terça-feira, 8 de julho de 2014

O Papel dos Esposos na Igreja Ortodoxa 1/3



Uma das coisas mais deprimentes de se ver é um homem que busca apagar a mulher que diz amar para que ela se torne apenas mais um dos elementos de sua realização pessoal. Além de um bom emprego, um bom carro, uma boa casa, ela entra como uma boa amante, uma boa mãe dos filhos dele, uma boa dona de casa, uma boa mulher para mostrar em sociedade e provar que conseguiu a "presa" mais valiosa do grupo, mas tudo isso é só um serviço para ele mesmo. Ele não ama a ela em particular, mas a qualidade dos "serviços" que ela pode lhe prestar.

Ele pede, com “jeitinho” se for minimamente educado, ou com violência se for um animal, que ela se dedique prioritariamente a contribuir, a ceder sempre, agora só um pouquinho, depois mais um pouquinho; e no fim o pouquinho se torna o tempo inteiro, a vida toda. A missão da mulher se reduz a realizar a vida dele, sem que ela tenha tempo de se ocupar com o que Deus pôs em seu próprio coração. A ela cabe sacrificar sua família, seus sonhos, sua realização pessoal, ou ao menos coloca-los entre parênteses, para que ele se realize em primeiro lugar, e, se der tempo, quem sabe ela possa até ter um trabalhinho para ganhar um trocado e não ficar tão ranzinza, negando sexo ou não sendo perfeitinha o tempo inteiro, não é? Mas desde que isso não atrapalhe a vida *dele*, a qual, essa sim, não pode ceder em nada, não pode se abalar em nada, não pode se desviar em nada. Naturalmente, esse "homem" pode sê-lo em idade, fisicamente, socialmente, financeiramente mas tem o coração de moleque ainda.

Se o infeliz tiver acesso a fontes cristãs, pode ainda abusar de trechos que falam da “obediência” da mulher, do papel dela como “auxiliadora” do homem e várias outras. Pior ainda se a mulher mesma cai nessa armadilha ou se acredita nisso.

O modelo cristão, porém, diz que o casamento é ícone da relação de Deus com a Igreja. O esposo deve agir em relação à esposa como Deus (o Deus cristão), age em relação à Igreja: saindo da sua origem, "encarnando-se" no mundo da amada, morrendo por ela, e dando-lhe a força de sua própria vida.

O Noivo - O Rei da Glória - Extrema Humildade
Modelo de Namorado, Noivo e Marido
E se tivermos preguiça de ler as Santas Escrituras, basta participarmos das cerimônias da Semana Santa que antecedem a Páscoa para entendermos o que a Igreja exige dos maridos. Entre elas existe a Cerimônia do Noivo (O Nymphios - Ο Νυμφιος). Ali temos o ícone de “Cristo, o Noivo”, também chamado de ícone da Suprema Humildade. O ícone remete à parábola das Dez Virgens em S. Mat 25, mas o a imagem em si mostra o Cristo no momento da Paixão, coroa de espinhos na cabeça, manto nas costas, o corpo coberto de feridas. O significado teológico é riquíssimo, mas vamos nos ater ao assunto do artigo. O ícone e a cerimônia do Noivo são também um recado aos homens, no seu papel de namorados, noivos e maridos: você tem que ser por ela como Cristo no caminho para o Calvário. É você tem que morrer pela mulher que ama. É você que se coloca em risco, que não teme ser ferido por muito amá-la, não apenas fisicamente, mas integralmente até a alma. Por ela você aceitará a ingratidão, a traição, a calúnia, a injustiça, surras do mundo, perseguições, infâmias, e por amor dela e de sua salvação você subirá voluntariamente na cruz, mesmo que tivesse os meios de evitar esse destino. O verdadeiro heroísmo, a verdadeira luta, é suportar as dores do mundo por ela. O herói, o "cabeça" não pede nem exige que a noiva é que se sacrifique por ele - e evidentemente *nunca* a agride, situação em que ele representa o demônio e não Deus. Você é que se sacrifica por ela.

Como Cristo deixou sua amada mãe para subir na Cruz por amor da Igreja, como Cristo deixou os céus para viver na terra com sua Igreja, como Cristo abdicou do uso de Sua onipotência para compartilhar de nossa vida, você, homem, tem o dever de abdicar da sua vida pela sua esposa. É você quem deve se sacrificar por ela sem esperar retribuição. É você que sai da sua zona de conforto por ela, que muda seus planos e modo de vida por ela. É você que abdica das suas coisas pelas coisas dela. É você que se preocupa mais com a realização pessoal dela do que com a sua. É verdade que a Igreja diz que a mulher deve ser obediente e devotada ao marido, mas não a qualquer marido, e sim a esse marido que descrevemos. O marido que coloca a esposa em primeiro lugar, que a honra e ama, a ponto de abdicar da glória pessoal para exaltá-la. Que se une a ela e a tem como igual (lembram que Cristo-Deus chama os Apóstolos de “amigos” e “irmãos”?)

Apenas a um tal homem que deseja o bem o tempo inteiro à amada, que só pensa em glorifica-la e vê-la nos céus, que se sacrifica por ela o tempo inteiro, apenas a um tal homem é que ela pode dedicar sua confiança e sua obediência, segui-lo e se tornar sua auxiliadora, inclusive porque ela o auxilia naquilo que é a principal meta dele: amá-la, desejar o seu bem, engrandece-la. É assim que Deus age com a Igreja. É assim que o marido deve agir com a esposa. Ele não pede que ela se crucifique por ele, ele se crucifica por ela. E apenas se, diante dos problemas da vida, ele for crucificado pelos perversos ou pelas circunstâncias, é que ela o acompanha, como Maria estava ao pé da Cruz de seu Filho, como os santos acompanham o martírio do Cristo. Mas Cristo *nunca* pediria à mãe ou à Igreja que fizesse aquilo que era dever dEle fazer. Em plena Cruz, ao invés de pensar em Si, ele estava providenciando para Sua mãe um protetor terreno na figura de Seu primo e discípulo S. João, e não pedindo que eles dois se crucificassem para que Ele pudesse viver, sob a desculpa dEle ser o Cabeça (que Ele era de fato) e eles lhe deverem obediência (que eles realmente deviam). Esse é o único papel digno da expressão “ser esposo”.

Este é o teste definitivo para um homem saber se realmente ama uma mulher: Você sente alegria em desistir de tudo que é seu por direito por ela? Você se sente extremamente feliz em ser o “cabeça” da vida dela através da dedicação da sua própria vida em ajuda-la a realizar seus sonhos e alegrias, a vê-la brilhar? Você se sente realmente feliz de vê-la forte e no local de seu próprio coração, ou isso te dá insegurança, ciúme e uma sensação de que ela não está se dedicando o suficiente a você? Quando você diz a ela “eu te amo” isso significa que ela é o centro da sua vida, ou o que você ama são as coisas que ela pode te oferecer: sexo, prestígio, elogios dos outros, segurança?

Se a sua resposta for não para uma dessas perguntas, ou se escolheu a segunda opção da última pergunta; ou pior, se você sente que se dedicando a ela em primeiro lugar estará desistindo de algo muito importante para você, então você não a ama. E tenha cuidado, porque se você percebe que servindo a esta mulher você estará se anulando ou desistindo de algo importante na sua vida, é porque esta *não* é a mulher que Deus reservou para você e você não é o homem que Deus reservou para ela. Pois quando encontrar a mulher que Deus reservou para você, é fazendo tudo isso por ela que você se sentirá realizado como esposo, e isso poderá mudar sua vida, mas não vai abalar seu coração nem sua alma. E você, como homem, reconheça o quanto é indigno que sua segurança e força dependam de outras pessoas, ainda mais do apagamento de uma mulher. É uma covardia e um bullying. Como homem, sua força, caráter e estabilidade emocional tem que vir de Deus em primeiro lugar e de sua própria força interior em segundo. Você não suga sua força dela. É você quem empresta sua força a ela. Você não a usa para ter a honra da sociedade. Você tem o dever de conquistar essa honra por suas próprias forças, sem depender dela para isso. Seja homem! É você que empresta sua honra para ela.

Talvez você sinta desejo por essa mulher, talvez você sinta amizade, talvez você tenha algum tipo de dependência emocional em relação a ela, talvez você esteja só possessivo e tendo visto que ela é preciosa de alguma forma (por ser bela, ou inteligente, ou estilosa, ou atende algum ideal social de “boa esposa”) deseja tê-la para si, querendo que ela sirva seus propósitos, mas definitivamente não a ama, pelo menos não como esposo. Deus não pede nada impossível para nós. Se Ele ordenou que nós seguíssemos a vocação que Ele mesmo pôs em nossos corações e, ao mesmo tempo, ordenou que o homem sirva à sua mulher e que a mulher seja obediente ao seu marido, então não será a relação que Deus quis se a relação entre vocês dois impede a vocação de um dos dois, ou se a relação entre os dois não é harmônica nos termos que Deus ordenou e acabamos de explicar.

Se você não ama o mundo dela, no qual você deve entrar, então você não a ama. Infelizmente, alguns homens acham que "lutar" por uma mulher consiste em lutar para tirá-la do mundo dela, e condicioná-la ao seu mundo. Não é assim para o cristão ao menos. Repito: seguimos o exemplo de Cristo-Deus, o marido é que deixa o seu mundo e se "encarna" no mundo dela, se tornando parte dele. E deixe-me te dar uma dica. Se você não gosta do "mundo" dela, tirá-la de lá não vai adiantar nada, porque ela sempre vai trazer esse mundo em seu coração, ela sempre estará lá. É verdade que alguns homens percebendo isso trabalham para apagar ou mudar o que elas trazem na sua alma, mas esses são homens por força de expressão apenas. Não passam de covardes.

Por outro lado, se esse mundo é ruim ou desagradável para você, e se você tem a decência de não tentar destruir isso nela, nem mudar nada, você é que vai terminar com uma mulher que te irrita, ou te ignora, ou te despreza. Em algum momento vão descobrir a tal "incompatibilidade de gênios" ou os tais "santos que não batem". O conselho de Deus para que você entre no mundo dela, além de proteger a ela, protege você também. Te permite saber no que você está entrando, literalmente ver a alma dela nos elementos externos que a cercam; e nós homens somos muitos visuais, nós precisamos disso. Se a mulher possui um círculo cultural, intelectual, social, familiar ou de amigos que você não se encaixa, então tenha certeza, ela não se encaixa na sua vida também. Não vai adiantar você afastá-la de lá.

Nós dois próximos artigos da série, veremos o papel do esposo nas Santas Escrituras, começando pelo livro Cântico dos Cânticos, por excelência o livro dos casados, e depois com alguns exemplos de esposos na Bíblia e como Deus ordenou aos esposos saírem do seu "mundo" para se dedicarem ao “mundo” de suas esposas.

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