segunda-feira, 9 de novembro de 2015

O Que A Igreja Ortodoxa Não É - Parte 03/11




por Sua Eminência Jeremias (Foundas) de Gortyna e Megalópolis (Grécia)
Fonte:  http://oodegr.co/english/istorika/romi/Patristic_theology_vs_Latin_tradition.htm
Tradução: Lr. Fabio L. Leite


Não Para a Divisão dos Pais em Campos
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A mais errônea dentre as pressuposições usadas pelos francos para estudar os Santos Pais é a de que não aceitam a unidade dos Pais, postulando que existam campos entre eles. Eles acreditam que existem diferentes teologias patrísticas e portanto diferentes tipos de espiritualidade, enquanto nós ortodoxos acreditamos na unidade dos Santos Pais e rejeitamos a ideia de que os Pais possam se deixar levar por inovações. Se alguém faz uma inovação, automaticamente não é um dos Pais. 

A crença de que existem várias tradições patrísticas ortodoxas e diferentes escolas teológicas parte da tradição franco-latina ou escolástica e não se encontra nos Pais. Infelizmente, também entre nossos teólogos ortodoxos há alguns que concordam com os franco-latinos e aceitam a existência de campos entre os Santos Pais, e até a visão de que alguns dos Pais inovaram em alguns pontos (5). Assim, eles dividem os pais em sociais, népticos ou mesmo dogmáticos e nos falam de S. Gregório Palamas, por exemplo, dizendo que ele inovou e chamam sua teologia de "Palamismo"; em outras palavras, como se fosse criação dele. Há aqueles, entre os franco-latinos e alguns de nós ortodoxos, que acreditando na presença de campos e na habilidade de inovar dos Pais, caracterizam a espiritualidade desse gigante entre nossos santos como superior a até então existente tradição patrística, enquanto outros, ao contrário, a consideram inferior. De toda forma, ambos acreditam que seja um novo ensino e vida. A verdade, porém, é que Gregório Palamás segue em tudo a tradição patrística uniforme e una, exatamente como todos os Santos Pais fazem. 

Outra coisa é que os franco-latinos não vêem a unidade da Santa Bíblia com os pais, caracterizando a tradição bíblica como diferente da patrística. Igualmente, o ocidental vê uma diversidade de teologias bíblicas, exatamente como vê uma variedade de teologias patrísticas. Por essa razão, de acordo com os fanco-latinos, cada escritor do Velho e Novo Testamentos tinha sua própria teologia pessoal. 

A razão pela qual nós ortodoxos vemos a unidade dos Santos Pais com a unidade da teologia patrística e bíblica é que é UNA a Graça Divina em que participam os Profetas, Apóstolos (que escreveram a Santa Bíblia) e os Santos Pais. 

Citarei agora o seguinte belo trecho do Pe. John Romanides: 

"Ao contrário dos franco-latinos, protestantes e outras percepções modernas da diversidade em teologia bíblica e patrística, a romanidade ortodoxa sempre encontra a unidade da teologia bíblica e patrística na identificação da teoria divina e teósis dos Profetas, Apóstolos e Santos. A teologia e espiritualidade das Santas Escrituras e dos Pais é coesa, pois também o é a Graça Divina na qual participaram os Portadores de Deus, Profetas, Apóstolos e Santos. Os carismas do Espírito Santo são numerosos e o tanto que cada um comunga de tais carismas varia; mas a múltipla e indivisível, incomunicável e comunicada Graça e Reino de Cristo é una, como foi percebido pelos Teúmens. Por essa mesma razão sua teologia é una, a despeito das variações linguísticas encontradas entre os Santos. 
Exatamente porque o correto entendimento da Teoria Divina alcançada pelos Teúmens está ausente da teologia e hermeneutica da tradição franco-germânica agostiniana, seus herdeiros ocidentais não conseguem compreender a natureza e o caráter da identidade espiritual e teológica da Santa Bíblia e dos Pais da Igreja, assim como a unidade dos Pais entre si. Aqueles que se deixam influenciar pelo Ocidente têm um destino semelhante"; (6) 

Então, para concluirmos esta seção, temos que dizer: 

Aqueles que desejam realizar um estudo correto dos Santos Pais precisam esclarecer suas posições: Eles aceitam a unidade da Santa Bíblia com os Santos Pais e a unidade entre os Santos Pais? Caso afirmativo, então falam ortodoxamente. De acordo com o professor Pe. John Romanides, quem deseja estudar os Pais deve "idealmente, de um ponto de vista teológico e espiritual, buscar um autêntico pai espiritual com o fim de ser iniciado nos mistérios da tradição ortodoxa, e depois de se por nesse caminho de iniciação, estudar a Santa Bíblia intensivamente e ao mesmo tempo estudar sua hermnêutica patrística. Assim poderá determinar empiricamente se há diferenças 1) entre os Pais e a Santa Biblie), 2) entre os Pais e 3) entre Palamas e os Pais". (7) 

O Abençoado Agostinho não é um dos Santos Pais porque ele inovou. Como geralmente se concorda, Agostinho alijou-se da Tradição patrística, sem que ele mesmo percebesse, como o Pe. Romanides nota. O problema do Abençoado Agostinho é que ele nunca estudou os Pais que escreveram em grego, pois ele não conhecia a língua. Ele estava teologicamente isolado. Ele teologizava baseado apenas nas Santas Escrituras e sua poderosa lógica, fundamentado no lema “Credo ut intelligam” (Creio para entender), que se tornou um slogan teológico dos francos, como veremos adiante. Entretanto, ele era humilde e queria concordar com os Pais (8); e se eles tivessem como admoestarem-no por seus escritos errôneos e forçado-o a se corrigir, “certamente”, nos diz Pe. Romanides, ele teria aceito essas correções, já que ele mesmo declarou o desejo de concordar em tudo com os Pais de língua grega, com os quais nunca esteve em posição de negociar.

Fica claro, porém, que ele não estudara nem sequer Ambrósio. (9) Santo Ambrósio, que aparece como mentor do Abençoado Agostinho, segue os Pais romanos ortodoxos de língua grega do oriente com fidelidade em tudo. Ele não inova em nada. Entre Ambrósio e Agostinho, encontramos muitas diferenças. É suficiente para nós que notemos as vastas diferenças entre suas visões da teofania no Velho Testamento. Santo Ambrósio, seguindo a tradição uniforme e absoluta da Santa Bíblia e dos Pais, aceita que o Anjo de Deus que apareceu aos Profetas, o Anjo da Glória, o Anjo de Grande Conselho, ou o Senhor da Glória éo próprio Logos de Deus, Cristo. O Abençoado Agostinho, entretanto, chama de blasfemos todos que defendiam que o próprio Logos aparecera aos Profetas sem intermediários. Mas em nosso presente estudo, falaremos sobre outras inovações do Abençoado Agostinho.

5. Essa ideia começou a aparecer depois da Turcocracia. 

6. Ibid. p. 55-56 

7. Ibid. p. 54-55

8. Nós ortodoxos dizemos que esse desejo de Agostinho de concordar com os Pais, apesar do fato de que devido à sua ignorância de seu ensino e devido a seu passado maniqueu, e de sua discordância deles, sua humildade, demonstrada na sua disposição de corrigir seus erros nas ocasiões em que isso ocorrou, e acima de tudo por seu arrependimento de sua prévia vida de pecado, sendo uma das coisas que o elevam a santo em nossa Igreja. Enfatizamos, porém, que sua teologia era errônea, a qual foi em tudo aceita pelos francos. O conflito entre a teologia patrística e a franca, ou a entre São Gregório Palamás e Barlaam são em essência o conflito entre os ensinos patrísticos e os agostinianos.

9. Ibid. p. 59

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

O Que A Igreja Ortodoxa Não É - Parte 02/11

Carlos Magno, Criador do Sacro Império Franco-Germânico

por Sua Eminência Jeremias (Foundas) de Gortyna e Megalópolis (Grécia)

Não Para a Terminologia dos Franco-Latinos
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Para começar, sinto que é necessário escrever umas poucas palavras sobre os franco-latinos, cuja teologia é completamente oposta à nossa; e esse é precisamente nosso tópico aqui (3). O Império Romano Cristão unificado costumava ser conhecido na sua integridade sob o nome de "Romania" (=Terra dos Romanos), e estava organizado em setores ocidentais e orientais. Roma, a capital do Império, pertencia ao setor ocidental embora fosse melhor que estivesse no oriental. Por essa razão mesmo, Constantino, o Grande, transferiu a capital para a cidade de Bizâncio e renomeou-a Nova Roma. Porém, ela acabou sendo chamada pelo nome dele ficou conhecida como "Constantinopla" (= Cidade do Constantino).

Tanto os setores ocidentais quanto orientais do Império Romano Cristão Unido (isto é, a România) tinham inimigos. Para o ocidental, que é de nosso interesse no momento, os principais inimigos eram os francos, povos bárbaros e incivilizados. Eventualmente, os francos conseguiram subjugar o setor ocidental do império e com o fim de passarem como os verdadeiros sucessores desse Império Romano, eles se renomearam romanos; equanto isso, os romanos, ou romíos(*), somos exclusivamente nós ortodoxos e assim deveríamos ser chamados. Por essa razão devemos garantir, com grande cuidado, que seja evitado chamarmos os francos de "romanos", ou pior, chamar sua confissão de "Igreja Católica Romana"!)

Com o objetivo de alijar completamente os romanos conquistados no setor ocidental de seus irmãos ortodoxos no setor oriental, os francos buscaram um nome calunioso com o qual ofender os romanos orientais. Eles os chamavam de "gregos", que, naquela época significava "impostor"(**). E mais tarde, os francos os chamaram de "bizantinos", enquanto os antigos e positivos nomes de "romano" e "romíos", que eram usados para se referir aos ortodoxos ocidentais e orientais respectivamente no império unido, foram usurpados pelos francos para eles mesmos e aqueles por eles subjugados. Mas depois de conquistarem o setor ocidental do império, se deram conta que para ter completa soberania sobre o ocidente teriam que de alguma forma subjugar a Igreja e fazer de sua própria teologia a norma no ocidente. Mas tinham os francos uma teologia própria para dar? No século 8, os francos já tinham recebido a teologia existente do Abençoado Agostinho, o qual, como o Pe. John Romanides nos informa, e iremos provar no presente estudo, "essencialmente ignorava a teologia patrística e suas pressuposições". Os francos conseguiram, no fim subjugar a Igreja dos cristãos ortodoxos ocidentais no século 11 (1014-1046 DC) e impor sobre eles sua própria teologia agostiniana, a qual, porém, não expressa a tradição patrística.

Chamaremos os hereges francos de francos: nem romanos, nem católicos, pois Católicos e Romanos somos nós, os Ortodoxos. Porque os francos receberam o latim como sua língua teológica e eclesiástica, eles desejavam ser conhecidos como "latinos"; por essa razão os chamaremos de "franco-latinos". Mas não devemos confundir por causa disso a tradição patrística escrita em latim, com a tradição franca. Não rejeitamos os Santos Pais que escreveram em Latim, nem faremos a distinção equivocada entre Pais Latinos e Gregos. Aceitamos os Pais Ortodoxos Romíos, alguns dos quais escreveram na língua grega e outros na língua latina. 

Tendo clarificado tais coisas, podemos continuar.

(*) Da palavra helênica para "romano,a" que é"rhomaios" (m.) ou "rhomaia (f.), também pronunciada como "rhomios" (m.) e "rhomia" (f.), depois da queda do império em 1453, os termos "romios" e "romanos" era usados como sinônimos entre as populações do setor oriental do império caído.



(**) Junto com o termo "heleno", durante a Idade Média, "grego", significava também "pagão", sendo portanto uma forma de descaracterização de povos cristãos. (NT)



3. Para esse assunto cf. o livro do Metropolita de Nafpaktos, Sua Eminência Hierotheos "Born and Raised Romans"; o livro do professor Pe. John Romanides "Romanity and Romans or Roman Fathers of the Church" p. 57 ff, assim como os importantes trabalhos relacionados do Professor Pe. George Metallinos. Veja também nosso artigo sobre a expressão "Igreja Católica Romana" encontrado em nosso periódico "Catequese Ortodoxa" número 01.



4. Também "a distinção histórica correta do Cristianismo não é entre Latinos e Gregos, mas entre Francos e Romanos, ou entre a Francocacia e a Romanidade. Todos os Pais Romanos de língua helênica e latina (com exceção de Agostinho) pertencem à Romanidade, à tradição teológica romana, que é claramente distinta da tradição teológica franco-agostiniana" (Pe. John Romanides em seu livro "Romans or Roman Fathers of the Church" p. 58 e p. 67)

O Que A Igreja Ortodoxa Não É - Parte 01/11


por Sua Eminência Jeremias (Foundas) de Gortyna e Megalópolis (Grécia)

O Estudo Correto dos Santos Pais Demonstra o Que a Igreja É
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Começarei minha fala com os Santos Pais primeiro. Nós, os ortodoxos, temos Pais, e glorificamos nosso Deus como "Deus de nossos Pais". Toda reunião (sinaxis) de adoração assim como nossas orações pessoais, todas terminam com "Pelas orações de nossos Santos Pais". Muitos anos se passaram desde que o slogan "retorno aos Pais" foi primeiramente criado; e muitos estudos e projetos patrísticos ocorreram desde então e continuam a acontecer. Entretanto, a compreensão profunda dos Pais só é alcançada por aqueles que seguem o método e modo de vida desses Santos Pais em suas vidas. E isso tem lógica: o santo compreende o Santo. Não é possível compreender as experiências e teologia dos Santos Pais através de métodos científicos, porque suas vidas portadoras de Deus (assim como as teóptias* dos Santos Pais e a teologia que emana deles), transcendem os potenciais da lógica e da ciência, e por esse motivo não pertencem ao campo do estudo científico. Nem podemos interpretar os Santos Pais com a ajuda da psicologia, pois a teósis, o estado existencial em que os Santos Pais viviam, não é nem física nem contra a natureza, para que a psicologia tenha relevância, mas é um estado sobrenatural do ser humano. Por isso, repetimos que um conhecimento profundo dos Pais só é alcançado por aqueles que vivem como os Santos Pais viveram e possui vivência das experiências daquele modo de vida. São muito belas as palavras do sempre memorável professor e grande teólogo de nosso século Pe. John Romanides:

"Teósis (deificação ou glorificação) ou Teoria Divina (Contemplação Divina) é uma energia incriada de Deus, transcedendo todos os categoremas criados, na qual apenas os cheios de graça Profetas, Apóstolos e Santos tomam parte. Apenas aqueles que passam por essa experiência que analisamos é entendido por outro tendo a mesma experiência e nunca por qualquer outra pessoa, particularmente heterodoxos ou alguém que não possui um conhecimento interior da teologia bíblica-patrística da vida mística da Igreja em Cristo" (1)

Mesmo assim, os heterodoxos também conduzem estudos patrísticos e de fato acreditam que podem compreender profundamente a tradição patrística e até melhor do que os que nela foram iniciados, ou seja, nós ortodoxos. Isso é causado pela percepção orgulhosa dos franco-latinos de que o intelectual pode, através de sua poderosa lógica e erudição, penetrar os meandros da tradição patrística e compreende-la totalmente, mesmo se ele for exterior a ela. O problema é que essa arrogância dos intelectuais ocidentais também persiste em alguns círculos ortodoxos, com o resultado de não mantermos entre nós uma correta compreensão dos Pais, por não mantermos as pressuposições espirituais corretas dentro de nós, isto é, realizarmos a batalha pela limpeza do coração de suas paixões e da chegada da Graça do Espírito Santo dentro dele. Em outras palavras, realizamos estudos teológicos sem primeiro termos realizado a pressuposição patrística de limparmos nossos corações de nossas paixões.

Os acadêmicos heterodoxos que estudam os Pais têm pressuposições gravemente errôneas em seus estudos; são pressuposições teológicas e filosóficas estranhas à teologia bíblica-patrística dos Sínodos Ecumênicos. Por essa razão, não são capazes de realizar uma apresentação correta de nossos Santos Pais. Não nos impressionemos nem um pouco por seus estudos patrísticos porque são, repetimos, errôneos, pois estudam os Pais segundo o modo de análise do Abençoado Agostinho. O Pe. Romanides nos diz:

"Quando os francos finalmente adquiriram uma certa familiaridade com os textos patrísticos helenísticos, eles submeteram a teologia patrística aos categoremas da teologia agostiniana, exatamente como fizeram no século 13 com a filosofia aristotélica. Assim vemos os trabalhos dos Pais Romanos de língua helênica traduzidos para o latim sob o prisma de Agostinho" (2)

(*) Significados de "teoptia":

(a) a teologia inerrante e mística daqueles que alcançaram teoptia (a "visão" de Deus), que falam de sua experiência pessoal e comunhão com Deus,

(b) a teologia amante da sabedoria daqueles que não têm nenhuma experiência pessoal da teoptia, mas que humildemente aceitam as experiências e as teoptias daqueles que a atingiram, e teologizam de acordo com eles, e

(c) a teologia moderna (recém-descoberta e inovadora) de teólogos insolentes que teologizam dialeticamente, na base de seus próprios princípios filosóficos e que rejeitam as experiências dos santos.

(1) Pe. John Romanides no seu livro "Romans or Roman Fathers of the Church", p.52

(2) Ibid., p. 55-56. p. 104