segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Igrejas Ortodoxa e Romana:Semelhanças e Diferenças - Parte 3/3

Governança e Questões Contemporâneas



Fundamentos

Igreja Católica Ortodoxa

A Fundação, a Cabeça Visível e Invisível da Igreja, seu Sumo-Sacerdote e Supremo Pastor é nosso Senhor Jesus Cristo. Bispos, padres e professores de toda ordem recebem esta vocação de Cristo para benefício da Igreja. O Guia e Condutor da Igreja é o Espírito Santo. Em questões de fé, doutrina e moral é Ele, e apenas Ele que nos ensina: "Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito." (S. João 14:26). Este ensino não é através de êxtases místicos, nem de nenhuma linguagem incompreensível, mas através de atos da Providência que pode vir de qualquer fonte, pois o Espírito sopra onde quer (S. João 3:8). Por isso que a Igreja é chamada de "católica", palavra que vem da expressão grega "kata holos", ou "de acordo com o todo", pois o Espírito Santo se manifesta através de tudo e todos para ensinar e conduzir a Igreja.

O governo da Igreja é hierárquico. As maiores decisões da Igreja são tomadas através de concílios, também chamados sínodos. Decisões gerais dos concílios tomam a forma de credos, quando tratam de questões doutrinais, e cânones quando tratam de normas, regras. Estas regras são referentes à prática e à ética, não são leis no sentido usual da palavra. O símbolo visível da unidade é a própria fé ortodoxa.

Igreja Católica Romana

Tradicionalmente, a Igreja Católica Romana tem um estilo administrativo mais estruturado e hierárquico, com mais ênfase na lei e na obediência aos superiores que na Igreja Católica Ortodoxa. A Igreja Católica Romana entende que a palavra "católico" significa "universal", isto é, que está em todas as parte do mundo. O governo da igreja é centralizado. Toda autoridade depende da confirmação do Papa. Embora na prática o bispo local é que governe, pela lei canônica o Papa tem direito de sobrepor-se a qualquer bispo. O Papa é o símbolo visível da unidade da fé católica romana.

Bispos/Patriarcas

Igreja Católica Ortodoxa

Os Santos Apóstolos receberam de nosso Senhor Jesus Cristo igual poder espiritual. Todos os bispos são igualmente sucessores dos Apóstolos. Além disso, também os Patriarcas de Antioquia e Alexandria são sucessores de Pedro. O Patriarca de Antioquia é sucessor direto, e o de Alexandria através de Marcos, discípulo de Pedro. O lugar de "primeiro entre iguais" pertence ao Patriarca de Constantinopla desde que Roma desligou-se da comunhão católica ortodoxa. A liderança entre os patriarcas se dá por questões de tradição espiritual, histórica e canônica. Nenhum bispo, nem mesmo o Patriarca de Constantinopla é superior aos concílios ecumênicos, e nenhum bispo é considerado infalível, mesmo em questões restritas.

Igreja Católica Romana

O Papa é considerado o Cabeça Visível da Igreja e tem o chamado poder universal e ordinário de governo, isto é, ele pode não só escolher e detronar bispos como, ao menos em tese, suas ordens podem se sobrepor às do bispo local. A rigor ele é a única fonte de autoridade e unidade da Igreja na terra, e todos os demais membros do clero tem sua autoridade apenas como delegada dele, que os confirma em seus postos. Além disso, quando uma questão de moral ou doutrina fica sem definição, é possível que o Papa, após oração e jejum, faça um pronunciamento "ex cathedra", isto é, desde o trono e oficialmente, e esta declaração será infalível. Téologos e estudiosos das declarações do Papa discordam de quais e quantas declarações deste tipo já teriam ocorrido, havendo concordância apenas quanto ao dogma da Imaculada Conceição, que na visão de todas as Igrejas Católicas Ortodoxas é um erro doutrinário como visto na primeira parte desta série.

Apesar das aproximações e diálogos ecumênicos recentes, ainda são válidas as bulas papais que proclama a supremacia do papa. Entre estas bulas está Unam Sanctam, na qual consta a seguinte definição ainda válida para a Igreja Romana, embora quase nunca mencionada: "Além disto, declaramos, proclamamos, definimos que é absolutamente necessário para a salvação que cada criatura humana esteja sob a sujeição do Pontífice Romano."

Padres e Diáconos

Igreja Católica Ortodoxa

O presbitério foi instituído pelo próprio Cristo. Desde a era Apostólica, está organizada em três hierarquias: diácono, presbíteros (padres) e episcopos (bispos). Títulos como arquidiácono, arcipreste (de arqui-presbítero) e para bispos, arcebispo (de arqui-episcopos), metropolita ou patriarca representam funções, papéis, não novas hierarquias. O patriarca, o metropolita ou o arcebispo são tão bispos quanto seus pares, assim como o arcipreste é um padre que recebe uma ascendência de honra e dignidade, assim como alguns papéis administrativos diferenciados, mas continua padre como os demais, o mesmo valendo para o arquidiácono.

Embora o óleo do crisma seja abençoado apenas pelo bispo, os padres podem realizar o Crisma, como parte dos Ritos de Iniciação.

Seguindo a prática da Igreja desde o início, não se impõe o celibato a diáconos e padres. O padre ortodoxo não pode casar, mas o homem casado pode se tornar padre. Os bispos são escolhidos dentre os monges, os quais sempre fazem voto de celibato. Apenas homens podem fazer parte do clero. 

Na Igreja Católica Ortodoxa, a graça do presbitério é natural da Igreja, isto é, um diácono, padre ou mesmo um bispo que abandone a Igreja *não* continua sendo bispo, padre ou diácono, pois esta ordem só existe enquanto participação na Igreja.

Igreja Católica Romana

Na Igreja Católica Romana o celibato é compulsório para o padre e o bispo, embora haja exceção para os padres de ritos bizantinos. 

Na Igreja Católica Romana se crê no conceito de "marca indelável". Uma vez que a pessoa receba o sacramento da Ordenação e se torne padre ou bispo, mesmo que abandone a Igreja, continua sendo considerado padre ou bispo. Comparando com a Igreja Católica Ortodoxa, nesta, o sacramento da ordem é como um círculo de luz no palco. Quem sai do círculo de luz, já não a tem mais, e a luz não se move. Na Igreja Romana, o sacramento da ordem é visto como uma jóia que fica em posse do sujeito. Este pode partir e levar sua jóia consigo, até mesmo usando-a em público. Neste caso ele tem de fato a jóia mas a está utilizando de forma ilegítima. É assim que a Igreja Romana considera oficialmente o clero e a Eucaristia ortodoxos: válidos, porém ilegítimos.

Monasticismo

Igreja Católica Ortodoxa

Na Igreja Católica Ortodoxa não existem ordens monásticas. Todos os monastérios tem suas regras, buscando adaptar a sua realidade local as tradições ascéticas da Igreja.

Igreja Católica Romana

Na Igreja Católica Romana existem diversas ordens monásticas, cada uma com trajes, regras e devoções particulares, vistas como expressões diversas mas válidas da mesma fé. 

Questões Morais Contemporâneas

Igreja Católica Ortodoxa

A Igreja Católica Ortodoxa mantém-se desde a era apostólica firmemente no campo pró-vida, recusando práticas contra a vida como o aborto e a eutanásia.

Quanto ao divórcio, a Igreja Católica Ortodoxa afirma veementemente o caráter pecaminoso e trágico do divórcio. Reconhe também, porém, que a condição quebrantada da alma humana faz com que pequemos até contra nossa vontade. E que existem situações em que um dos conjuges revela-se não um esposo ou esposa, mas um inimigo, um algoz. Condenando igualmente os casamentos e divórcios realizados por motivos frívolos, a Igreja atua com compaixão e permite um segundo e no máximo um terceiro casamento. Enquanto o rito do primeiro casamento é festivo e alegre, o rito do segundo casamento é penitencial, lembrando ao casal que um erro já foi cometido e que é pela misericórdia de Deus que recebem nova chance. 

O Casamento tornam o homem e a muher uma só carne, uma só família. Divorciar-se é como realizar uma amputação. Ninguém deseja isso como primeira opção, pois é uma medida radical, séria e sempre com algum tipo de sequela que vai comprometer o modo de vida da pessoa. Mas como às vezes é necessário realizar a amputação para salvar a vida do paciente, a Igreja Ortodoxa age em espírito de perdão e amor, concedendo mais uma chance. Quando ocorrem divórcio e novo casamento é por concessão e exceção, não por regra. 

Igreja Católica Romana

Os valores católicos romanos sobre aborto e eutanásia são os mesmos dos ortodoxos.

Quanto ao divórcio, na Igreja Romana é proibido em qualquer circunstância. Entretanto, a Igreja Romana reconhece que alguns casamentos foram "falseados" isto é, não continham todos os elementos de um casamento real, quando, por exemplo um dos noivos mente sobre algo de si para o outro, ou quando se reconhece a malícia ou má intenção de uma das partes na união. Nesse caso, o casamento é nulo, isto é, na prática nunca aconteceu porque uma das partes mentiu ou falseou as coisas de modo que a parte que aceitou não sabia o que estava fazendo.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Igrejas Ortodoxa e Romana:Semelhanças e Diferenças - Parte 2/3

Adoração e Veneração


Sacramentos e Liturgia

Igreja Católica Ortodoxa

Todo ato, pensamento, sentimento ou evento na vida do cristão católico ortodoxo é místico e sacramental. Sete destes atos são particularmente expressivos deste modo de vida imerso no mistério da Graça de Deus. Na Igreja Católica Ortodoxa são chamados de Mistérios: o Batismo, o Selo do Espírito Santo ou Crisma e Eucaristia,que são chamados de Sacramentos de Iniciação, são ministrados todos juntos na primeira vez devido à intima relação que os une, e os demais quatro, que são a Confissão, requerimento necessário para a Santa Comunhão, a Ordenação, o Casamento e a Unção com Óleo. Através destes mistérios recebemos graça e benção do alto. 

A adoração e oração na Igreja Católica Ortodoxa são litúrgicas. A celebração da Santa Eucaristia é chamada de Divina Liturgia. 

Igreja Católica Romana

A visão romana dos sacramentos e liturgia é fundamentalmente a mesma, sendo que ela chama os Mistérios de Sacramentos. A celebração da Santa Eucaristia é chamada de Santa Missa. Sempre houveram práticas litúrgicas diferentes, mas em anos recentes Roma tem introduzido aceleradamente mudanças e novas práticas litúrgicas.

Os Sacramentos de Iniciação são ministrados em épocas diferentes e em ordem diferente: Batismo, Primeira Comunhão e Crisma. Isto se dá porque enquanto o Crisma é entendido na Igreja Católica Ortodoxa como Selo do Espírito Santo, na Igreja Católica Romana ele visto como sinal da confirmação racional da fé recebida no Batismo ainda bebê quando não podia entender nada.

A Eucaristia

Igreja Católica Ortodoxa

Durante a Divina Liturgia, sob as formas místicas do pão e do vinho. o fiel realmente participa do Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, para a remissão dos pecados e para a vida eterna. A maneira exata da Presença Real de Cristo na Eucaristia é tida como um mistério. 

Durante a Santa Comunhão, tanto o pão quanto o vinho consagrados são dados aos fiéis. O pão utilizado costuma utilizar apenas os ingredientes básicos de água, farinha e fermento, possuindo algumas receitas típicas.

Igreja Católica Romana

A Igreja Romana busca desvelar o mistério através de uma descrição de como o pão e o vinho se tornam o Corpo e o Sangue de Cristo, explicando-o como a Transubstanciação, na qual, apesar de preservarem a forma de pão e vinho, em substância, seriam Corpo e Sangue de Cristo.

Tradicionalmente, durante a Comunhão, os fiéis recebem apenas a Hóstia consagrada, que não é fermentada.

A Virgem Maria

Igreja Católica Ortodoxa

Maria é venerada como a Sempre-Virgem Mãe de Deus. Ela recebe o título de Theotokos que significa "parturiente de Deus", porque Aquele que nasceu dela é o Deus Eterno. A natureza humana de Maria é, em todos os aspectos, igual ao dos homens e mulheres. Os crentes pedem orações e interceções de Maria como uma que está perto de Cristo de uma maneira única. Dias de festa celebrados em honra de Maria incluem: a Concepção, Natividade, Apresentação, Dormição e Anunciação.

Segundo a tradição católica ortodoxa São José era já idoso e viúvo quando, por piedade, aceitou noivar com a jovem menina Maria, tendo agido como mentor e protetor dela e de Seu Santo Filho. A figura de uma "Sagrada Família" é representada por Joaquim e Ana e sua filha Maria, como vemos nos ícones da Concepção, Natividade e Apresentação de Maria. Guarda, portanto, tanto o valor da família, quanto o da vida inteiramente entregue a Deus nas figuras de Maria, de certa forma a primeira "monja" cristã.

Igreja Católica Romana

A Igreja Católica Romana compartilha com a Igreja Católica Ortodoxa um profundo amor e veneração por Maria. Entretanto, existe uma diferença importante na ênfase e crença dessa veneração. Na crença romana, a Virgem Maria recebeu desde que foi concebida uma graça única que a isolou da mancha do pecado original (chamado dogma da Imaculada Conceição). Existe também a crença de que *todas* as graças fluem de Deus através de Maria que seria Co-Mediadora da Salvação com Cristo. 

Buscando resgatar a família tão abalada em tempos modernos, a Igreja Romana mudou a imagem tradicional de José como um senhor, para a de um jovem pouco mais velho que a própria Nossa Senhora.

Santos

Igreja Católica Apostólica

É adequado reverenciarmos e invocarmos os santos que coroados em glória por Cristo; suas orações e intercessões perante Deus tem valor para nos ajudar em nossa salvação. É agradável aos olhos de Deus que honremos as relíquias dos santos, especialmente as glorificadas pela incorrupção, como memoriais da virtude.É adequado orarmos pelos que já partiram, pelo descanso de suas almas e para sua salvação. Quando a Igreja Católica Ortodoxa reconhece um santo para veneração universal, diz-se que o santo foi glorificado. O processo de reconhecimento do santo, ou glorificação, é menos burocrático que o romano.

A santificação é um processo também chamado de teósis ou deificação no qual o fiel vai se despindo do homem velho e Cristo faz nascer nele o homem novo, através da união das Energias Incriadas de Deus com as energias do ser humano. A santificação é a sinergia ou participação do ser humano nas energias de Deus (2 Pedro 4), as quais o coração puro pode ver, sem que jamais contemple ou se una a essência de Deus. Geralmente se reconhecem três "fases" nesse processo de participação nas energias divinas: Purificação (preparatória e na qual a maioria de nós está), Iluminação (o estado da maioria dos santos) e Deificação (o estado supremo de sinergia com as energias de Deus, como quando São Paulo chega a dizer, "Já não sou eu quem vive, mas Cristo que vive em mim"). A alma que atingiu a plenitude desta graça incriada e por isso mesmo foi chamada de "kecharitomene" que significa "Aquela em quem a Graça se plenificou" ou "Cheia de Graça" foi a Virgem Maria.

Igreja Católica Romana

A crença sobre os santos em si é a mesma. Porém, os santos católico ortodoxos reconhecidos depois da separação não são reconhecidos pela Igreja Romana e igualmente, a Igreja Católica Ortodoxa não reconhece os santos romanos depois da separação. Isto não impede que cada uma reconheça a piedade, fé, caráter e graça destes santos na outra igreja. Quando a Igreja Católica Romana reconhece um santo para veneração universal, diz-se que o santo foi canonizado. O processo de canonização é mais burocrático, exigindo provas científicas de milagres. Recentemente, o Vaticano tem buscado desburocratizar o processo.

Na Igreja Romana, a salvação é uma restauração real do ser humano ao seu estado original passando por uma fase preparatória chamada de Justificação na qual os pecados e a alma são curados de seu estado decaído. Entretanto não há exatamente o mesmo conceito de energias incriadas de Deus ou de participação direta em Deus através delas. O santo é uma nova criação que pode contemplar a graça criada de Deus e após a morte contemplar a própria essência de Deus, mas nunca participa nEle de forma alguma.

Também existem certas devoções romanas aos Corações de Maria e Cristo, à Hóstia Consagrada (Corpus Christi) que não existem na Igreja Católica Ortodoxa e são questionadas por vários de seus teólogos e pais espirituais.

Ícones

Igreja Católica Ortodoxa


Imagens de Cristo da Sempre-Virgem Mãe, e de outros santos são dignas de serem honradas, mas nunca devem ser idolatradas. Sua contemplação deve nos inspirar a fé e a vontade de agir com a mesma coragem e calor no amor de Deus que as pessoas ali relembradas.

Nem todo tipo de imagem é um ícone, assim como nem toda poesia é um soneto. Existem determinados padrões estéticos, simbologias que devem ser respeitados. O ícone sempre segue o mesmo padrão descritivo das Santas Escrituras, mostrando as coisas e pessoas desde o ponto de vista de Deus. Sempre são estilizados naquela forma tradicional e nunca são realistas ou expressam a individualidade do artista, pois o que deve ser expresso é sempre Jesus Cristo. O verdadeiro ícone é sempre feito por um ortodoxo, seguindo as normas tradicionais, em oração durante todo o processo. Idealmente deve ser levado para ser abençoado por um padre ou bispo ortodoxos. Alguns ícones são feitos com mosaicos ou em alto relevo.

Existem algumas imagens que por vezes encontramos em igrejas ortodoxas e que não são ícones. Podem ser pinturas belas e realmente inspiradoras, mas ainda assim não seria apropriado chamá-las de ícones. Existem também algumas imagens que representam uma teologia não-ortodoxa, como por exemplo as que retratam Deus Pai como um idoso, Deus Filho sentado à Sua direita e a pomba que é o Espírito Santo entre os dois. Deus Pai não pode ser representado em imagens nunca, porque Ele nunca apareceu visivelmente para ninguém. A imagem visível que temos é apenas Jesus Cristo e algumas aparições do Espírito Santo como pomba e como línguas de fogo no Pentecostes. Embora entendamos o que a imagem quer dizer, ela não é um ícone, pois não retrata teologia ortodoxa bíblica de que o Pai jamais foi visto.

Igreja Católica Romana


Embora ícones sejam aceitos e usados pela Igreja Romana, ela utiliza todo tipo de imagem, com qualquer padrão artístico desde que respeitoso e reverencial com o tema. É muito comum também o uso de estátuas, que na Igreja Ortodoxa são bem raras e, quando feitas, utilizam os ícones tradicionais como referência. No geral, são mais comuns estilos realistas ou românticos na Igreja Romana do que na Ortodoxa.

sábado, 27 de julho de 2013

Igrejas Ortodoxa e Romana: Semelhanças e Diferenças - Parte 1/3

São Francisco de Assis e São Serafim de Sarov


Caríssimos,

em vista da visita do Papa para a JMJ, Jornada Mundial da Juventude, surgem muitas dúvidas sobre quais seriam as diferenças entre as Igrejas Católica Ortodoxa e Católica Romana.

A dúvida mais comum talvez seja como e por que Roma deixou de aceitar o governo tradicional apostólico da Igreja, essencialmente colegial com o Primaz tendo um papel de autoridade real, porém muito menos pronunciado, sendo que Roma o substituiu por uma forma centralizada e monárquica com autoridade universal e ordinária no bispo romano, além do dogma proclamado no século 19 de que em questões de doutrina e moral pronunciadas "ex cathedra", isto é, oficialmente, o Papa é infalível. Foi um processo de muitos séculos até Roma abandonar o Catolicismo Ortodoxo separando-se completamente de suas igrejas irmãs mais velhas em  Antioquia, Grécia e Alexandria,  e que comungam da mesma fé e continuam Católicas Ortodoxas até hoje, incluindo a Igreja Mãe de todas que é a de Jerusalém; Depois de abandonar a ortodoxia católica, Roma formou o Catolicismo Romano para ter a liberdade de se organizar da forma mais centralizada no Papa e focada nos reinos do oeste da Europa, os quais mais tarde se expandiriam pelo globo formando o que hoje chamamos de Ocidente. 

No espírito do amor e da verdade, e utilizando como referência o livreto "Orthodoxy and Catholicism: What are the differences?" do padre Theodore Pulcini, elenco abaixo, algumas das principais diferenças, que vão além da forma de governo da Igreja.

Esta pequena série é dividida em três partes.

A primeira parte trata de Questões de Doutrina, a segunda de Adoração e Veneração e a terceira de Governança.

Questões de Doutrina

Princípios Básicos

Igreja Católica Ortodoxa

Toda doutrina ortodoxa é fundamentada na Santa Tradição, que é composta pelos hinos, iconografia, ensinamentos orais, ofícios e liturgias, cânones, concílios, credos, festas, escritos teológicos e místicos, e Santas Escrituras. Vale lembrar que os livros aceitos das Santas Escrituras foram determinados nos primeiros concílios católico-ortodoxos do primeiro milênio e existiam de forma esparsa entre os livros litúrgicos, isto é, os livros da Divina Liturgia e outros ofícios da Igreja. A Bíblia como um livro único com todas as Santas Escrituras aceitas só passou a existir depois da invenção da imprensa. A Santa Tradição, da qual fazem parte as Santas Escrituras, é a própria vida da Igreja, inspirada e guiada pelo Espírito Santo. A atitude básica da Igreja sobre a teologia enfatiza o mistério e  experimentarmos o incompreensível.

Igreja Católica Romana

Os fundamentos da Igreja Romana são essencialmente os mesmos, exceto que a atitude geral da teologia enfatiza definições precisas e um processo de dedução baseado na razão humana, a qual, só consegue ir até certo ponto na experiência da infinitude de Deus. É uma ênfase muito maior em definir em forma de regras, listas, leis, padrões e estruturas. 

A Bíblia

Igreja Católica Ortodoxa

A Bíblia, chamada de Santas Escrituras, é a principal fonte escrita de doutrina e fé. Suas palavras foram inspiradas pelo Espírito Santo e o contexto que dá sentido às suas palavras é Santa Tradição que nos foi transmitida de Cristo para os Apóstolos e destes para a Igreja. A continuidade desta fé comum através dos séculos está registrada nos ofícios, liturgias, hinos e ícones de forma simbólica, e de forma direta nos comentários e explicações dos Pais da Igreja. A Igreja Ortodoxa preserva alguns livros a mais no Antigo Testamento que a Igreja Romana.

Igreja Católica Romana

A crença a respeito das Santas Escrituras é essencialmente a mesma, sendo que além de alguns livros a menos, o Antigo Testamento também está organizado em uma ordem ligeiramente diferente.

Concílios e Credos

Igreja Católica Ortodoxa

O principal credo ortodoxo é o Niceno-Constantinopolitano escrito nos concílios ecumênicos de Nicéia (ano 325) e Constantinopla (ano 381). A Igreja Católica Ortodoxa não alterou nem acrescentou nada a este Credo ao longo dos séculos. Realizou 8 concílios ecumênicos no primeiro milênio, sendo que Roma não participou do segundo e, mesmo tendo participado do 8o, posteriormente o renunciou. Assim, até hoje o primeiro milênio ainda é conhecido pelos primeiros 7 Concílios Ecumênicos. Alguns teólogos e historiadores ortodoxos reconhecem como ecumênicos  o 8o e 9o Concílios, além do concílio Pan-Ortodoxo de 1672 realizado em Jerusalém.

Igreja Católica Romana

Aceita os 7 concílios do primeiro milênio, porém alterou o credo pela adição da cláusula do filioque (veja a seção sobre "Trindade"). Realizou diversos concílios exclusivamente romanos após separar-se das igrejas irmãs e da igreja mãe em Jerusalém, e os considera concílios ecumênicos, tendo sido o mais recente o Concílio Vaticano II. Em alguns casos, decretos papais foram colocados acima ou contra decisões de concílios ou credos anteriores.

A Trindade

Igreja Católica Ortodoxa

A doutrina básica da Trindade define Deus como Uno (uma natureza divina, uma ação e uma vontade divinas) em três Pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. Deus Pai é origem e fonte da Trindade. Deus Filho é eternamente gerado do Pai. Através de Sua Encarnação, Cristo possui duas naturezas, divina e humana, unidas em uma só Pessoa; Ele é completamente Deus e completamente Homem. O Espírito Santo procede eternamente e exclusivamente do Pai. Quando a Igreja Católica Ortodoxa definiu a frase "Creio no Espírito Santo...que procede do Pai.", estava citando o próprio Jesus Cristo: "Mas, quando vier o Consolador, que eu da parte do Pai vos hei de enviar, aquele Espírito de verdade, que procede do Pai, ele testificará de mim". João 15:26. Acrescentar, retirar ou alterar de qualquer forma esta frase é mudar a própria revelação de Deus Filho sobre a Trindade, ensinada aos Apóstolos e registrada nas Santas Escrituras.

Igreja Católica Romana

Para combater uma heresia em terras que mais tarde formariam a Espanha, passou-se a acrescentar localmente na fórmula do Credo Niceno-Constantinopolitano a frase que o Espírito do Santo procede do Pai *e do Filho*. Fora do Credo é possível dizer isto em sentido metafórico, pois o Filho envia o Espírito Santo para o mundo. Porém, no Credo, fala-se das relações internas e eternas da Trindade. 

Carlos Magno, rei dos francos, tentou reconstruir o Império Romano ocidental com bases germânicas. Seu trabalho civilizacional foi um dos grandes movimentos que tornaram possível o Ocidente como o conhecemos. Mas também foi ele quem pela primeira vez quis forçar que se acrescentasse de forma sistemática no Credo Niceno-Constantinopolitano a frase "e do Filho". Dessa forma, ele podia acusar os "gregos", isto é, os católicos ortodoxos de língua litúrgica grega, de terem deturpado o Credo e assim justificar seu próprio título de Imperador dos Romanos, que já era usado pelo Imperador em Constantinopla muito antes. Acusando o Imperador em Constantinopla de heresia, ele podia se mostrar como o legítimo substituto de líder supremo dos romanos. A alteração do Credo porém é um crime tão grande que o próprio Papa admoestou Carlos Magno contra essa mudança e mandou colocar na Catedral de Roma uma placa com o Credo original em grego e latim e sem a expressão "e do Filho". Apenas séculos depois, poucos anos antes do cisma romano de 1054, é que, durante a coroação de um rei germânico como imperador do Sacro Império Romano Germânico, e para agradá-lo legitimando o seu antecessor Carlos Magno, um Papa utilizou a expressão "e do Filho" no Credo, tornando a alteração oficial e mandatória em toda a Igreja Romana. Mesmo assim, por muitos séculos e até a ciência histórica provar o contrário, a Igreja Romana alegou para seus fiéis que os "gregos" é que haviam alterado o Credo. 

Pecado e Salvação

Igreja Católica Ortodoxa

O pecado é um estado não natural do homem, uma distorção da criação original de Deus. Depois da Queda de Adão, todos os seres humanos foram adoecidos pelo pecado ancestral, tornando-se vítimas da morte. O objetivo da vida humana é evitar o pecado, adquirir o Espírito Santo em nossos corações, e assim restaurarmos nossa semelhança com Deus. A verdade, porém, é que todos nós pecamos, e só podemos nos libertar do pecado pela energia salvífica de Jesus Cristo, que perdoa nossos pecados e do mundo através de Sua abundante misericórdia. Pela Sua ressurreição, Cristo derrotou nosso último inimigo, que é a morte. A salvação é um processo que dura a vida inteira, envolvendo nossa coparticipação passiva na energia de Cristo através da aceitação da Graça de Deus, de oração, ascese espiritual e participação na vida sacramental da Igreja.

Após a morte, há um estado intermediário entre a morte e o Julgamento Final, durante o qual as almas beneficiam-se das orações dos fiéis.

Igreja Católica Romana

De acordo com o entendimento romano, o "pecado original" é uma mancha de culpa herdada e que é passada de Adão para as gerações seguintes. Enquanto na Igreja Católica Ortodoxa o que passa são apenas as consequências do pecado de Adão (a morte), na Igreja Católica Romana é a própria culpa. 

Aqueles que morrem tendo cometido pecados veniais (pecados menores em relação aos "grandes" como assassinato, etc) e dos quais não se arrependeram devem passar um tempo no Purgatório expiando tais pecados. Esta expiação pode ser aliviada por orações e pelos méritos de Cristo e dos Santos através das indulgências.