terça-feira, 5 de março de 2013

Domingo do Filho Pródigo


No segundo domingo do Triódion, celebramos o Domingo do Filho Pródigo, Relembremos a parábola:

11 Disse-lhe mais: Certo homem tinha dois filhos.    12 O mais moço deles disse ao pai: Pai, dá-me a parte dos bens que me toca. Repartiu-lhes, pois, os seus haveres.    13 Poucos dias depois, o filho mais moço ajuntando tudo, partiu para um país distante, e ali desperdiçou os seus bens, vivendo dissolutamente.    14 E, havendo ele dissipado tudo, houve naquela terra uma grande fome, e começou a passar necessidades.    15 Então foi encontrar-se a um dos cidadãos daquele país, o qual o mandou para os seus campos a apascentar porcos.    16 E desejava encher o estômago com as alfarrobas que os porcos comiam; e ninguém lhe dava nada.    17 Caindo, porém, em si, disse: Quantos empregados de meu pai têm abundância de pão, e eu aqui pereço de fome!    18 Levantar-me-ei, irei ter com meu pai e dir-lhe-ei: Pai, pequei contra o céu e diante de ti;    19 já não sou digno de ser chamado teu filho; trata-me como um dos teus empregados.    20 Levantou-se, pois, e foi para seu pai. Estando ele ainda longe, seu pai o viu, encheu-se de compaixão e, correndo, lançou-se-lhe ao pescoço e o beijou.    21 Disse-lhe o filho: Pai, pequei conta o céu e diante de ti; já não sou digno de ser chamado teu filho.    22 Mas o pai disse aos seus servos: Trazei depressa a melhor roupa, e vesti-lha, e ponde-lhe um anel no dedo e alparcas nos pés;    23 trazei também o bezerro, cevado e matai-o; comamos, e regozijemo-nos,    24 porque este meu filho estava morto, e reviveu; tinha-se perdido, e foi achado. E começaram a regozijar-se.    25 Ora, o seu filho mais velho estava no campo; e quando voltava, ao aproximar-se de casa, ouviu a música e as danças;    26 e chegando um dos servos, perguntou-lhe que era aquilo.    27 Respondeu-lhe este: Chegou teu irmão; e teu pai matou o bezerro cevado, porque o recebeu são e salvo.    28 Mas ele se indignou e não queria entrar. Saiu então o pai e instava com ele.    29 Ele, porém, respondeu ao pai: Eis que há tantos anos te sirvo, e nunca transgredi um mandamento teu; contudo nunca me deste um cabrito para eu me regozijar com os meus amigos;    30 vindo, porém, este teu filho, que desperdiçou os teus bens com as meretrizes, mataste-lhe o bezerro cevado.    31 Replicou-lhe o pai: Filho, tu sempre estás comigo, e tudo o que é meu é teu;    32 era justo, porém, regozijarmo-nos e alegramo-nos, porque este teu irmão estava morto, e reviveu; tinha-se perdido, e foi achado.
S. Lc. 15:11-32
   
Esta parábola é um resumo de toda a Bíblia, de todo o nosso caminho enquanto criaturas e Filhos de Deus. Vemos a Queda, a exigência da Herança antes do tempo (virtudes e bençãos antes do tempo certo sempre se tornam maldições; a "Herança" é sermos aquilo que Deus nos fez para sermos, termos o que Deus quer que tenhamos, encontremos quem Deus quer que encontremos e da forma que Ele deseja que isso tudo transcorra), o período de orgulho e arrogância que se crê capaz de viver de acordo com sua própria vontade, "criando seu próprio destino" distante da vontade de Deus. O resultado final disso é a decadência total, se não material, sempre espiritual, representada por viver junto aos porcos, o animal mais impuro na simbologia judaica. Finalmente, temos o caminho da Salvação que *sempre* começa com o arrependimento: antes de Jesus iniciar Seu ministério, S. João Batista conclamava: "Arrependei-vos!". O caminho para a saúde espiritual é o arrependimento, e quando pedimos perdão temos que nos lembrar que o arrependimento é a forma de recebê-lo. Deus sempre perdoa, mas recebermos seu perdão e arrepender-se são exatamente a mesma coisa.

Quantos de nós pedem perdão a Deus na esperança de sermos poupados das consequências de nossos erros, mas não efetivamente nos arrependemos de termos praticado aquelas ações, pensamentos ou omissões pecaminosas? Quantos de nós não pensamos como o ladrão, que se arrepende do erro que permitiu que a polícia o pegasse, mas não de ter roubado, não de gostar de roubar? Vemos com a parábola que o filho pródigo não se arrepende somente de estar em meio aos porcos. Ele se arrepende plenamente de tudo, desde o momento em que tomou a equivocada decisão de exigir sua herança, de abandonar o seu pai, de vender suas roupas originais e de viver em função da diversão, da "felicidade", do hedonismo. Com esse arrependimento sadio, porém, ele não fica culpando-se e torturando-se, buscando formas de se punir por seus erros, ou purgar seus pecados. Ele simplesmente sai do chiqueiro. "Vá e não peques mais!" como já recomendou Cristo, sem jamais exigir que "pagássemos por nossos erros". Embora ele reconheça o tempo inteiro a condição indigna em que se colocou, ele caminha na estrada de retorno ao seu lar original. Ele não fica remoendo seus erros, nem parado, repetindo seus pecados, mas busca combatê-los.

Igualmente, reparem que os donos dos porcos deixavam que ele ficasse ali e até comesse os restos dos porcos. Com certeza, essa comida de porcos o salvou de uma situação pior, pois devia estar passando fome e enfraquecido por seus muitos erros. O que aconteceria se o filho mais novo, por "gratidão" ou por "amor" decidisse ficar no chiqueiro para sempre, recusando-se a reconhecer que errara em ter seguido um caminho que o levara até ali, de todas as suas decisões, sentimentos, valores, pensamentos e ações que o fizeram chegar àquele ponto? O arrependimento e o reconhecimento do seu verdadeiro estado incluem o reconhecimento dos falsos amores que nos salvam para nos rebaixarem, nos ajudam para nos limitar à vida de porcos. Inclui abandonar a vida de apascentar porcos e que nos coloca no nível destes mesmos porcos. Deus não nos fez para o sofrimento, para a dor, mas para a glória. Como veremos a frente, Ele não deseja nos punir, não deseja que vivamos um inferno disfarçado de amor.

Na parábola, o pai representa Deus. Vejamos como suas ações são descritas e o que isto significa. "Estando ele ainda longe, seu pai o viu, encheu-se de compaixão e, correndo, lançou-se-lhe ao pescoço e o beijou." Dois ensinamentos estão contidos nesta passagem: 1) fala da descida de Deus ao mundo em Seu Filho Jesus Cristo, que sendo inteiramente homem e inteiramente Deus, é Deus que vem nos encontrar no meio da estrada. Deus "sai do céu" e vem nos encontrar aqui mesmo, na terra, enquanto ainda estamos "longe". Como o próprio Filho Pródigo, não temos mais forças nem mesmo para chegarmos ao nosso lar. Nosso pai tem que vir ao nosso encontro e nos dar suas próprias forças. 2) Deus não espera que estejamos limpos de nossos muitos pecados para nos amar e vir ao nosso encontro. "Estando ele ainda longe" mostra que com um mero arrependimento sincero, não importa o número e gravidade de nossos pecados, em que tipo de sujeira nos metemos, Deus vem ao nosso encontro, nos abraça e beija como filhos.

O filho pede perdão ao pai diretamente como realmente devemos pedir perdão a Deus dizendo "Senhor Jesus Cristo, Filho do Deus vivo, tem piedade de mim, um pecador". Mas o pai, ouvindo isto, nem dá muita atenção porque ele nos ama e quer o nosso bem. Ele não quer nos punir por nada, quer apenas que estejamos bem. Ele ordena a seus servos que tragam roupa nova, o anel de autoridade e poder, sapatos da melhor qualidade. Roupas novas, na tradição cristão, simbolizam o novo corpo glorioso que teremos após a ressurreição, o mesmo tipo de corpo que Cristo apresenta após à Sua própria Ressurreição. O filho, que se reconhecera pecador e indigno de ser chamado de filho, queria ser um mero servo na casa do seu pai. Entretanto foi recebido como mais que mero filho, foi recebido como príncipe.

Reparem o que é necessário: arrependimento, reconhecimento da nossa condição real de indignidade e miséria, desejo de servir e não ser nada mais que um servo na casa do pai. E a recompensa é absolutamente desproporcional: ser tratado como filho e príncipe. Este é o aspecto positivo da justiça divina, foi para tornar isto possível que Jesus veio ao mundo, encontrar-se conosco enquanto ainda "estamos longe". A pergunta é: realmente nos arrependemos, não apenas de estarmos no chiqueiro mas até das decisões, valores e sentimentos que nos trouxeram até aqui? Nosso arrependimento é saudável, cristão, ou seja, nos leva a dar passos decididos para fora da sujeira? Ou é apenas auto-piedade imobilizante, ou até pior, uma coisa que a gente fala como desculpa para realmente nem termos que nos mexer, já que "já reconheci meus erros"? Porque a verdade é que um destino glorioso nos aguarda quando decidimos trilhar, não os caminhos determinados por nossa própria vontade, não o destino que nós mesmos tentamos criar, mas os caminhos da casa do pai, o destino natural de sermos filhos e filhas de Deus.

Uma nota final sobre o irmão mais velho se faz necessária. Ele não está no chiqueiro, está na própria casa, na presença do pai. Mas sua inveja, sua falta de vontade de partilhar na alegria do retorno do irmão mais novo e da festa dada por sua salvação, fazem com que ele viva no inferno. É a intensidade do amor do pai dele, vista por um coração endurecido, que é propriamente o inferno. Notem que tragédia e tristeza: para o coração endurecido no mal é a contemplação do amor de Deus que o faz sofrer - mesmo que ele tenha sido um grande trabalhador do pai. Assim, mesmo o trabalho das coisas de Deus só é proveitoso para a Salvação se feito por amor de Deus e do próximo. É comum vermos discussões sobre se é a fé ou as obras que salvam. O que a Igreja Ortodoxa ensina, preservando a tradição da parábola do Filho Pródigo, é que o que salva é o amor. O amor é que motivou o filho mais novo a querer sair do chiqueiro, a andar para o pai, a pedir perdão. A falta de amor foi o que levou o filho a sair de casa e até a "amar" os porcos por um tempo. A falta de amor é que causou o tormento do filho mais velho que trabalhara diligentemente toda vida. Aprendamos, portanto a amar e nos deixarmos sermos amados como o filho pródigo, não apascentando porcos como se isso fosse um favor, mas recebendo as vestes de glória que nos foram reservadas desde toda a eternidade.

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