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quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

O Que a Igreja Ortodoxa Não É - 06/11

Alexei Khomiakov



por Sua Eminência Jeremias (Foundas) de Gortyna e Megalópolis (Grécia)

Não ao Misticismo Russo e ao Anti-Hesicasmo Grego
Próximo: Não à Tese da Influência dos Filósofos Gregos sobre os Pais Gregos


Durante a metade do século 19, alguns intelectuais russos ficaram muito impressionados pelo hesicasmo ortodoxo da Montanha Santa (Monte Athos), que havia chegado na Rússia. Entretanto, eles não apreenderam sua profundidade, pois a incorporaram nas suas teorias de superioridade eslava. Isto é, eles diziam que o hesicasmo do tipo “gerondico” era uma característica sua e que era uma característica da tradição e mentalidades russas, e não pertenciam ao Cristianismo Latino ou ao Grego, como o chamavam. (15)

Dessa forma, os russos acreditavam que haviam superado os “gregos” e seu escolaticismo; haviam superado com seu hesicasmo russo. Graças à intensa propaganda russa no Ocidente, essa ideia de uma superioridade do escolaticismo e hesicasmo russos tornou-se parte da consciência heterodoxa, mas também em nossa terra, Grécia. Como resultado, temos a ignorância e mesmo deboche, mesmo na Grécia, por parte de algumas pessoas contra a teologia patrística e o hesicasmo ortodoxo. E chegamos na situação na qual até teólogos gregos buscam os estrangeiros para ter orientação porque eles, supostamente devido à sua identidade natural e idiossincrasias, entenderiam de teologia e hesicasmo melhor do que nós. Era exatamente isso que os eslavófilos proponentes de Alexis Khomiakov propagandeavam em altos brados: que eles, eslavos, devido a idiossincrasias e mentalidade naturais, tinham entedido o Cristianismo melhor do que os “Latinos” e os “Gregos”!

Errado! Os Pais Aguioritas (provindos do Monte Athos) entraram na Rússia através da Moldávia e levaram o hesicasmo para eles. Esses missionários eram Romanos de língua grega e não eslavos. Além disso, a Graça de Deus, que nos santifica e glorifica (teósis), não tem nenhuma relação com chauvinismos nacionalistas, mas ao invés, visita e fortalece todo homem que busca Deus, qualquer que seja sua nação, para que ele viva o Mistério de nossa fé e alcance a santidade. O que o professor Pe. John Romanides escreve sobre isso é muito bonito:

“O alicerce do hesicasmo é a teósis (deificação/glorificação), que triunfa sobre a natureza e torna os homens divinos pela graça. Tal é a fonte da mais alta compreensão possível da teologia, que transcende a natureza do logos (fala, razão) e do nous do homem . Ela não tem nada a ver com chauvinismos nacionalistas. O fato de que a maioria dos glorificados (os que atingiram a teósis) durante o curso histórico da Ecclesia terem sido Pais e Santos romanos de língua grega não significa que os fiéis de outras línguas e nacionalidades não podem igualmente tornarem-se portadores de Deus; mas também não significa que eles podem tornarem-se maiores teologicamente e espiritualmente. Certamente encontramos estágios mais avançados de Teósis tais como Ellamcis (iluminação), Thea (Visão), e Synechis Thea (Visão Continua); mas eles nada têm a ver com idiossincrasias étnicas. Os Apóstolos no Monte Tabor e durante o Pentecostes receberam a teósis no mais alto grau possível nesta vida, enquanto Moisés contemplou (teoria) a glória de Cristo no Monte Sinai por quarenta dias e noites. Não eram gregos, nem latinos, mas também não eram eslavos” (16).

O mesmo se aplica a Plevris (um conhecido politico nacionalista grego que renega o Velho Testamento porque é um “trabalho de judeus”), no que se refere às coisas blasfemas e não históricas que ele diz e escreve. Mas iremos lidar com tais blasfêmias não históricas em um estudo especial nosso.

Claro, teólogos gregos modernos não aceitaram o hesicasmo russo de forma absoluta, o assim chamado “misticismo russo”, e reagiram contra ele. Entretanto, ao invés de se voltarem para o verdadeiro e real hesicasmo de nossa Ecclesia, eles voltaram-se maravilhados, como uma contra-reação ao misticismo russo, para uma tradição que imaginavam ser não-hesicasta, e supostamente não ascética de grandes Pais que viveram antes de Fócios, e que imaginavam terem sido homens de ação e de contemplação filosófica (estocasmo) e não de misticismo. E esses lamentáveis gregos modernos acreditavam que pensando e agindo dessa forma estavam lutando contra o, de fato, equivocado misticismo russo; e que por outro lado estavam voltando para os Pais, os quais, porém, eles blasfemavam já que, por um lado davam por encerrada a era patrística com Fócio, o Grande, e por outro, já que tais gregos modernos não tinham experiência do hesicasmo, apresentavam os Pais como não-hesicastas, como homens sociais, homens de ação com estocasmo filosófico, mas certamente não como... monges inativos!

E o grande teólogo de nosso século, Pe. John Romanides, lamenta tal situação dizendo:

“Como resultado dos eventos acima completamente destrutivos para a Ortodoxia, temos que a teologia moderna dos russos e dos gregos modernos não apenas não contribui para integrar os jovens no monasticismo hesicasta tradicional, mas ao invés contribuiu para que alguns gregos modernos seguissem os russos no seu desprezo pelo monasticismo tradicional e na admiração pelas ordens monásticas francas. Dessa forma, as irmandades religiosas surgiram (na Grécia) com fortes sentimentos de inferioridade em relação ao Cristianismo Ocidental, cujos trabalhos eles traduziam e espalhavam entre a população ortodoxa helênica. A coisa estranha é que as irmandades religiosas reagiam instintivamente contra a teologia acadêmica dos gregos modernos, amava os Pais, mas ao mesmo tempo continuavam vítimas da percepção modernista dos Pais como apresentados acima, e imitavam uma imagem que tinham criado em suas mentes sobre eles, imagem que divergia do monasticismo hesicasta dominante durante a Turcocracia de uma maneira essencial. E isso acontecia porque eles aceitavam a questão da distinção entre os grandes Pais e os santos ascéticos de depois de Fócio, o grande, que supostamente não eram Pais.”(17)


15 Para entender melhor a importância da distinção feita por europeus e russos entre os cristianismos "latino" e "grego", veja o estudo do Pe. John Romanides "Romanity, Romania, Rumeli" Thessalonica 1975, Capítulo I.

16  Ibid p. 83

17 Ibid. p. 87, 88

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

O Que a Igreja Ortodoxa Não É - 05/11


"O Triunfo de São Tomás Aquinas"


por Sua Eminência Jeremias (Foundas) de Gortyna e Megalópolis (Grécia)

Não à Teologia Escolástica
Anterior: Não para o Fim da Era Patrística 
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Mas, se de acordo com os francos a era patrística terminou com São João Damasceno ou com Fócio, o Grande, o que viria em seguida? Os francos nos oferecem sua teologia escolástica e chegando a alegar que ela superou a encerrada teologia patrística! Aqueles dentre os nossos ortodoxos que aceitam o fim da tradição patrística sugerem como seu substituto estudos catequéticos-dogmáticos mal escritos, imitados dos francos, assim como outros trabalhos teológicos escolásticos. Entretanto, como já dissemos antes, a Ecclesia sempre teve seus Pais, mesmo duranto o período difícil da Turcocracia.

A crença de que os francos escolásticos superaram os Santos Pais tem sua principal fonte a opinião do Abençoado Agostinho de que o ensino do Filioque constitui uma solução para um problema teológico que (alegadamente) não teria sido resolvido pelos Pais do Segundo Sínodo Ecumênico. 

Em uma de suas falas em 393 diante do Santo Sínodo da África a respeito do Símbolo do Segundo Sínodo Ecumênico, Agostinho relatou aos bispos a seguinte estranha e equivocada informação: que a propriedade hipostática do Espírito Santo é, diferentemente do Pai e do Filho, um problema para a Eclesia, um problema que permanecia irresolvido no Segundo Sínodo Ecumênico. Sem ter aprendido grego, como ele mesmo nos informa em outros momentos, nem tendo estudado os trabalhos latinos de seu tempo sobre a Santíssima Trindade, ele não sabia que a questão não era um problema, muito menos algo não-resolvido. Ainda assim, vivendo em isolamento teológico, sem o auxílio dos trabalhos patrísticos relevantes ao assunto, ele dedicou todos os seus esforços por 35 anos buscando uma resposta. E a encontrou através de contemplação baseada em filosofia neo-platônica (estocasmo): o filioque!

Tal "solução" do Abençoado Agostinho foi redescoberta pelos francos no século 8 e acrescentada ao Símbolo da Fé. E junto com o filioque, os francos adotaram a também equivocada opinião de Agostinho de que a Eclesia, com o passar do tempo, é levada com a ajuda de "pensadores" ("estocastas") a uma melhor compreensão dos dogmas, dado que ele supostamente encontrara a solução que a Eclesia buscara a respeito da propriedade hipostática do Espírito Santo, uma solução que os Pais do Segundo Concílio Ecumênico não teriam tido condições de encontrar.

Quando os russos, como os francos antes deles, adotaram o método teológico escolástico e a língua latina como a língua teológica oficial (no século 18), eles também adotaram a crença de que haviam superado os romanos (ortodoxos) do Império Otomano. O que é estranho é que alguns teólogos neo-helênicos, gregos modernos,que, influenciados pelos francos e pelos russos, ficaram desculpando-se por vários anos aos francos e à Rússia "francizada" por não terem recebido uma teologia escolástica e sistemática do tipo encontrado na Europa ocidental. Eles prometiam, entretanto, que iriam se esforçar para também criar uma tal teologia, de modo que pudessem logo alcançar as alturas intelectuais da Europa ocidental. Hoje, porém, quando a teologia ocidental foi quase inteiramente desmembrada, muitos teólogos europeus retornam á tradição patrística. E assim também muitos gregos modernos fazem o mesmo caminho em imitação deles. Mas o Pe. John Romanides repara:
"Infelizmente, ao invés de tentarem teologizar dentro da tradição hermenêutica dos Pais, eles utilizam a chave hermenêutica de seus professores ocidentais. Em outras palavras, eles interpretam os Pais baseados nas pressuposições da teologia ocidental e seu método de solucionar problemas, e portanto, não compreendem nem a teologia nem a espiritualidade dos Pais. A razão disto é que a teologia e a espiritualidade patrística, como aparecem nos escritos dos Pais, é percebida somente por aqueles que tiveraam a mesma experiência espiritual deles.(13) Essa teologia é um mistério oculto, exatamente como a teologia da Samta Escritura é um mistério. É inacessível para métodos acadêmicos. Apenas aqueles que possuem a Graça compreendem a Graça, a qual eles recebem através de jejum e oração sob a orientação de um pai espiritual que tenha a Graça da teoria (contemplação divina) (14)


13. Cf.o grande estudo do Professor Stylianos Papadopoulos "Concept, Importance and Authority of the Father and Teacher in his Patrology" livro I, p. 17-19.

14. Ibid. p. 81

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

O Que a Igreja Ortodoxa Não É - Parte 04/11


S. Gregório Palamas, Pai da Igreja

por Sua Eminência Jeremias (Foundas) de Gortyna e Megalópolis (Grécia)

Não para o Fim da Era Patrística
Anterior: Não Para a Divisão dos Pais em Campos
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Mas também temos um outro tipo de plani (ilusão espiritual) dos Franco-Latinos sobre os Pais da Igreja; similar à que mencionamos no item anterior, mas pior: a ilusão de que a era da teologia patrística teria acabado depois de Fócio, o Grande. O pior é que essa ideia do fim da teologia patrística encontrou chão fértil mesmo em solo ortodoxo helênico. A questão é simples e é como segue: 

No início do século 9, os francos introduziram o filioque (a tese de que o Espírito Santo procede não apenas do Pai, mas também do Filho) no Símbolo de nossa Fé, o Credo (NT). Nessa época, todos os cinco patriarcados romanos (de Roma, Nova Roma, Alexandria, Antioquia e Jerusalém) condenaram formalmente tal ensino como herético no Oitavo Concílio Ecumênico (879). Como os francos não podiam reconhecer como Pais aqueles que lutaram contra o seu filioque, por essa razão viram-se forçados a alegar que a tradição teológica patrística terminara no século 8. Afinal de contas, os Francos já haviam condenado também o Sétimo Concílio Ecumênico (794); de modo que sequer aceitavam São João Damasceno como um Pai da Igreja. Mais tarde, porém, durante o século 12, sob a pressão de itálo-lombardos e dos romanos ocupados no sul da Itália, os francos foram forçados a finalmente aceitarem o Sétimo Concílio Ecumênico, incluindo assim São João Damasceno entre os seus Pais da Igreja. Até hoje, os ocidentais crêem que o último Pai “Grego” da Igreja foi São João Damasceno. 

Esse ponto de vista, ou melhor, essa heresia, sobre o suposto fim da era patrística, também foi aceito pelos russos (10), com a diferença de que para eles o último pai teria sido Fócio, o Grande. Assim, os russos incluem entre os Pais da Igreja aquele que lutou contra o filioque. O problema é que essa heresia também foi aceita por alguns gregos modernos (11), que falam de um antigo “período patrístico” e que não existem mais Santos Pais em nossa época. 

Os francos, russos e junto com eles os gregos modernos que pensam que a era patrística terminou foram excomungados por nossa Igreja, já que quando o Concílio de Constantinopla em 1368 proclamou Gregório Palamas não apenas um santo da nossa Igreja, mas também um Pai, excomungando ali todos os que não o aceitam como um Pai da mesma estatura dos Pais mais antigos da Igreja. Entretanto, São Gregório Palamas viveu durante o século 13, em outras palavras, muito depois de São João Damasceno ou de São Fócio, que são considerados pelos grupos acima como os últimos Pais da Igreja. 

Ou seja, através do reconhecimento conciliar de São Gregório Palamas como um Pai e da excomunhão de todos os que não o aceitam como de igual status com os Pais anteriores da Igreja, a própria heresia franco-latina do fim da era patrística foi condenada como tal e os franco-latinos foram excomungados. 

A despeito dos sofistas tagarelas entre os francos e os russos, nós ortodoxos, até mesmo durante esse duro e tenebroso período da Turcocracia, geramos portadores viventes da genuína teologia e espiritualidade dos antigos Santos Pais, tais como: Nicodemos, o Haguiorita, Eugênio Vulgaris, Nicéforo Theotokis, Atanásio de Paros, Macário Notaras, Cosme da Etólia, Máximo, o Grego, Pacômio Russanus, Genádio Scholarius, Jacó Monachus, Máximo do Peloponeso, Agápio Lardus, além de muitos hierarcas e patriarcas que participaram de tantos concílios entre os séculos 17 e 19. 

A plani (ilusão espiritual) de que a teologia patrística teria acabado foi combatida especificamente e no fim derrotada pelo profundo teólogo Pe. Florovsky; e dessa forma, nossa própria Ortodoxia, que fora influenciada pelos francos, foi resgata e aceitou a teologia patrística além de Fócio, o Grande. 

De toda forma, para que posssamos confronter com sucesso toda a questão do término da teologia patrística é necessário que estudemos bem o que a Igreja (ecclesia) é (12) e o significado da palavra “Pai”. Um argumento simples mas poderoso contra tal ideia é o seguinte: toda época tem problemas espirituais fundamentais e crises com que lidar, aos quais a Ecclesia, através dos Pais, provê soluções; em outras palavras, sempre precisamos de Pais. Mas sempre encontramos o Espírito Santo na Ecclesia, o Qual designa esses Pais. Se alegamos que o período patrístico encerrou-se, sabendo que sempre necessitamos da presença dos Pais, é como se estivéssemos blasfemando dizendo que o Espírito Santo não mais trabalha ou está presente na Ecclesia. 

(Nota do Tradutor): Historicamente a primeira vez que os ocidentais introduziram o filioque no Credo foi tardiamente no fim do século 6, no III Concílio de Toledo em 589, e que marcou a conversão dos Visigodos do Arianismo. Entretanto, o Concílio de Toledo foi um concílio local. A expectativa de aceitação universal do filioque por parte dos Ocidentais, fundamentada na crença errônea (ou propaganda secessionista de Carlos Magno para legitimar seu nascente império) de que o filioque faria parte do Credo original e os “gregos” teriam adulterado a declaração, só manifesta-se consistentemente, de fato, no século 9. 

10. Ao que parece, através de Pedro Moghila (AD 1633-1646). 

11. O Pe. John Romanides diz: “Com o estabelecimento do Primeiro Estado Helênico depois da revolução de 1821, as poderosas influências da Rússia e da Francocracia invadiram-na, especialmente através da Universidade de Atenas, com resultados desastrosos para a Romanidade, já que a hierarquia de Hellas e a liderança espiritual dos gregos modernos educaram-se sob o espírito da Francocracia (Europa Ocidental) e da Rússia (ibid. p. 75). 

O padre teólogo dá, entretanto, em outra seção de seu livro, boas notícias para “hoje”: “Hoje, quando a teologia ocidental está em confusão e decadente, a teologia patrística retornou às universidades helênicas, e assim seu espírito reina em Hellas, para grande benefício da Romanidade” (ibid. p. 80) 

12. Cf. nosso periódico “Incense”, número 13

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

O Que A Igreja Ortodoxa Não É - Parte 03/11




por Sua Eminência Jeremias (Foundas) de Gortyna e Megalópolis (Grécia)
Fonte:  http://oodegr.co/english/istorika/romi/Patristic_theology_vs_Latin_tradition.htm
Tradução: Lr. Fabio L. Leite


Não Para a Divisão dos Pais em Campos
Anterior: Não Para a Terminologia dos Franco-Latinos
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A mais errônea dentre as pressuposições usadas pelos francos para estudar os Santos Pais é a de que não aceitam a unidade dos Pais, postulando que existam campos entre eles. Eles acreditam que existem diferentes teologias patrísticas e portanto diferentes tipos de espiritualidade, enquanto nós ortodoxos acreditamos na unidade dos Santos Pais e rejeitamos a ideia de que os Pais possam se deixar levar por inovações. Se alguém faz uma inovação, automaticamente não é um dos Pais. 

A crença de que existem várias tradições patrísticas ortodoxas e diferentes escolas teológicas parte da tradição franco-latina ou escolástica e não se encontra nos Pais. Infelizmente, também entre nossos teólogos ortodoxos há alguns que concordam com os franco-latinos e aceitam a existência de campos entre os Santos Pais, e até a visão de que alguns dos Pais inovaram em alguns pontos (5). Assim, eles dividem os pais em sociais, népticos ou mesmo dogmáticos e nos falam de S. Gregório Palamas, por exemplo, dizendo que ele inovou e chamam sua teologia de "Palamismo"; em outras palavras, como se fosse criação dele. Há aqueles, entre os franco-latinos e alguns de nós ortodoxos, que acreditando na presença de campos e na habilidade de inovar dos Pais, caracterizam a espiritualidade desse gigante entre nossos santos como superior a até então existente tradição patrística, enquanto outros, ao contrário, a consideram inferior. De toda forma, ambos acreditam que seja um novo ensino e vida. A verdade, porém, é que Gregório Palamás segue em tudo a tradição patrística uniforme e una, exatamente como todos os Santos Pais fazem. 

Outra coisa é que os franco-latinos não vêem a unidade da Santa Bíblia com os pais, caracterizando a tradição bíblica como diferente da patrística. Igualmente, o ocidental vê uma diversidade de teologias bíblicas, exatamente como vê uma variedade de teologias patrísticas. Por essa razão, de acordo com os fanco-latinos, cada escritor do Velho e Novo Testamentos tinha sua própria teologia pessoal. 

A razão pela qual nós ortodoxos vemos a unidade dos Santos Pais com a unidade da teologia patrística e bíblica é que é UNA a Graça Divina em que participam os Profetas, Apóstolos (que escreveram a Santa Bíblia) e os Santos Pais. 

Citarei agora o seguinte belo trecho do Pe. John Romanides: 

"Ao contrário dos franco-latinos, protestantes e outras percepções modernas da diversidade em teologia bíblica e patrística, a romanidade ortodoxa sempre encontra a unidade da teologia bíblica e patrística na identificação da teoria divina e teósis dos Profetas, Apóstolos e Santos. A teologia e espiritualidade das Santas Escrituras e dos Pais é coesa, pois também o é a Graça Divina na qual participaram os Portadores de Deus, Profetas, Apóstolos e Santos. Os carismas do Espírito Santo são numerosos e o tanto que cada um comunga de tais carismas varia; mas a múltipla e indivisível, incomunicável e comunicada Graça e Reino de Cristo é una, como foi percebido pelos Teúmens. Por essa mesma razão sua teologia é una, a despeito das variações linguísticas encontradas entre os Santos. 
Exatamente porque o correto entendimento da Teoria Divina alcançada pelos Teúmens está ausente da teologia e hermeneutica da tradição franco-germânica agostiniana, seus herdeiros ocidentais não conseguem compreender a natureza e o caráter da identidade espiritual e teológica da Santa Bíblia e dos Pais da Igreja, assim como a unidade dos Pais entre si. Aqueles que se deixam influenciar pelo Ocidente têm um destino semelhante"; (6) 

Então, para concluirmos esta seção, temos que dizer: 

Aqueles que desejam realizar um estudo correto dos Santos Pais precisam esclarecer suas posições: Eles aceitam a unidade da Santa Bíblia com os Santos Pais e a unidade entre os Santos Pais? Caso afirmativo, então falam ortodoxamente. De acordo com o professor Pe. John Romanides, quem deseja estudar os Pais deve "idealmente, de um ponto de vista teológico e espiritual, buscar um autêntico pai espiritual com o fim de ser iniciado nos mistérios da tradição ortodoxa, e depois de se por nesse caminho de iniciação, estudar a Santa Bíblia intensivamente e ao mesmo tempo estudar sua hermnêutica patrística. Assim poderá determinar empiricamente se há diferenças 1) entre os Pais e a Santa Biblie), 2) entre os Pais e 3) entre Palamas e os Pais". (7) 

O Abençoado Agostinho não é um dos Santos Pais porque ele inovou. Como geralmente se concorda, Agostinho alijou-se da Tradição patrística, sem que ele mesmo percebesse, como o Pe. Romanides nota. O problema do Abençoado Agostinho é que ele nunca estudou os Pais que escreveram em grego, pois ele não conhecia a língua. Ele estava teologicamente isolado. Ele teologizava baseado apenas nas Santas Escrituras e sua poderosa lógica, fundamentado no lema “Credo ut intelligam” (Creio para entender), que se tornou um slogan teológico dos francos, como veremos adiante. Entretanto, ele era humilde e queria concordar com os Pais (8); e se eles tivessem como admoestarem-no por seus escritos errôneos e forçado-o a se corrigir, “certamente”, nos diz Pe. Romanides, ele teria aceito essas correções, já que ele mesmo declarou o desejo de concordar em tudo com os Pais de língua grega, com os quais nunca esteve em posição de negociar.

Fica claro, porém, que ele não estudara nem sequer Ambrósio. (9) Santo Ambrósio, que aparece como mentor do Abençoado Agostinho, segue os Pais romanos ortodoxos de língua grega do oriente com fidelidade em tudo. Ele não inova em nada. Entre Ambrósio e Agostinho, encontramos muitas diferenças. É suficiente para nós que notemos as vastas diferenças entre suas visões da teofania no Velho Testamento. Santo Ambrósio, seguindo a tradição uniforme e absoluta da Santa Bíblia e dos Pais, aceita que o Anjo de Deus que apareceu aos Profetas, o Anjo da Glória, o Anjo de Grande Conselho, ou o Senhor da Glória éo próprio Logos de Deus, Cristo. O Abençoado Agostinho, entretanto, chama de blasfemos todos que defendiam que o próprio Logos aparecera aos Profetas sem intermediários. Mas em nosso presente estudo, falaremos sobre outras inovações do Abençoado Agostinho.

5. Essa ideia começou a aparecer depois da Turcocracia. 

6. Ibid. p. 55-56 

7. Ibid. p. 54-55

8. Nós ortodoxos dizemos que esse desejo de Agostinho de concordar com os Pais, apesar do fato de que devido à sua ignorância de seu ensino e devido a seu passado maniqueu, e de sua discordância deles, sua humildade, demonstrada na sua disposição de corrigir seus erros nas ocasiões em que isso ocorrou, e acima de tudo por seu arrependimento de sua prévia vida de pecado, sendo uma das coisas que o elevam a santo em nossa Igreja. Enfatizamos, porém, que sua teologia era errônea, a qual foi em tudo aceita pelos francos. O conflito entre a teologia patrística e a franca, ou a entre São Gregório Palamás e Barlaam são em essência o conflito entre os ensinos patrísticos e os agostinianos.

9. Ibid. p. 59

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

O Que A Igreja Ortodoxa Não É - Parte 02/11

Carlos Magno, Criador do Sacro Império Franco-Germânico

por Sua Eminência Jeremias (Foundas) de Gortyna e Megalópolis (Grécia)

Não Para a Terminologia dos Franco-Latinos
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Para começar, sinto que é necessário escrever umas poucas palavras sobre os franco-latinos, cuja teologia é completamente oposta à nossa; e esse é precisamente nosso tópico aqui (3). O Império Romano Cristão unificado costumava ser conhecido na sua integridade sob o nome de "Romania" (=Terra dos Romanos), e estava organizado em setores ocidentais e orientais. Roma, a capital do Império, pertencia ao setor ocidental embora fosse melhor que estivesse no oriental. Por essa razão mesmo, Constantino, o Grande, transferiu a capital para a cidade de Bizâncio e renomeou-a Nova Roma. Porém, ela acabou sendo chamada pelo nome dele ficou conhecida como "Constantinopla" (= Cidade do Constantino).

Tanto os setores ocidentais quanto orientais do Império Romano Cristão Unido (isto é, a România) tinham inimigos. Para o ocidental, que é de nosso interesse no momento, os principais inimigos eram os francos, povos bárbaros e incivilizados. Eventualmente, os francos conseguiram subjugar o setor ocidental do império e com o fim de passarem como os verdadeiros sucessores desse Império Romano, eles se renomearam romanos; equanto isso, os romanos, ou romíos(*), somos exclusivamente nós ortodoxos e assim deveríamos ser chamados. Por essa razão devemos garantir, com grande cuidado, que seja evitado chamarmos os francos de "romanos", ou pior, chamar sua confissão de "Igreja Católica Romana"!)

Com o objetivo de alijar completamente os romanos conquistados no setor ocidental de seus irmãos ortodoxos no setor oriental, os francos buscaram um nome calunioso com o qual ofender os romanos orientais. Eles os chamavam de "gregos", que, naquela época significava "impostor"(**). E mais tarde, os francos os chamaram de "bizantinos", enquanto os antigos e positivos nomes de "romano" e "romíos", que eram usados para se referir aos ortodoxos ocidentais e orientais respectivamente no império unido, foram usurpados pelos francos para eles mesmos e aqueles por eles subjugados. Mas depois de conquistarem o setor ocidental do império, se deram conta que para ter completa soberania sobre o ocidente teriam que de alguma forma subjugar a Igreja e fazer de sua própria teologia a norma no ocidente. Mas tinham os francos uma teologia própria para dar? No século 8, os francos já tinham recebido a teologia existente do Abençoado Agostinho, o qual, como o Pe. John Romanides nos informa, e iremos provar no presente estudo, "essencialmente ignorava a teologia patrística e suas pressuposições". Os francos conseguiram, no fim subjugar a Igreja dos cristãos ortodoxos ocidentais no século 11 (1014-1046 DC) e impor sobre eles sua própria teologia agostiniana, a qual, porém, não expressa a tradição patrística.

Chamaremos os hereges francos de francos: nem romanos, nem católicos, pois Católicos e Romanos somos nós, os Ortodoxos. Porque os francos receberam o latim como sua língua teológica e eclesiástica, eles desejavam ser conhecidos como "latinos"; por essa razão os chamaremos de "franco-latinos". Mas não devemos confundir por causa disso a tradição patrística escrita em latim, com a tradição franca. Não rejeitamos os Santos Pais que escreveram em Latim, nem faremos a distinção equivocada entre Pais Latinos e Gregos. Aceitamos os Pais Ortodoxos Romíos, alguns dos quais escreveram na língua grega e outros na língua latina. 

Tendo clarificado tais coisas, podemos continuar.

(*) Da palavra helênica para "romano,a" que é"rhomaios" (m.) ou "rhomaia (f.), também pronunciada como "rhomios" (m.) e "rhomia" (f.), depois da queda do império em 1453, os termos "romios" e "romanos" era usados como sinônimos entre as populações do setor oriental do império caído.



(**) Junto com o termo "heleno", durante a Idade Média, "grego", significava também "pagão", sendo portanto uma forma de descaracterização de povos cristãos. (NT)



3. Para esse assunto cf. o livro do Metropolita de Nafpaktos, Sua Eminência Hierotheos "Born and Raised Romans"; o livro do professor Pe. John Romanides "Romanity and Romans or Roman Fathers of the Church" p. 57 ff, assim como os importantes trabalhos relacionados do Professor Pe. George Metallinos. Veja também nosso artigo sobre a expressão "Igreja Católica Romana" encontrado em nosso periódico "Catequese Ortodoxa" número 01.



4. Também "a distinção histórica correta do Cristianismo não é entre Latinos e Gregos, mas entre Francos e Romanos, ou entre a Francocacia e a Romanidade. Todos os Pais Romanos de língua helênica e latina (com exceção de Agostinho) pertencem à Romanidade, à tradição teológica romana, que é claramente distinta da tradição teológica franco-agostiniana" (Pe. John Romanides em seu livro "Romans or Roman Fathers of the Church" p. 58 e p. 67)

O Que A Igreja Ortodoxa Não É - Parte 01/11


por Sua Eminência Jeremias (Foundas) de Gortyna e Megalópolis (Grécia)

O Estudo Correto dos Santos Pais Demonstra o Que a Igreja É
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Começarei minha fala com os Santos Pais primeiro. Nós, os ortodoxos, temos Pais, e glorificamos nosso Deus como "Deus de nossos Pais". Toda reunião (sinaxis) de adoração assim como nossas orações pessoais, todas terminam com "Pelas orações de nossos Santos Pais". Muitos anos se passaram desde que o slogan "retorno aos Pais" foi primeiramente criado; e muitos estudos e projetos patrísticos ocorreram desde então e continuam a acontecer. Entretanto, a compreensão profunda dos Pais só é alcançada por aqueles que seguem o método e modo de vida desses Santos Pais em suas vidas. E isso tem lógica: o santo compreende o Santo. Não é possível compreender as experiências e teologia dos Santos Pais através de métodos científicos, porque suas vidas portadoras de Deus (assim como as teóptias* dos Santos Pais e a teologia que emana deles), transcendem os potenciais da lógica e da ciência, e por esse motivo não pertencem ao campo do estudo científico. Nem podemos interpretar os Santos Pais com a ajuda da psicologia, pois a teósis, o estado existencial em que os Santos Pais viviam, não é nem física nem contra a natureza, para que a psicologia tenha relevância, mas é um estado sobrenatural do ser humano. Por isso, repetimos que um conhecimento profundo dos Pais só é alcançado por aqueles que vivem como os Santos Pais viveram e possui vivência das experiências daquele modo de vida. São muito belas as palavras do sempre memorável professor e grande teólogo de nosso século Pe. John Romanides:

"Teósis (deificação ou glorificação) ou Teoria Divina (Contemplação Divina) é uma energia incriada de Deus, transcedendo todos os categoremas criados, na qual apenas os cheios de graça Profetas, Apóstolos e Santos tomam parte. Apenas aqueles que passam por essa experiência que analisamos é entendido por outro tendo a mesma experiência e nunca por qualquer outra pessoa, particularmente heterodoxos ou alguém que não possui um conhecimento interior da teologia bíblica-patrística da vida mística da Igreja em Cristo" (1)

Mesmo assim, os heterodoxos também conduzem estudos patrísticos e de fato acreditam que podem compreender profundamente a tradição patrística e até melhor do que os que nela foram iniciados, ou seja, nós ortodoxos. Isso é causado pela percepção orgulhosa dos franco-latinos de que o intelectual pode, através de sua poderosa lógica e erudição, penetrar os meandros da tradição patrística e compreende-la totalmente, mesmo se ele for exterior a ela. O problema é que essa arrogância dos intelectuais ocidentais também persiste em alguns círculos ortodoxos, com o resultado de não mantermos entre nós uma correta compreensão dos Pais, por não mantermos as pressuposições espirituais corretas dentro de nós, isto é, realizarmos a batalha pela limpeza do coração de suas paixões e da chegada da Graça do Espírito Santo dentro dele. Em outras palavras, realizamos estudos teológicos sem primeiro termos realizado a pressuposição patrística de limparmos nossos corações de nossas paixões.

Os acadêmicos heterodoxos que estudam os Pais têm pressuposições gravemente errôneas em seus estudos; são pressuposições teológicas e filosóficas estranhas à teologia bíblica-patrística dos Sínodos Ecumênicos. Por essa razão, não são capazes de realizar uma apresentação correta de nossos Santos Pais. Não nos impressionemos nem um pouco por seus estudos patrísticos porque são, repetimos, errôneos, pois estudam os Pais segundo o modo de análise do Abençoado Agostinho. O Pe. Romanides nos diz:

"Quando os francos finalmente adquiriram uma certa familiaridade com os textos patrísticos helenísticos, eles submeteram a teologia patrística aos categoremas da teologia agostiniana, exatamente como fizeram no século 13 com a filosofia aristotélica. Assim vemos os trabalhos dos Pais Romanos de língua helênica traduzidos para o latim sob o prisma de Agostinho" (2)

(*) Significados de "teoptia":

(a) a teologia inerrante e mística daqueles que alcançaram teoptia (a "visão" de Deus), que falam de sua experiência pessoal e comunhão com Deus,

(b) a teologia amante da sabedoria daqueles que não têm nenhuma experiência pessoal da teoptia, mas que humildemente aceitam as experiências e as teoptias daqueles que a atingiram, e teologizam de acordo com eles, e

(c) a teologia moderna (recém-descoberta e inovadora) de teólogos insolentes que teologizam dialeticamente, na base de seus próprios princípios filosóficos e que rejeitam as experiências dos santos.

(1) Pe. John Romanides no seu livro "Romans or Roman Fathers of the Church", p.52

(2) Ibid., p. 55-56. p. 104

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Como discernir as verdadeiras experiências da Graça de Deus das falsas - Parte 01/02


Trecho da transcrição da palestra do Abade Arquimandrita George do Santo Mosteiro de São Gregório da Montanha Santa em Stratoni de Halkidiki, em 14 de janeiro de 1989, por convite do Reverendíssimo Nicodemus, Metropolita de Hierissou, da Montanha Santa e Ardameri. 

Original na revista "São Gregório" do Santo Mosteiro de São Gregório, da Montanha Santa

Fonte: http://www.impantokratoros.gr/2D843221.en.aspx

Tradução: Lr. Fabio L. Leite


Formas de Experiência da Graça de Deus

Quais são as experiências da graça que um cristão pode receber de forma que sua fé e vida cristã não sejam para ele algo mental e externo, mas um verdadeiro sentimento espiritual de Deus, uma comunhão com Deus, uma habitação de Deus na qual todo o seu ser participa?

É primeiro e antes de tudo uma informação interior de que através da fé em Deus, ele encontrará o verdadeiro significado da vida. Ele sente que sua fé em Cristo é uma fé que o conforta internamente; que ela dá sentido à sua vida, e o guia, que é uma luz forte que o ilumina. Quando ele percebe dessa forma a fé cristã em si, ele começa a viver a graça de Deus. Deus não é algo externo a ele.

Outra experiência da graça de Deus é recebida pelo homem quando ele ouve em seus coração o convite de Deus para arrepender-se de suas ações pecadoras e tenebrosas, para retornar ao modo cristão de vida, para confessar, para entrar no caminho que leva a Deus. Essa voz de Deus que ele ouve dentro de si é uma experiência preliminar da graça de Deus. Todos os anos que vivemos longe de Deus são anos em que não temos como entender nada.

Ele começa a se arrepender, ele confessa com seu confessor pela primeira vez na vida. Depois da confissão, ele sente uma grande paz e alegria como nunca sentiu antes. Então ele diz "Eu fui confortado". Esse consolo é a visitação da graça divina em uma alma que se arrependeu e que Deus deseja confortar.

As lágrimas de arrependimento de um cristão quando ele começa a orar e pede perdão a Deus ou quando ele confessa são lágrimas de contrição. São lágrimas muito confortadoras. Elas trazem muita paz à alma do homem. A pessoa sente então que elas são um dom e uma experiência da graça divina.

Quão mais profundo o arrependimento do homem, mais profundo será seu amor por Deus e rezará com um eros divino, quando então suas lágrimas de arrependimento tornam-se lágrimas de alegria, lágrimas de amor e de eros divino. As lágrimas que estão acima e além das lágrimas de arrependimento são também prova de uma visitação e experiência mais nobre da graça de Deus.

Nos aproximamos para comungar o Corpo e o Sangue de Cristo tendo arrependimento, confessado e com preparação espiritual através do jejum. Depois de receber a Santa Comunhão como nos sentimos? Profunda paz em nossa alma, e alegria espiritual. Também isso é uma visitação da graça divina e uma experiência de Deus.

Existem, porém, outras experiências ainda maiores de Deus. A experiência suprema de Deus é a visão da Luz Incriada. Foi essa luz que os discípulos do Senhor viram no Monte da Transfiguração. Eles viram Cristo brilhar como o sol, com uma intensa e divina luz, a qual não era uma luz material, criada, como a do sol ou de outras fontes luminosas da criação. Era a Luz Incriada, mais precisamente a Luz de Deus, a Luz da Santa Trindade. Aqueles que estão completamente limpos das paixões e pecados, e que oram com sinceridade e uma oração limpa, são os que são considerados dignos dessa grande experiência de ver a Luz de Deus ainda nesta vida. Essa é a Luz que irá brilhar na vida eterna. Eles não apenas a vêem desde já, mas também são eles mesmos vistos nessa Luz desde agora, pois essa Luz cobre os Santos. Não a vemos com nossos olhos, mas os de coração puro e os santos a vêem. O halo luminoso que é pintado ao redor da cabeça dos santos é a Luz da Santa Trindade que os iluminou e os santificou.

Na vida de São Basílio Magno, lemos que enquanto ele estava orando em sua cela, ele podia ser visto completamente envolto na Luz, e a cela inteiramente inundada pela Luz Incriada. Vemos a mesma coisa nas vidas de muitos santos.

Portanto, alguém ser considerado digno de ver a Luz Incriada, é ter uma das maiores experiências concedidas por Deus e não é dada a todos, mas a bem poucos - apenas àqueles que progrediram na vida espiritual. De acordo com Pai Isaac, em cada geração apenas uma pessoa, se tanto, chega a ver a Luz Incriada. Mesmo assim, até em nossos dias há cristãos considerados dignos dessa experiência única de Deus.

Claro que precisamos enfatizar que não basta ter visto alguma Luz para que realmente a pessoa tenha visto a Luz Incriada. O demônio pode enganar essas pessoas, e mostrar-lhes outras luzes - demoníacas ou psicológicas - enganando-os a crer que se trata da Luz Incriada, quando não é. Por essa razão, todo cristão que ouve alguma coisa, ou tem alguma experiência, não deve aceitá-la imediatamente como se viesse de Deus, porque ele pode estar sendo enganado pelo demônio. Ele deve confessar a experiência ao seu confessor que então irá dizer-lhe se é de Deus ou um engano dos demônios. É necessário muito cuidado em tais casos.

Identificando uma experiência pura da graça de Deus

Vamos examinar agora as condições que podem garantir se as diferentes experiências que temos são genuínas ou falsas.

A primeira condição é que devemos ser pessoas de arrependimento. Se não nos arrependemos de nossos pecados e nos limpamos de nossas paixões, não é possível que estejamos vendo Deus. Como o Senhor diz em suas bem-aventuranças, "Bem-aventurados os puros de coração pois eles verão a Deus". Quanto mais a pessoa purifica-se de suas paixões, se arrepende e retorna a Deus, mais ela sentirá e verá Deus.

Tentar alcançar essas experiências de Deus através de métodos e meios artificiais - como é feito no Hinduísmo, Yoga, etc, é um erro. Essas experiências não vem de Deus. São experiências alcançadas por meios psicológicos.

Os Santos Padres nos dizem: "Dê seu sangue para receber o espírito". Em outras palavras, se você não der o sangue do seu coração com seu arrependimento, oração, jejum, asceticismo, você não receberá a graça do Espírito Santo. As verdadeiras experiências espirituais são dadas aos que, por humildade, não pedem experiências espirituais mas pedem a Deus por arrependimento e salvação, são dadas aos que são humildes e dizem, "Meu Deus, não sou digno de receber a visitação da Tua graça, da Tua consolação celestial e divina, dos prazeres espirituais". Entretanto, aos que orgulhosamente pedem a Deus para lhes dar experiências, Ele não as concederá, devido ao orgulho delas. Assim, a segunda condição é humildade.

A terceira condição para receber uma verdadeira experiência espiritual é estarmos no seio da Igreja. Não fora da Igreja, porque fora dela o demônio irá nos enganar. Quando uma ovelha separa-se do rebanho, ela é devorada pelos lobos. Dentro do rebanho há segurança. O cristão só está seguro dentro da Igreja. Entretanto, quando ele abandona a Igreja, ele se expõe aos seus próprios enganos, aos enganos de outras pessoas e aos enganos do demônio. Temos incontáveis exemplos de muitas pessoas que não deram atenção à Igreja e ao seu estado espiritual e no fim caíram vítimas do engano. Elas até acreditavam terem visto Deus, ou que receberam visitações de Deus quando na verade as experiências que tiveram eram demoníacas e destrutivas. Também ajuda muitíssimo oferecer orações puras e fervorosas. A verdade é que é durante as horas de prece que Deus concede a maioria das experiências espirituais aos homens, e é por isso que os que oram amorosamente com zelo e paciência, recebem os dons do Espírito Santo e sentem a graça de Deus.

Como você talvez saiba, existe uma oração que rezamos na Montanha Santa e que você também rezar: "Senhor Jesus Cristo, tem piedade de mim, um(a) pecador(a)". Essa oração que se caracteriza por ser noética, sincera, incessante quando é dita com humildade, amor e persistência, traz ao coração do homem um sentimento da graça de Deus.

terça-feira, 14 de abril de 2015

Por que tantos rituais?

por Michael Bressem, Ph.D.

Em resumo, a adoração ortodoxa é ritualística porque (1) Deus deseja que nossos ofícios sejam ordenados como um reflexo de Si mesmo; (2) Nosso Senhor deseja determinar um padrão de adoração para manter a unidade e evitar as divisões; 3) Os ofícios fazem com que nos disciplinemos a prestar atenção, lembrar e participar, para que nos aperfeiçoemos na fé; (4) A adoração é feita para ser trabalhosa, exigindo o melhor de nós para honrar a Deus.

Se compararmos aos cultos da maioria das igrejas protestantes e pós-Vaticano II das igrejas Católico-Romanas, o culto da Igreja Ortodoxa parecerá excessivamente formal, complicado e rígido nas suas rúbricas. Por que existem tantos rituais na Igreja Ortodoxa? Por que não há mais espontaneidade, criatividade e liberdade de expressão? Por que o ofício ortodoxo do Domingo – a Divina Liturgia – é essencialmente o mesmo semana após semana, ano após anos, por mais de mil e quinhentos anos? A maioria dos fiéis ortodoxos responderiam “Porque é a nossa Tradição”. Entretanto, entendemos porque é que a nossa Tradição é essa e por que os rituais são tão importantes para a nossa Fé Cristã? 

A Necessidade de Paz e Ordem

Na verdade, a Bíblia e os Pais da Igreja raramente usam a palavra “ritual” ou “rito” quando descrevem as práticas cerimoniais religiosas cristãs ou judaicas. As palavras mais frequentemente usadas são “ordenanças” e “observâncias”. Essas palavras descrevem melhor o que deveríamos estar fazendo. Para muitos, “ritos” são apenas uma série de comportamentos padronizados que as pessoas fazem sem entender o significado – talvez até tenha existido um motivo para o comportamento, mas agora as pessoas “só repetem”. 

Uma “ordenança” é um decreto de que uma atividade seja regulamentada (Hebreus 9:1), que seja mantida em uma sequência em particular ou dentro de certos limites. No que se refere aos ofícios de adoração, o Apóstolo Paulo afirmou, “todas as coisas devem ser feitas decentemente e em ordem” (I Cor. 14:40). A razão para isso foi dada em um versículo anterior: “pois Deus é um Deus não da desordem, mas da paz” (v.33). De fato, S. Paulo elogia a igreja em Colossos pelo quão ordenados (τάξιν) eles são (Col. 2:5). Dado que nossa atual Liturgia de S. João Crisóstomo é baseada na Liturgia do I século de São Tiago, que foi o primeiro bispo de Jerusalém, a Igreja ortodoxa sempre praticou uma forma ordenada e formal de culto. 

Ainda assim, a formalidade do culto se origina ainda antes, nas práticas judaicas que se iniciaram 13 séculos antes de Cristo com o Êxodo de Israel do Egito. Deus, através de Moisés, proveu detalhes claros sobre uma forma muito ordenada e elaborada de culto centrado no Tabernáculo ou Templo. Por que? Porque Deus sabe como é fácil para a humanidade argumentar sobre diferenças de culto ao ponto de gerar confusão (Atos 19:32), preconceito (S. Jo 4:20), e violência (Gên. 4:3-8). Não é difícil olhar a história da humanidade e descobrir guerras que foram ao menos em parte justificadas por disputas sobre crenças e práticas religiosas. Embora o conflito entre fés provavelmente continuará (S. Jo. 17:14), Deus quer evita-lo no seio da igreja (S. Jo. 17:22-23). Por isso é necessário que a Igreja esteja unificada em Suas práticas de adoração. A igreja ortodoxa manteve a unidade da fé, em parte, por causa da manutenção precisa da fórmula de seu culto. Ao fazê-lo, a Igreja evitou muito da dissensão que se aplacou sobre outros ramos do Cristianismo. 

A Necessidade de Atenção e Memória

“Observância” denota a necessidade de prestarmos atenção e de nos lembrarmos. Seis vezes durante a Divina Liturga o padre ou diácono proclama a exortação “Estejamos atentos”. Deus não quer que a gente esteja distraído e falemos e participemos dos ritos com nossas mentes ocupados com trabalho, lista de supermercado ou com uma briga recente com esposo ou esposa. Essa adoração não seria “em espírito e em verdade” (S. Jo. 4:23-24). Deus deseja foco ao que cada palavra e gesto aludem durante a Divina Liturgia (e outros ofícios também). Isso exige disciplina de nossa parte, mas é precisamente através da disciplina que nos tornamos filhos e filhas justos de Deus (Hebreus 12:4-11). Observar a Divina Liturgia nos ajuda a “fixar nossos olhos em Jesus, o autor e aperfeiçoador de nossa fé” (Heb. 12:2). 

Apenas sendo atentos iremos adquirir entendimento (Prov. 4:1, 20; 5:1; 7:24; 22;17), escutarmos as orientações de Deus para nós (Exo. 23:20-21), e recebermos Sua benção (Deut. 7:12-13; 28:13). Seguirmos os ensinamentos da Igreja tanto através das Escrituras (2 Ped 1:19) quanto da Tradição (Heb. 2:1) nos protege de cairmos em heresia sem perceber. Uma definição bíblica de observância que é muito boa, e da qual podemos nos lembrar ao entrarmos em uma igreja é: “Mortal, olha de perto e escuta com atenção, e com coração atento olhai tudo que Eu (teu Deus) irei te mostrar, pois fora para te mostrar estas coisas que trouxe-te aqui” (Ezequiel 40:4, veja também Isaías 28:23; 34:1). 

A Bíblia está cheia de exortações não só para prestarmos atenção, mas para lembrarmos. Precisamos continuamente lembrar: de quem Deus é, como Deus nos salvou, dos milagres que dão testemunho do amor de Deus por nós, dos mandamentos que Deus nos ensinou, dos santos antigos que nos inspiram, e também lembrarmos daqueles que necessitam de auxílio de caridade ou intervenção divina. O ponto alto da Divina Liturgia é quando participamos do sacramento da comunhão, que foi dado por Deus para ser feito “em memória” de Cristo (S. Luc. 22:19; I Cor 11:24-25). Os ofícios ortodoxos de adoração, particularmente nas suas litanias e hinos, foram criados especialmente para nos ajudar a nos lembrarmos. 

A Necessidade de Crescimento e Transformação

Algumas pessoas podem dizer que é muito fácil perder a atenção durante os ofícios ortodoxos exatamente porque são tão repetitivos. Alguns podem acreditar que certos cultos modernos prendem melhor nossa atenção porque mudam toda semana e portanto são mais estimulantes. Primeiramente, note-se que os ofícios ortodoxos não são completamente repetitivos – as leituras, homilias e alguns hinos mudam toda semana. Em segundo lugar, a repetição é boa para nós: é assim que se aprende. Além de ser uma assembleia onde damos a Deus o que é Seu de direito – louvor e gratidão – o culto ortodoxo é uma sala de aula que nos instrui sobre como devemos crer e nos comportar corretamente. 

Parte do motivo pelo qual a adoração na Igreja Ortodoxa é tão ritualística é porque muita informação está condensada em um ofício de noventa minutos. É possível gastar décadas indo a Divina Liturgia todos os domingos e a pessoa não perceber todo o profundo e rico simbolismo de sentidos da cerimônia. A Divina Liturgia não muda porque sua fórmula nos ajuda a crescer em conhecimento e virtude e a nos tornarmos mais semelhantes a Cristo, que é o propósito de nossas vidas (Col. 1:28-29; 2 Ped. 3:18). Mesmo que nossa atenção se disperse de vez em quando (o que seria melhor evitar), acabamos absorvendo alguma coisa do ofício em nosso espírito e que abençoa nossas almas. A repetição é transformacional. Depois de um tempo, a Divina Liturgia se torna mas do que uma ordenação ou uma observância; se transforma em algo que é intimamente parte de nossas vidas – como o bater de nossos corações (e ninguém reclama que nossos corações repitam seus batimentos com o mesmo ritmo vivificante de sempre!). 

Os cultos não-ortodoxos contemporâneos podem ser bastante divertidos. Instrumentos eletronicamente amplificados, o louvor emocional dos corais, a pregação dramática, as apresentações multimídia, tudo isso pode tornar o culto mais agradável. No entanto, assistir TV, ir no cinema, ou a um show de música também podem ser agradáveis. Mas o quanto lembramos desses eventos? Quanto deles nos ajuda a crescer em maturidade na Fé (Heb 5:12-6:1)? Devemos nos perguntar se Deus em algum momento quis que o culto fosse divertido. Não deveria ser algo diferente do que aquilo que o mundo produz? Não deveria ser algo que reverencia a Deus ao invés de algo que regala a congregação? 

A Necessidade de um Culto Trabalhoso

“Liturgia” significa “trabalho do povo”. Deus deseja que O amemos com todo nosso coração, toda nossa alma, e com *toda nossa força* (Deut. 6:5, ênfase minha). Participar na Divina Liturgia não é uma experiência fisicamente confortável: temos que ficar de pé, nos ajoelhar, fazer prostrações. Ninguém assiste passivamente um ofício da Igreja ortodoxa (pelo menos não deveria). O povo é convidado a se envolver reverenciando os ícones, cantando junto os hinos, recitando o Credo, e juntando seus corações e vozes às orações. Se você não estiver um pouquinho cansado quando a Divina Liturgia tiver terminado, talvez você não tenha posto tudo de si na adoração do Senhor. 

Embora a adoração possa ser uma celebração alegre (Sal. 100:1-2), as Escrituras deixam claro que Deus deseja que a adoração seja também trabalhosa. O primeiro caso registrado de adoração foi a história de Caim e Abel, os filhos de Adão e Eva, quando Deus aceita o sacrifício de Abel mas rejeita o de Cain (Gên. 4:3-7). Deus explicou que não seria qualquer oferta que seria aceita, mas apenas quando dermos o melhor de nós nossa oferta receberá Sua aprovação. Os animais sacrificados a Deus tinham que ser sem defeitos e portanto eram os mais valiosos do rebanho (Lev. 1:3). A Divina Liturgia foi refinada ao longo dos séculos para que seja o melhor ofício de adoração que podemos oferecer a Deus. Ela permaneceu a mesma desde então porque nenhum teólogo ortodoxo conseguiu imaginar um modo de deixa-la ainda melhor do que a versão de S. João Crisóstomo do século IV. 

Em resumo, a adoração ortodoxa é ritualística porque (1) Deus deseja que nossos ofícios sejam ordenados como um reflexo de Si mesmo; (2) Nosso Senhor deseja determinar um padrão de adoração para manter a unidade e evitar as divisões; 3) Os ofícios fazem com que nos disciplinemos a prestar atenção, lembrar e participar, para que nos aperfeiçoemos na fé; (4) A adoração é feita para ser trabalhosa, exigindo o melhor de nós para honrar a Deus. “Portanto, já que estamos recebendo um reino que não pode ser abalado, sejamos gratos, oferecendo a Deus uma adoração aceitável com reverência e maravilhamento, pois de fato nosso Deus é um fogo que incendeia (Heb. 12:28-29). 

Nos convêm realizar todas as coisas em ordem, como o Senhor nos comandou a fazer em tempos pré-ordenados. Ele nos mandou realizar ofertas e ofícios. E essas coisas não são realizadas distraidamente ou sem regularidade, mas nos tempos e horas determinados”.
S. Clemente de Roma 96 DC


Publicado originalmente em The Path of Orthodoxy, Vol. 42, Nos. 4/5, April/May 2008.

Traduzido de http://pemptousia.com/2015/04/why-all-the-rituals/