domingo, 28 de novembro de 2010
O que é a Igreja?
A Igreja é uma mera comunidade? Um produto ou elemento da cultura de cada país ou de cada época? Ela é algo que nos afeta apenas socialmente ou apenas no "coração"? Eu acho que não. Eu acho que existe algo radicalmente físico ali. Se Jesus viesse para montar um novo grupo de pessoas de bom coração, eu não precisaria da igreja. Ninguém precisa da aprovação de um grupo para praticar o bem. Aliás, o mais comum é que tenhamos que praticar o bem enfrentando a oposição do grupo. Se ela fosse um elemento de uma cultura, a palavra conversão não teria o menor sentido, fosse para que lado fosse, porque você não deixa de ter a cultura na qual cresceu. Se fosse um livro infalível, qual interpretação, dentre as infinitas possíveis, seria também infalível? Aliás, porque Deus todo-poderoso se daria o trabalho de vir na terra e morrer por nós, se fosse para, no fim das contas, depender de um bispo ou de um livro infalíveis?
Algo radical aconteceu no nascimento, morte e ressurreição de Deus na Terra. Algo radicalmente físico, encarnado. Ou todo o processo seria desprovido de sentido. A Igreja é necessariamente física, dependente de uma continuidade física com aquilo que aconteceu há 2000 anos. É uma mudança em nosso espírito sim, mas em nosso corpo também. Transmitida pela Graça do Espírito através de inúmeros meios, mas una e diversa, visível e invisível, encarnada e espiritual, emotiva e racional, humilde e gloriosa, simples e esplendorosa.
O que é uma vida cristã ortodoxa? Não é apenas ser moral. Você pode ser moral e ético sem ser cristão ou sem ser ortodoxo. Não é simplesmente "ir na igreja". Isso você pode fazer em qualquer religião. Não é simplesmente compreender que a dor faz parte da vida, e que cada um tem sua cruz. Isso outras igrejas podem te ensinar também. Não é simplesmente crer que nela você faz parte do corpo de Cristo ou que está em comunhão com Cristo. Você não precisa de igreja para crer nisso. Viver ortodoxamente é viver, além de buscando realizar tudo isso, ser uma pessoa direita, de oração, de contrição, perdão e amor, além do esmerilhamento pessoal, além da recepção da Graça, da mudança de vida, ser espiritual e fisicamente alterado, estar em sintonia com Deus sim, mas de um modo único, do modo pelo qual Ele veio a Terra para tornar possível. É compreender que tudo se transfigura a partir da Encarnação, Morte e Ressurreição de Cristo. Nós, o Pão e o Vinho, a água, tudo. O Reino de Deus não é um objetivo futuro, é também, porém não apenas, um estado de espírito, mas a matéria glorificada também. E tudo isso acontece, aqui, agora, desde a Eternidade.
sábado, 13 de novembro de 2010
A Importância da Doutrina Correta
Amigos,
o texto abaixo é a tradução de um podcast realizado por um padre ortodoxo americano. Para os que não conhecem, podcasts são como programas de rádio só que transmitidos pela internet. Este padre realizou toda uma série de podcasts comparando a fé ortodoxa com as demais fés religiosas e este texto faz parte da introdução. Abaixo encontrarão também o link para a série original, sendo que ela é em inglês.
Espero que aproveitem!
http://ancientfaith.com/podcasts/orthodoxyheterodoxy
Na maior parte das áreas de nossas vidas, nos preocupamos com a verdade. Um caixa tem que saber quanto de troco terá que dar. Uma enfermeira tem que aplicar a quantidade correta do medicamento no paciente. Um matemático checa e confere suas provas. Um júri escuta todos os fatos para encontrar a verdade em um julgamento. O professor de história tem que conhecer os nomes e datas corretos.O cientista publica seu trabalho para ser conferido por seus pares, de modo a garantir que todos estejam obtendo os mesmos resultados. Em todos estes casos e mais, o que importa não é a opinião, é a verdade.
Mesmo assim, parece que quando chegamos nas questões religiosas e espirituais, e nas questões morais que as acompanham, aí nos tornarmos relativistas. Ao invés de perguntarmos o que Deus realmente é, perguntamos, "O que é Deus para mim?" Ao invés de perguntarmos qual o significado de Deus ter se tornado homem, nós sugerimos que "tá bom se algumas pessoas acreditarem porque elas querem". Ao invés de perguntarmos se Deus espera algo de nós, nós jugamos as expectativas religiosas pelo que nós mesmos queremos. A busca da objetividade é atirada pela janela, e a subjetividade reina.
Este problema fundamental é piorado por causa da falta de familiaridade com as ferramentas do conhecimento espiritual; isto é, as pessoas não estão fazendo o que é necessário para ver a verdade. Se um astrônomo recusa-se a utilizar um telescópio, ou se um biólogo não quisesse utilizar um microscópio, nos diríamos que eles, na melhor das hipóteses, possuem um conhecimento incompleto de seus campos. De um ponto de vista cristão, o que está faltando é pureza de coração; como Jesus disse: "Bem-aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus".Também está faltando a orientação para alcançarmos esta pureza, que deveria vir daqueles que viram Deus e passam a experiência à frente para a próxima geração.
Platão definiu o mesmo problema quando escreveu A República e utilizou a famosa alegoria da caverna. Nesta alegoria, prisioneiros acorrentados em uma caverna por todas as suas vidas acreditam que toda a realidade é definida pelas sombras que vêem na parede. Se um dos prisioneiros escapasse, encontrasse a saída e visse o sol e toda a realidade como ela é, como ele poderia descrever a sua experiência para pessoas cuja realidade consiste de sombras? Quando ele retornasse à caverna, tentando reajustar-se à vida na escuridão, os que ali permaneceram provavelmente iriam ridicularizá-lo como tendo enlouquecido pela sua experiência ao invés de iluminado. Tal é o fardo de muitos fiéis hoje.
Eu sugiro que a grande batalha espiritual de nossa época não é entre crentes e ateístas; ao invés, é uma luta entre o orgulho e a humildade. Esperamos e exigimos humildade em quase todas as áreas da vida: o que importa é o que é objetivamente verdadeiro, não o que cada um de nós por acaso acha que é verdade. Não são nossos gostos que são importantes. Mas quando se trata das questões mais importantes, deixamos a humildade de lado e nos colocamos no centro do universo. Esta tentação do orgulho é comum, mesmo entre os crentes em Deus.
Uma das pressuposições básicas desta série de podcasts é que a verdade não é relativa, e que o Cristianismo Ortodoxo representa a plenitude da verdade - o locus da revelação de Deus em Cristo. Desta posição básica, analisaremos vários grupos religiosos e seus ensinamentos, vendo o que temos em comum e o que temos de diferente. Porque a verdade não é relativa, todos os seres humanos devem estar dispostos a colocar de lado o que preferiríamos que fosse verdade e aceitar o que realmente é verdadeiro, mudando a nós mesmos, nossas atitudes, e nossas crenças sempre que necessário.
Se tornou politicamente incorreto em nosso tempo falar-se como se uma crença em particular fosse verdade e outra falsa. E mesmo assim, eu consigo lembrar bem claramente em minha própria história de vida que vários grupos religiosos em nossa cultura costumavam achar que suas próprias crenças eram verdades e, então, concluir pela lógica que as outras deveriam ser falsas.
Hoje, porém, esta conclusão - e, acima de tudo, expressá-la publicamente, é vista como sendo não caridosa, não amorosa. De fato, em nosso tempo, discordâncias públicas sobre religião são entendidas como ofensivas. Porque vivemos em uma época do politicamente correto, recebemos alguns mandamentos de teologia cultural que dizem:
Todas as religiões são basicamente a mesma coisa;
O que importa é viver uma vida boa;
Todos adoramos o mesmo Deus;
Religião é uma questão privada;
Não imponha suas crenças sobre os outros;
Nenhuma religião está certa em tudo;
Nós vamos descobrir o todo da verdade quando chegarmos no Céu;
Pensamentos como os acima possuem uma idéia comum por trás deles: que as crenças sobre Deus e sobre a natureza da realidade não são muito importantes. Por isso é que não deveriam ser discutidas em público. Por isso é que os detalhes de cada uma delas não seriam tão importantes. Por isso é que não deveríamos tentar converter as pessoas para nossa fé. Não existe esse negócio de "verdade absoluta". Tudo é relativo - exceto, talvez, o fato de que tudo é relativo.
E mesmo assim, para quase tudo na vida - seja na política, na saúde, ou mesmo nas tabelas de pontos de nossos times de futebol - nós exigimos seriedade, detalhe, precisão. Distraída por estas coisas transientes, nossa cultura conseguiu ignorar um silogismo básico:
Se realmente existe um Deus, então quem Ele é e o que Ele pode querer de nós são mais importantes do que tudo no universo.
Como pessoas que acreditam em Deus, nosso negócio não é "ser agradável". Nosso negócio é a verdade. O propósito destes podcasts é examinar as diferenças entre a fé da Igreja Ortodoxa e as fés de outras comunhões cristãs e não-cristãs.
Evidentemente, como um padre ortodoxo, é minha crença que a fé cristã ortodoxa é a única verdadeira. Eu não seria ortodoxo se eu não acreditasse que a Igreja Ortodoxa é a verdade revelada por Deus em seu filho Jesus Cristo. Minha fé é tal que, se eu encontrar uma parte da fé ortodoxa que não faça sentido para mim ou me parecesse incorreta, então sou eu que preciso ser reformado, e não a Igreja.
De fato, esta é a visão de todas as religiões tradicionais, clássicas, ao contrário do estilo consumista moderno de compreensão da fé que é popular em nossa cultura - que cada pessoa é o árbitro final do que é verdadeiro ou falso, que ela pode ficar escolhendo que pedacinhos de cada espiritualidade ou crença ela quer para si, em um tipo de buffet religioso.
A natureza da verdade, entretanto, é ser verdade independente do que qualquer um pensa a respeito. Em face da verdade, não há opiniões. A maioria das pessoas acredita nisso, mas não costumam aplicar isso na questão que mais importa: quem é Deus, e o que Ele quer de mim?
Existe o bem e existe o mal. Existe a verdade e existe a falsidade. Estas pressuposições básicas, fundamentadas em nossa existência do dia-a-dia, deveriam ser a base de todos os nossos pensamentos e ações relacionadas à verdade suprema.
Se você já visitou o site Facebook (Nota do Tradutor: um site como o Orkut, mais utilizado por americanos), você provavelmente sabe que os usuários podem montar seus perfis detalhando com várias pequenas informações sobre quem são e o que fazem. Um dos detalhes que podem ser especificados é rotulado "Visão religiosa". É isso que a maioria das pessoas pensa quando tratam de religião, que é uma questão de "visão", que religião é uma opinião que você tem, algo que você acha. Repare que o Facebook nem mesmo usa o termo "crença".
Para as religiões mais tradicionais, entretanto, a fé não é meramente um conjunto de visões; ao contrário, a fé religiosa é todo um modo de vida, uma forma de viver com propósito que, no seu cerne, possui objetivos que fundamentam tudo no modo como vivemos.
Assim, o Facebook representa uma filosofia secularista, a qual não é tanto uma negação das verdades espirituais, mas divide em compartamentos isolados os elementos da vida, em categorias elegantes nas quais uma nada tem a ver com a outra. Nesta caixa eu guardo minhas visões econômicas. Nesta outra estão minhas opiniões sobre a televisão à cabo. Nesta aqui estão minhas preferências de leituras, e nesta eu mantenho minha religião. Até a palavra religião - que eu não gosto de utilizar em relação à Igreja Ortodoxa - significa algo bem diferente. A palavra latina "religio" significa reconexão. Construir e reconstruir relações.
Aquilo com o qual você está tentando se relacionar varia de uma religião para outra, mas o ponto comum é que existe algo acontecendo de fato. Não é simplesmente algo que você acha ou concorda e não é apenas sobre você: existe um Outro.
Isso é verdade para tudo na vida. Meu irmão é um engenheiro químico. Minha irmã é bióloga. Dá para tentar imaginar o que foi que deu em mim de virar padre. Mas eles sabem que é assim, que não é sobre opinião. Se não acredita neles, pergunte a um médico, um físico ou psicólogo. Pergunte a um pedreiro, a um faxineiro. Eles vão te dizer que o que você acredita e o que você faz fazem diferença. Se você crê ou faz algo diferente, vai obter resultados diferentes.
O que me preocupa é que normalmente não aplicamos este princípio básico ao que mais importa na vida humana. No contexto religioso, esta verdade fundamental significa que religiões diferentes - porque crêem e praticam coisas diferentes - vão chegar a resultados diferentes.
Às vezes, estes resultados diferentes são todos jogados sob o mesmo rótulo de salvação. Mas o que significa ser salvo? Para o hindu que pratica yoga, a salvação significa ser liberado do corpo físico e ser absorvido no esquecimento do universo; para o Budista é a aniquilação da personalidade individual no Nirvana. Eu te garanto que não é isso que a salvação significa para um batista. Mas o que um batista quer dizer com salvação e o que um ortodoxo quer dizer, também não são a mesma coisa. Assim, os membros das diferentes fés possuem diferentes métodos de chegar aonde eles querem chegar.
Além disso, porque existem a verdade e a falsidade, e porque a maioria das religiões tradicionalmente alegam que suas fés são verdadeiras e as outras são pelo menos de alguma forma falsas, isso significa que alguns crentes religiosos estão fundamentalmente errados sobre suas crenças e práticas. Isto significa que eles não irão obter os resultados que pensam que terão.
Na fé cristã ortodoxa, nosso único propósito na vida é nos tornarmos mais como Jesus Cristo. Se vamos para o céu depois de morrermos é apenas um elemento de um quadro muito maior. Este quadro maior é, em útima instância, a Santa Trindade.
A vida do cristão ortodoxo tem um objetivo: união com a Santíssima Trindade - o Pai, o Filho e o Espírito Santo - o Deus Uno que criou todas as coisas. O caminho para esta união é Jesus Cristo, o Deus-Homem, a segunda Pessoa da Santa Trindade. A Salvação é a obtenção da vida eterna.
Em João 17, em sua oração ao Pai antes de Sua crucificação, Jesus define o que isso significa. Ele disse: "E isto é a vida eterna: que eles Te conheçam, o único verdadeiro Deus, e Jesus Cristo, o qual Tu enviastes." Conhecer Deus - isso é o que a vida eterna significa, e não simplesmente viver para sempre.
Ele ora assim depois: "E a glória que Tu me entregastes, Eu entreguei a eles. Para que sejam um, como Nós somos um; Eu neles, e Tu em Mim, para que eles sejam feitos perfeitos em Um, e que o mundo possa saber que Tu Me enviastes, que Tu os amastes como amastes a Mim."
Assim, na fé cristã ortodoxa, ser salvo - ter a vida eterna - significa amar a Deus em Jesus Cristo. Também significa receber de Jesus a glória que Ele recebeu de Seu Pai. Na realidade, a salvação é muito, muito mais do que escapar do inferno quando morrermos. É um conhecimento profundo e íntimo de Deus: Pai, Filho e Espírito Santo.
Neste conhecimento profundo - o qual é experiência mais do que acumulação de fatos - aqueles que estão sendo salvos recebem a própria glória de Deus. Ir para o céu ou para o inferno no momento da morte significa simplesmente que nossa experiência de Deus durante esta vida continua na próxima, embora muito amplificado. Se amamos a Deus e o conhecemos profundamente, nossa experiência será de infinita e intensa felicidade. Se rejeitamos a Deus nesta vida - ou simplesmente O ignoramos - nossa experiência deste amor nos será completamente estranha e sentida como sofrimento. Ele derrama o mesmo amor sobre todos. Alguns querem, outros não.
É por isso que a doutrina correta importa. É por isso que heresias são tão perigosas. Toda a nossa doutrina está orientada para termos um conhecimento íntimo de Deus, porque o tipo do conhecimento que tivermos dele vai determinar nosso destino eterno, nossa existência perpétua na vida que há de vir. Este conhecimento depende da nossa vontade de vivenciar a doutrina correta em nossas vidas diárias.
Vamos supor que espalhassem por aí que sou um homossexua praticante. Não é verdade, mas porque algumas pessoas acreditariam, isso afetaria suas relações comigo. Porque sou um padre, poderia afetar até as relações entre os membros da paróquia. Muitas relações como muitas pessoas seriam quebradas. Algumas pessoas certamente aceitariam e tentariam se aproximar, mas também estas relações seriam baseadas em uma realidade distorcida. Algumas pessoas de fora da paróquia poderiam ouvir esta fofoca e nunca nos visitarem ou considerarem a conversão. Aqueles mais próximos de mim - minha esposa e família - teriam suas vidas grandemente perturbadas se acreditassem nesta mentira. Destruíria a minha vida familiar, o que iria reverberar por nossos parentes, amigos, a unidade da paróquia e assim por diante - tudo por causa de uma crença errada a respeito de quem sou.
Talvez a fofoca não fosse tão séria. Suponhamos que dissessem que eu tenho um problema com bebidas. Os efeitos provavelmente seriam tão sérios quanto, embora não tão escandalosos. De toda forma, todas as relações seriam afetadas, não de acordo com a moral de cada um, isto é, não dependeria de se eles praticaram o bem ou o mal, mas dependeria daquilo que eles acreditavam sobre mim e como reagiram a essa crença.
Agora aumente muito este efeito aplicado à adoração e conhecimento do próprio Deus do universo. Algumas doutrinas falsas sobre Ele, podem causar uma destruição espiritual inimaginável. Outras podem até ter um efeito menor. Mas todas elas, em um grau ou outro, nos afastam da verdade, do puro conhecimento do único e verdadeiro Deus. Isto irá afetar como e se receberemos a glória de Deus, e como iremos experienciá-lO na próxima vida.
Viver uma vida moral de acordo com a lei Deus é realmente fundamental para a nossa vida em Cristo, mas não é suficiente. A religião não é apenas a ética. Devemos conhecer Deus conforme Ele realmente é. É por isso que a doutrina correta importa.
o texto abaixo é a tradução de um podcast realizado por um padre ortodoxo americano. Para os que não conhecem, podcasts são como programas de rádio só que transmitidos pela internet. Este padre realizou toda uma série de podcasts comparando a fé ortodoxa com as demais fés religiosas e este texto faz parte da introdução. Abaixo encontrarão também o link para a série original, sendo que ela é em inglês.
Espero que aproveitem!
A Importância da Doutrina Correta
Padre Andrew Stephen Damick
Tradução: Fabio L. Leite
Na maior parte das áreas de nossas vidas, nos preocupamos com a verdade. Um caixa tem que saber quanto de troco terá que dar. Uma enfermeira tem que aplicar a quantidade correta do medicamento no paciente. Um matemático checa e confere suas provas. Um júri escuta todos os fatos para encontrar a verdade em um julgamento. O professor de história tem que conhecer os nomes e datas corretos.O cientista publica seu trabalho para ser conferido por seus pares, de modo a garantir que todos estejam obtendo os mesmos resultados. Em todos estes casos e mais, o que importa não é a opinião, é a verdade.
Mesmo assim, parece que quando chegamos nas questões religiosas e espirituais, e nas questões morais que as acompanham, aí nos tornarmos relativistas. Ao invés de perguntarmos o que Deus realmente é, perguntamos, "O que é Deus para mim?" Ao invés de perguntarmos qual o significado de Deus ter se tornado homem, nós sugerimos que "tá bom se algumas pessoas acreditarem porque elas querem". Ao invés de perguntarmos se Deus espera algo de nós, nós jugamos as expectativas religiosas pelo que nós mesmos queremos. A busca da objetividade é atirada pela janela, e a subjetividade reina.
Este problema fundamental é piorado por causa da falta de familiaridade com as ferramentas do conhecimento espiritual; isto é, as pessoas não estão fazendo o que é necessário para ver a verdade. Se um astrônomo recusa-se a utilizar um telescópio, ou se um biólogo não quisesse utilizar um microscópio, nos diríamos que eles, na melhor das hipóteses, possuem um conhecimento incompleto de seus campos. De um ponto de vista cristão, o que está faltando é pureza de coração; como Jesus disse: "Bem-aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus".Também está faltando a orientação para alcançarmos esta pureza, que deveria vir daqueles que viram Deus e passam a experiência à frente para a próxima geração.
Platão definiu o mesmo problema quando escreveu A República e utilizou a famosa alegoria da caverna. Nesta alegoria, prisioneiros acorrentados em uma caverna por todas as suas vidas acreditam que toda a realidade é definida pelas sombras que vêem na parede. Se um dos prisioneiros escapasse, encontrasse a saída e visse o sol e toda a realidade como ela é, como ele poderia descrever a sua experiência para pessoas cuja realidade consiste de sombras? Quando ele retornasse à caverna, tentando reajustar-se à vida na escuridão, os que ali permaneceram provavelmente iriam ridicularizá-lo como tendo enlouquecido pela sua experiência ao invés de iluminado. Tal é o fardo de muitos fiéis hoje.
Eu sugiro que a grande batalha espiritual de nossa época não é entre crentes e ateístas; ao invés, é uma luta entre o orgulho e a humildade. Esperamos e exigimos humildade em quase todas as áreas da vida: o que importa é o que é objetivamente verdadeiro, não o que cada um de nós por acaso acha que é verdade. Não são nossos gostos que são importantes. Mas quando se trata das questões mais importantes, deixamos a humildade de lado e nos colocamos no centro do universo. Esta tentação do orgulho é comum, mesmo entre os crentes em Deus.
Uma das pressuposições básicas desta série de podcasts é que a verdade não é relativa, e que o Cristianismo Ortodoxo representa a plenitude da verdade - o locus da revelação de Deus em Cristo. Desta posição básica, analisaremos vários grupos religiosos e seus ensinamentos, vendo o que temos em comum e o que temos de diferente. Porque a verdade não é relativa, todos os seres humanos devem estar dispostos a colocar de lado o que preferiríamos que fosse verdade e aceitar o que realmente é verdadeiro, mudando a nós mesmos, nossas atitudes, e nossas crenças sempre que necessário.
Se tornou politicamente incorreto em nosso tempo falar-se como se uma crença em particular fosse verdade e outra falsa. E mesmo assim, eu consigo lembrar bem claramente em minha própria história de vida que vários grupos religiosos em nossa cultura costumavam achar que suas próprias crenças eram verdades e, então, concluir pela lógica que as outras deveriam ser falsas.
Hoje, porém, esta conclusão - e, acima de tudo, expressá-la publicamente, é vista como sendo não caridosa, não amorosa. De fato, em nosso tempo, discordâncias públicas sobre religião são entendidas como ofensivas. Porque vivemos em uma época do politicamente correto, recebemos alguns mandamentos de teologia cultural que dizem:
Todas as religiões são basicamente a mesma coisa;
O que importa é viver uma vida boa;
Todos adoramos o mesmo Deus;
Religião é uma questão privada;
Não imponha suas crenças sobre os outros;
Nenhuma religião está certa em tudo;
Nós vamos descobrir o todo da verdade quando chegarmos no Céu;
Pensamentos como os acima possuem uma idéia comum por trás deles: que as crenças sobre Deus e sobre a natureza da realidade não são muito importantes. Por isso é que não deveriam ser discutidas em público. Por isso é que os detalhes de cada uma delas não seriam tão importantes. Por isso é que não deveríamos tentar converter as pessoas para nossa fé. Não existe esse negócio de "verdade absoluta". Tudo é relativo - exceto, talvez, o fato de que tudo é relativo.
E mesmo assim, para quase tudo na vida - seja na política, na saúde, ou mesmo nas tabelas de pontos de nossos times de futebol - nós exigimos seriedade, detalhe, precisão. Distraída por estas coisas transientes, nossa cultura conseguiu ignorar um silogismo básico:
Se realmente existe um Deus, então quem Ele é e o que Ele pode querer de nós são mais importantes do que tudo no universo.
Como pessoas que acreditam em Deus, nosso negócio não é "ser agradável". Nosso negócio é a verdade. O propósito destes podcasts é examinar as diferenças entre a fé da Igreja Ortodoxa e as fés de outras comunhões cristãs e não-cristãs.
Evidentemente, como um padre ortodoxo, é minha crença que a fé cristã ortodoxa é a única verdadeira. Eu não seria ortodoxo se eu não acreditasse que a Igreja Ortodoxa é a verdade revelada por Deus em seu filho Jesus Cristo. Minha fé é tal que, se eu encontrar uma parte da fé ortodoxa que não faça sentido para mim ou me parecesse incorreta, então sou eu que preciso ser reformado, e não a Igreja.
De fato, esta é a visão de todas as religiões tradicionais, clássicas, ao contrário do estilo consumista moderno de compreensão da fé que é popular em nossa cultura - que cada pessoa é o árbitro final do que é verdadeiro ou falso, que ela pode ficar escolhendo que pedacinhos de cada espiritualidade ou crença ela quer para si, em um tipo de buffet religioso.
A natureza da verdade, entretanto, é ser verdade independente do que qualquer um pensa a respeito. Em face da verdade, não há opiniões. A maioria das pessoas acredita nisso, mas não costumam aplicar isso na questão que mais importa: quem é Deus, e o que Ele quer de mim?
Existe o bem e existe o mal. Existe a verdade e existe a falsidade. Estas pressuposições básicas, fundamentadas em nossa existência do dia-a-dia, deveriam ser a base de todos os nossos pensamentos e ações relacionadas à verdade suprema.
Se você já visitou o site Facebook (Nota do Tradutor: um site como o Orkut, mais utilizado por americanos), você provavelmente sabe que os usuários podem montar seus perfis detalhando com várias pequenas informações sobre quem são e o que fazem. Um dos detalhes que podem ser especificados é rotulado "Visão religiosa". É isso que a maioria das pessoas pensa quando tratam de religião, que é uma questão de "visão", que religião é uma opinião que você tem, algo que você acha. Repare que o Facebook nem mesmo usa o termo "crença".
Para as religiões mais tradicionais, entretanto, a fé não é meramente um conjunto de visões; ao contrário, a fé religiosa é todo um modo de vida, uma forma de viver com propósito que, no seu cerne, possui objetivos que fundamentam tudo no modo como vivemos.
Assim, o Facebook representa uma filosofia secularista, a qual não é tanto uma negação das verdades espirituais, mas divide em compartamentos isolados os elementos da vida, em categorias elegantes nas quais uma nada tem a ver com a outra. Nesta caixa eu guardo minhas visões econômicas. Nesta outra estão minhas opiniões sobre a televisão à cabo. Nesta aqui estão minhas preferências de leituras, e nesta eu mantenho minha religião. Até a palavra religião - que eu não gosto de utilizar em relação à Igreja Ortodoxa - significa algo bem diferente. A palavra latina "religio" significa reconexão. Construir e reconstruir relações.
Aquilo com o qual você está tentando se relacionar varia de uma religião para outra, mas o ponto comum é que existe algo acontecendo de fato. Não é simplesmente algo que você acha ou concorda e não é apenas sobre você: existe um Outro.
Isso é verdade para tudo na vida. Meu irmão é um engenheiro químico. Minha irmã é bióloga. Dá para tentar imaginar o que foi que deu em mim de virar padre. Mas eles sabem que é assim, que não é sobre opinião. Se não acredita neles, pergunte a um médico, um físico ou psicólogo. Pergunte a um pedreiro, a um faxineiro. Eles vão te dizer que o que você acredita e o que você faz fazem diferença. Se você crê ou faz algo diferente, vai obter resultados diferentes.
O que me preocupa é que normalmente não aplicamos este princípio básico ao que mais importa na vida humana. No contexto religioso, esta verdade fundamental significa que religiões diferentes - porque crêem e praticam coisas diferentes - vão chegar a resultados diferentes.
Às vezes, estes resultados diferentes são todos jogados sob o mesmo rótulo de salvação. Mas o que significa ser salvo? Para o hindu que pratica yoga, a salvação significa ser liberado do corpo físico e ser absorvido no esquecimento do universo; para o Budista é a aniquilação da personalidade individual no Nirvana. Eu te garanto que não é isso que a salvação significa para um batista. Mas o que um batista quer dizer com salvação e o que um ortodoxo quer dizer, também não são a mesma coisa. Assim, os membros das diferentes fés possuem diferentes métodos de chegar aonde eles querem chegar.
Além disso, porque existem a verdade e a falsidade, e porque a maioria das religiões tradicionalmente alegam que suas fés são verdadeiras e as outras são pelo menos de alguma forma falsas, isso significa que alguns crentes religiosos estão fundamentalmente errados sobre suas crenças e práticas. Isto significa que eles não irão obter os resultados que pensam que terão.
Na fé cristã ortodoxa, nosso único propósito na vida é nos tornarmos mais como Jesus Cristo. Se vamos para o céu depois de morrermos é apenas um elemento de um quadro muito maior. Este quadro maior é, em útima instância, a Santa Trindade.
A vida do cristão ortodoxo tem um objetivo: união com a Santíssima Trindade - o Pai, o Filho e o Espírito Santo - o Deus Uno que criou todas as coisas. O caminho para esta união é Jesus Cristo, o Deus-Homem, a segunda Pessoa da Santa Trindade. A Salvação é a obtenção da vida eterna.
Em João 17, em sua oração ao Pai antes de Sua crucificação, Jesus define o que isso significa. Ele disse: "E isto é a vida eterna: que eles Te conheçam, o único verdadeiro Deus, e Jesus Cristo, o qual Tu enviastes." Conhecer Deus - isso é o que a vida eterna significa, e não simplesmente viver para sempre.
Ele ora assim depois: "E a glória que Tu me entregastes, Eu entreguei a eles. Para que sejam um, como Nós somos um; Eu neles, e Tu em Mim, para que eles sejam feitos perfeitos em Um, e que o mundo possa saber que Tu Me enviastes, que Tu os amastes como amastes a Mim."
Assim, na fé cristã ortodoxa, ser salvo - ter a vida eterna - significa amar a Deus em Jesus Cristo. Também significa receber de Jesus a glória que Ele recebeu de Seu Pai. Na realidade, a salvação é muito, muito mais do que escapar do inferno quando morrermos. É um conhecimento profundo e íntimo de Deus: Pai, Filho e Espírito Santo.
Neste conhecimento profundo - o qual é experiência mais do que acumulação de fatos - aqueles que estão sendo salvos recebem a própria glória de Deus. Ir para o céu ou para o inferno no momento da morte significa simplesmente que nossa experiência de Deus durante esta vida continua na próxima, embora muito amplificado. Se amamos a Deus e o conhecemos profundamente, nossa experiência será de infinita e intensa felicidade. Se rejeitamos a Deus nesta vida - ou simplesmente O ignoramos - nossa experiência deste amor nos será completamente estranha e sentida como sofrimento. Ele derrama o mesmo amor sobre todos. Alguns querem, outros não.
É por isso que a doutrina correta importa. É por isso que heresias são tão perigosas. Toda a nossa doutrina está orientada para termos um conhecimento íntimo de Deus, porque o tipo do conhecimento que tivermos dele vai determinar nosso destino eterno, nossa existência perpétua na vida que há de vir. Este conhecimento depende da nossa vontade de vivenciar a doutrina correta em nossas vidas diárias.
Vamos supor que espalhassem por aí que sou um homossexua praticante. Não é verdade, mas porque algumas pessoas acreditariam, isso afetaria suas relações comigo. Porque sou um padre, poderia afetar até as relações entre os membros da paróquia. Muitas relações como muitas pessoas seriam quebradas. Algumas pessoas certamente aceitariam e tentariam se aproximar, mas também estas relações seriam baseadas em uma realidade distorcida. Algumas pessoas de fora da paróquia poderiam ouvir esta fofoca e nunca nos visitarem ou considerarem a conversão. Aqueles mais próximos de mim - minha esposa e família - teriam suas vidas grandemente perturbadas se acreditassem nesta mentira. Destruíria a minha vida familiar, o que iria reverberar por nossos parentes, amigos, a unidade da paróquia e assim por diante - tudo por causa de uma crença errada a respeito de quem sou.
Talvez a fofoca não fosse tão séria. Suponhamos que dissessem que eu tenho um problema com bebidas. Os efeitos provavelmente seriam tão sérios quanto, embora não tão escandalosos. De toda forma, todas as relações seriam afetadas, não de acordo com a moral de cada um, isto é, não dependeria de se eles praticaram o bem ou o mal, mas dependeria daquilo que eles acreditavam sobre mim e como reagiram a essa crença.
Agora aumente muito este efeito aplicado à adoração e conhecimento do próprio Deus do universo. Algumas doutrinas falsas sobre Ele, podem causar uma destruição espiritual inimaginável. Outras podem até ter um efeito menor. Mas todas elas, em um grau ou outro, nos afastam da verdade, do puro conhecimento do único e verdadeiro Deus. Isto irá afetar como e se receberemos a glória de Deus, e como iremos experienciá-lO na próxima vida.
Viver uma vida moral de acordo com a lei Deus é realmente fundamental para a nossa vida em Cristo, mas não é suficiente. A religião não é apenas a ética. Devemos conhecer Deus conforme Ele realmente é. É por isso que a doutrina correta importa.
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