terça-feira, 1 de dezembro de 2015

O Papa Não Disse Que Não Há Mais Impendimentos à Intercomunhão


Surgiu nas redes sociais mais uma distorção das palavras do Papa Francisco, afirmando que o Papa teria declarado que não há mais impendimento para a intercomunhão entre fiéis da Igreja Católica Ortodoxa e os fiéis da Igreja Romana.


Não foi isso que o Papa disse. Sobre o assunto ele declarou especificamente: 

"não há mais nenhum impendimento à comunhão Eucarística que não possa ser superado através da oração, da purificação dos corações, do diálogo e da afirmação da verdade. "

O que o Papa disse, utilizando o pronome relativo "que" para qualificar o tipo de impendimento que seria predicado em seguida, é que os impedimentos, concretos e existentes, podem vir a ser superados no futuro mediante oração, purificação dos corações, diálogo e afirmação da verdade. Dizer que não existem impendimentos insuperáveis é muito diferente de dizer que não existem impedimentos ou que os impedimentos existentes foram já superados.

O Papa também afirmou sobre o mesmo assunto:

"Embora nem todas as diferenças entre as Igrejas Católica e Ortodoxa tenham chegado ao fim, já existem agora as condições necessárias para uma jornada (...)" 

Ou seja, ele reconhece textualmente que há diferenças persistentes hoje em dia, embora haja condições para o início de uma jornada. Mas a intercomunhão é o *fim* da jornada, não o início. Para que essa jornada chegue ao fim é necessário, como disse o Papa, a afirmação da verdade.

Sobre a questão da união em particular, ele concluiu dizendo:

"O próprio diálogo teológico, mantido pela caridade mútua, deve continuar a examinar cuidadosamente as questões que nos dividem"

Ou seja, existem questões que nos dividem, especificamente sobre qual é a verdade a respeito do papel do Primeiro-Entre-Iguais na Igreja e sobre a correção ou não do uso do filioque no Credo.


Essas "afirmações da verdade" precisam ser discutidas no diálogo teológico marcado, naturalmente, pela caridade mútua. Devemos manter em mente, porém que a esperança da Igreja Romana é que a Igreja Ortodoxa "reconheça" como verdadeiras as heresias da infalibilidade papal bem como sua jurisdição suprema, universal, ordinária e extraordinária. 

Ao mesmo tempo, a Igreja Ortodoxa anseia que Roma tenha a humildade de reconhecer que errou ao afirmar tais coisas e possa reunir-se à Igreja Mãe de Jerusalém e suas irmãs petrinas mais velhas, as sés de Antioquia e Alexandria.

Segue abaixo a tradução do texto completo da mensagem do Papa Francisco ao Patriarca Ecumênico Bartolomeu.



Para Sua Santidade, Arcebispo de Constantinopla, Patriarca Ecumênico

Sua Santidade, Amado Irmão em Cristo



Um ano passou-se desde que celebramos juntos, na Igreja Patriarcal no Fanar, a festa de Santo André, o Apóstolo primeiro chamado e irmão de São Pedro. A ocasião foi um momento de graça que permitiu-me renovar e aprofundar, em orações compartilhadas e em um encontro pessoal, os laços de amizade com você e com Igreja que preside. Foi também com alegria que experienciei a vitalidade de uma Igreja que incessantemente professa, celebra e oferece testemunho da fé em Jesus Cristo, nosso único Senhor e Salvador. Estou feliz mais uma vez de enviar uma delegação da Santa Sé às celebrações Patronais como um sinal tangível de minha afeição fraternal e da proximidade espiritual da Igreja de Roma com Sua Santidade, assim como com os membros do Santo Sínodo, clero, monges e todos os fiéis do Patriarcado Ecumênico.


Em nossa profunda comunhão de fé e caridade, e gratidão por tudo que Deus realizou por nós, eu relembro o quinquagésimo aniversário em 07 de dezembro de 2015 da Declaração Conjunta Católico-Ortodoxa do Papa Paulo VI e do Patriarca Ecumênico Atenágoras I, que expressaram a decisão de remover da memória e do meio da Igreja as excomunhões de 1054. A memória das sentençãs mútuas de excomunhão, junto com as palavras ofensivas, censuras infudadas e gestos repreensíveis de ambos os lados, que acompanharam os tristes eventos desse período, representaram por muitos séculos um obstáculo para a reaproximação em caridade entre Católicos e Ortodoxos. Atentos à vontade de Nosso Senhor Jesus Cristo, que orou ao Pai na véspera de sua Paixão que seus discípulos "sejam um" (Jo. 17:21), o Papa Paulo VI e o Patriarca Atenágoras I consignaram tais memórias dolorosas ao esquecimento. Desde então, a lógica do antagonismo, desconfiança e hostilidade que eram simbolizados pela excomunhão mútua foram substituídos pela lógica do amor e da amizade, representadas por nosso abraço fraternal.


Embora nem todas as diferenças entre as Igrejas Católica e Ortodoxa tenham chegado ao fim, já existem agora as condições necessárias para uma jornada em direção ao restabelecimento da "plena comunhão na fé, no acordo fraternal e na vida sacramental que existia entre elas nos primeiros mil anos de vida da Igreja" (Declaração Conjunta Católico-Ortodoxa, 07 de dezembro de 1965). Tendo restaurado a relação de amor e fraternidade, em espírito de confiança mútua, respeito e caridade, não há mais nenhum impendimento à comunhão Eucarística que não possa ser superado através da oração, da purificação dos corações, do diálogo e da afirmação da verdade. De fato, onde há amor na vida da Igreja, sua fonte e plena realização sempre estará no amor Eucarístico. Assim também o símbolo do abraço fraternal encontra a mais profunda verdade no abraço de paz realizado na celebração Eucarística.


Com o fim de progredir em nossa jornada na direção da plena comunhão pela qual ansiamos, devemos continuamente inspirar-nos naquele gesto de reconciliação e paz de nossos veneráveis predecessores Paulo VI e Atenágoras I. Em todos os níveis e em todos os contextos da vida da Igreja, as relações entre Católicos e Ortodoxos deve progressivamente refletir a lógica do amor que não deixa espaço para o espírito de rivalidade. O próprio diálogo teológico, mantido pela caridade mútua, deve continuar a examinar cuidadosamente as questões que nos dividem, buscando sempre um aprofundamento de nossa compreensão mútua da verdade revelada. Motivados pelo amore de Deus, devemos juntamente oferecer ao mundo um testemunho crível e efetivo da mensagem de Crsito de reconciliação e salvação.


O mundo hoje tem grande necessidade de reconciliação, particularmente à luz de tanto sangue que tem sido derramado em ataques terroristas recentes. Que possamos acompanhar as vítimas com nossas orações, e renovar nosso compromisso com uma paz duradoura promovendo o diálogo entre as tradições religiosas, pois "indiferença e ignorância mútua só podem levar à desconfiança e, infelizmente, até a conflitos" (Declaração Comum, Jerusalém 2014).


Quero expressar minha profunda apreciação pelo fervoroso compromisso de Sua Santidade com o assunto crítico do zelo pela criação, pois sua consciência e sensibilidade são um testemunho exemplar para os Católicos. Creio que é um sinal de esperança para Católicos e Ortodoxos que agora celebremos juntos anualmente um Dia de Oração pelo Zelo com a Criação em 01 de setembro, seguindo uma duradoura prática do Patriarcado Ecumênico. Quanto a tal assunto, garanto-lhe minhas orações pelo importante encontro internacional do meio-ambiente que ocorrerá em Paris e que você irá participar.


Sua Santidade, é necessário que a humanidade redescubra o mistério da misericórdia, "a ponte que conecta Deus ao homem, abrindo corações à esperança de ser amado para sempre a despeito de nossos pecados" (Misericordiae Vultus, 2). Por essa razão, eu convoquei um Jubileu Extraordinário da Misericórdia, um tempo favorável para contemplarmos a misericórdia do Pai revelada plenamente em seu Filho, Jesus Cristo e para nos tornarmos nós mesmos um sinal efetivo do amor de Deus através de nosso perdão mútuo e trabalhos de misericórdia. É providencial que no aniversário da histórica Declaração Conjunta Católico-Ortodoxa sobre a remoção das excomunhões de 1054 ocorra na véspera do Ano da Misericórdia. Seguindo o Papa Paulo VI e o Patriarca Atenágoras I, Católicos e Ortodoxos hoje devem pedir perdão a Deus e uns aos outros pelas divisões que os Cristãos provocaram no Corpo de Cristo. Peço-vos e a todos os fieis do Patriarcado Ecumênico que orem para que esse Jubileu Extraordinário possa trazer os frutos espirituais que desejamos. Garanto-lhes voluntariamente minhas orações pelos eventos que sua Igreja irá celebrar no ano por vir, especialmente o Grande Sínodo Pan-Ortodoxo. Que essa importante ocasião para todas as Igrejas Ortodoxas possa ser uma fonte de abundantes bençãos para a vida da Igreja.

Com afeição fraternal no Senho, garanto-lhe de minha proximidade espiritual na alegre festa do Apóstolo André, e voluntariamente abraço Sua Santidade na paz do Senhor Jesus.



Do Vaticano, 30 de Novembro de 2015
Francisco PP.

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