e a aceitarem o Evangelho de Cristo,

que Ele conceda a eles a palavra da verdade,

que Ele os una à Santa Igreja Católica e Apostólica;

que Ele confirme, aumente e pacifique Sua Igreja, mantendo-na para sempre invencível,


oramos por tudo isso, porém quase sempre com os lábios, mas raramente com o coração.

Não escutamos amiúde comentários como: ‘de que servem estas orações em particular pelos novos iniciados? Eles não existem em nosso tempo, exceto, talvez, em lugares distantes como as Américas e na Ásia; que orem por eles, onde eles existam; em nosso país tais orações apenas prolongam desnecessariamente o ofício, que já não é curto do jeito que é.’ Ai da nossa falta de sabedoria. Ai do nosso relaxamento e ociosidade!

Oferecendo orações sinceras para o sucesso da pregação de Cristo, nós também mostramos nosso interesse de ajudar materialmente. Era assim na Igreja primitiva, e os Apóstolos amavelmente aceitavam a ajuda material à causa da pregação, vendo nela uma expressão de amor e zelo cristãos.

Em nossos dias, estas ofertas são especialmente necessárias. Por falta delas, muitos trabalhos param no meio. Por falta delas, pregadores não podem ser enviados, ou apoiados, igrejas não podem ser construídas, nem escolas podem ser fundadas, e os necessitados entre os recém-convertidos não podem ser ajudados. Tudo isso necessita de dinheiro e membros de outras religiões sempre encontram um modo de provê-lo.

Talvez você diga que estas pessoas sejam mais ricas do que nós. É verdade, mas grandes recursos são acumulados por pequenos, e se todos entre nós derem o que puderem com tal objetivo, nós também poderemos angariar recursos consideráveis. Igualmente, não se envergonhem do pouco que seja sua oferta. Se você não possuir muito, ofereça o que puder,  mas por favor ofereça, não perca a chance de ajudar a causa da conversão dos seus próximos para Cristo, porque em fazendo-o, nas palavras de S.Tiago, ‘você salvará sua alma da morte e ocultará uma multidão de pecados’(S. Tg. 5:19-20).

Povo Ortodoxo! Celebrando o dia da Ortodoxia, vocês devem entregar-se a fé Ortodoxa não em palavra e língua apenas, mas em feitos e em verdade.

1 O livro 3 Reinos na versão Septuaginta do Antigo Testamento é paralelo ao livro 1 Reis da Bíblia Hebraica na qual muitas versões estão baseadas. Assim, o texto de 3 Reinos 19, pode ser encontrado em 1 Reis 19.

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