sábado, 21 de junho de 2014

Livro do Patriarcado de Moscou condena Dugin

Abaixo, para colocar um ponto final na lenda de que Dugin teria alguma coisa de cristão ortodoxo, a tradução do capítulo do livreto do Patriarcado de Moscou que denuncia todas as heresias e seitas ocultistas que assombram a Rússia. Dugin ganhou um capítulo inteiro só para ele. Herege, pagão e apóstata, nada tem de ortodoxo. Anátema, anátema, anátema!



A doutrina de Aleksandr DUGIN. “Novas associações religiosas da Rússia de caráter destrutivo e oculto: um guia / Departamento missionário do Patriarcado de Moscou da Igreja Ortodoxa Russa”.
Boletim informativo e analítico Nº1 – Belgorod, 2002, 3º edição, aumentada, 4.9 A doutrina de Aleksandr DUGIN.
( Link para referência ao livro no Google Books: http://is.gd/462IoK )

Guia.

Aleksandr DUGIN.

Doutrina:

Dentre as doutrinas neopagãs, as opiniões de A. DUGIN ocupam uma posição à parte. Em particular, isto se explica pelo status do autor, chefe do movimento “Eurásia” (pelo fato de ser um dos conhecidos ideólogos do movimento “Rússia”), por sua colaboração ativa com o Comitê Islâmico e por ser um político ambicioso.

Seus ensinamentos, transformados harmoniosamente na ideologia do movimento Eurásia, não podem ser examinados separados da concepção do mundo de seu mentor espiritual René GUÉNON, em cuja biografia estão contidos alguns dados que nos permitem de maneira mais objetiva avaliar o lado espiritual da doutrina de A. DUGIN.

Além disso, ficam também esclarecidos o papel e a posição da Igreja Ortodoxa, elaborados por A. DUGIN em documentos programáticos e outros escritos relacionados com a organização da OPOD (Movimento Pan-russo Social e Político) Eurásia e com a criação da futura União da Eurásia.

Todos os documentos utilizados para a preparação desta seção foram publicados em órgãos periódicos públicos de informação. As opiniões de A. DUGIN, de seus mentores e de seus seguidores foram tiradas de monografias, almanaques, dos órgãos de informação de massa por ele dirigidos e de outras edições, distribuídas basicamente por empresas comerciais controladas pelo movimento Eurásia e por outras estruturas dependentes do autor.

Sobre o autor da doutrina:

Aleksandr Gelevitch DUGIN [1] nasceu em 1962 no distrito de Tcheliabinsk. Seu pai foi um general que trabalhou na administração central do sistema de informações do Estado Maior das Forças Armadas da URSS. O papai general colocou o filho, que não concluíra a Escola de Aviadores de Moscou, no arquivo da KGB. DUGIN conhece cerca de 10 línguas europeias, e domina a língua hebraica. As pretensões de A. DUGIN o tornaram, aos 35 anos, o homem número 2 do Partido Nacional Bolchevique de Eduard LIMONOV. Entusiasmou-se pela maçonaria e pelo fascismo. Foi inimigo do “Império Soviético”. Atualmente, defende opiniões totalmente opostas.

Em 1991 foi publicado seu primeiro livro “Caminho do Absoluto” onde estão expostos os fundamentos de sua orientação religiosa. Em 1992 começa a editar a revista “Elementos”. Em 1993 publica o best-seller “Teoria da Conspiração” que se tornou o equivalente do livro de ação inglês “Caça aos Espiões”. No livro “Teoria da Conspiração” foi desenvolvido o tema das relações secretas entre a CIA e a KGB.

Segundo sua própria confissão, A. DUGIN na juventude intitulava-se “um fascista místico” e hoje em dia modificou esta denominação para “fascista ortodoxo”.

A. DUGIN considera o esotérico francês da primeira metade do século vinte René GUÉNON (15.11. 1886 – 07.01. 1951) como seu mestre, como autoridade reconhecida e incontestável, como emissário autêntico da teoria escatológica, considerando-o a figura chave desse período. Escreve: “René GUÉNON é o emissário do supremo centro para a última época, para o período de Kali Yuga, e os princípios da Tradição por ele formulados (o conjunto dos “conhecimentos não humanos transmitidos de uma geração à outra pela casta dos sacerdotes ou por outras instituições semelhantes) servirão de baluarte de salvação para aqueles que terão que, lutar contra “este Mundo” e seu “Príncipe”, fazer renascer a Tradição na sua dimensão autêntica, não humana e “angélical” e, fechando o ciclo, elaborar os fundamentos sagrados da Idade do Ouro que se aproxima.” [2]

Um dos objetos fundamentais das pesquisas de GUÉNON é uma versão da metafísica, na qual as concepções do hinduísmo exerceram uma grande influência.

Na tentativa de justificar GUÉNON (e, por conseguinte, suas próprias concepções sobre cristianismo), A. DUGIN diz que “a particularidade do tradicionalismo de GUÉNON faz às vezes com que os membros conservadores da Igreja considerem erroneamente o esoterismo e a síntese a que ele se refere como ocultismo e sincretismo.”[3]

E, 1912 GUÉNON se converteu ao Islamismo e adotou o nome árabe de Abd-el-Vakhed-Iakhia – Servidor Único.

Mais adiante [4], todavia, DUGIN indica que “GUÉNON recebeu iniciação maçônica do neo-rosacruz Theodor REUSS, que foi amigo, companheiro de armas e responsável pela iniciação de A. CROWLEY”. [5]

Lembremos que GUÉNON constitui uma autoridade incontestável para A. DUGIN.

O Neopaganismo à luz das concepções metafísicas de R. GUÉNON e de A. DUGIN
As primeiras pesquisas religiosas de A. DUGIN datam do início dos anos 90 do século passado e estão ligadas à fundação do almanaque “Anjo Gentil”, em cujas publicações são examinadas as fontes espirituais dos ensinamentos de um novo messias. Eis o que escreve a equipe de redação nesta edição [6]:

“Nossa tarefa fundamental ... constitui a restauração da tradição integral em toda a sua dimensão total ... O almanaque ‘Anjo Gentil’ combate a favor da restauração do espírito medieval, da forma de pensar medieval , da religiosidade medieval e da concepção de estado medieval.” Entretanto, como veremos a seguir, A DUGIN interpreta estes conceitos “medievais” do ponto de vista do neopaganismo.

Dentro dos limites da Tradição mencionada, DUGIN reconhece a primazia do não ser: “qualquer metafísica tradicional de pleno valor reconhece a prioridade do não ser sobre o ser”. [7] Aqui está uma das posições (respostas) da gnose escatológica de A. DUGIN: “O ser apareceu como prova de que o não ser que o continha antes de sua aparição não é a última instância, e de que, além de seus limites está presente o Outro, que não coincide nem com o ser, nem com o não ser[8]. Do seu ponto de vista o ser “não pode também afirmar sua própria primazia sobre o não ser, pois contradiria a verdade, já que o ser puro não é outra coisa senão a tradução na realidade, sob sua forma lógica, das possibilidade do não ser que o precedeu.”[9]
De maneira generalizada a doutrina espiritual de A. DUGIN está concentrada no almanaque “O Fim do Mundo. Escatologia e Tradição” (Moscou, Ed. Arktogaia, 1998). O próprio A. DUGIN denomina esta publicação de “manual de historia da religião”. Todavia, os aspectos históricos das várias crenças contidas neste trabalho são apresentados sob seu ponto de vista próprio (e totalmente peculiar). Isto contradiz definição do livro como obra histórica e lhe confere um aspecto dogmático. A mistura de concepções cristãs, runologia, conceitos pagãos, várias teorias da cosmogonia é só uma pequena lista das liberdades de um diletante para com os materiais da coletânea.

Ao inserir na coletânea histórica [10] um capítulo do livro “Caminho do Absoluto”, (”Gnose Escatológica”), A. DUGIN constata assim que sua doutrina religiosa já está formada.

Justificando o surgimento de novas religiões e cultos dentro dos limites da Tradição, A. DUGIN escreve literalmente o seguinte: “As normas e as estruturas esotéricas da Tradição se transformam em conformidade com a situação do ambiente cósmico, e, por conseguinte, aparecem novas religiões e tradições, novas redações do culto e novas práticas.”[11]

Esta afirmação tem consequências de longo alcance. Se o ambiente cósmico constitui o não ser que gera o ser, então o surgimento de novas religiões e cultos (possível somente nos limites do ser) é um fato objetivo (do ponto de vista metafísico) e isto significa que cedo ou tarde uma nova religião nos limites do Estado da Eurásia irá aparecer e além disso será absurdo resistir-lhe.

É de se notar que esta afirmação está inserida na seção do “manual” consagrada à analise dos ensinamentos religiosos de A. CROWLEY.

Desta forma, podemos desde já definir a doutrina religiosa de A. DUGIN como uma interpretação da metafísica do hinduísmo combinada a conceitos do marxismo ortodoxo. Sob o aspecto linguístico, esta doutrina reveste a forma de uma terminologia pseudocientífica, extremamente atraente para diletantes que, como o próprio A. DUGIN, não concluíram um curso universitário, e que compartilham dos ideais da ideologia comunista.

(Nota do blog - by Saulo: Acho que na época o Dugin não tinha se formado em nada ainda - será que ele dá aulas na Universidade de Moscou sem ter concluído um curso universitário? - "Dugin se apresenta como um acadêmico e filósofo, alegando dois títulos de PhD, mas quem e como lhe concedeu tais diplomas permanece um segredo cuidadosamente guardado [ http://en.metapedia.org/Alexander_Dugin ] )

A Ortodoxia na interpretação de A. DUGIN

DUGIN faz uma análise da Ortodoxia a partir da posição tradicionalista de GUÉNON, avançando a tese: “A Igreja Cristã ... se seguir uma orientação tradicionalista e conservadora, em regra geral, na melhor das hipóteses, constitui o apoio fundamental para a conservação do aspecto esotérico, ritualístico e dogmático... . A Igreja ou limita sua atividade não litúrgica por um moralismo simplificado, ou , o que é pior, tenta ocupar-se da apologética baseada em teorias fundamentalmente profanas, contemporâneas e antitradicionalistas, ou ainda, o que é terrível, tende ao sincretismo, ao ecumenismo e mesmo ao neoespiritualismo mais baixo....”. [12]

Nas obras de A. DUGIN manifesta-se claramente o efeito da lei da dicotomia. Por exemplo, a tentativa de pesquisar as crenças pré-cristãs e pré-ortodoxas da Rússia leva A. DUGIN a conclusões paradoxais. Eis uma delas: “O Cristianismo não substituiu, mas elevou e consolidou a fé antiga pré-cristã.” [13

Escreve: “Quando temos diante de nós uma tradição realmente importante e autêntica, podemos quase sempre descobrir nela seu transcendentalismo e seu caráter imanente, sendo que esta última característica constitui sua parte interior e esotérica.”[14], ou seja, para A. DUGIN o paganismo é também uma suposta Ortodoxia, todavia melhor e mais original. “O aspecto imanente” é a concepção mística do mundo de A. DUGIN e de seus seguidores. Esta concepção provém em particular do fato de que basta pensar em uma “conspiração” e a ideia de conspiração já se torna realidade e, na medida, que sou “eu” que penso, então isto é uma realidade bem mais importante do ponto de vista metafísico do que a realidade concreta [15]

O “aspecto imanente” não distingue ideias que tem seu fundamento na vida quotidiana e também as ideias nominais (ou ordinariamente fictícias), e dá preferência às fictícias. A incapacidade da tentativa de associar o “aspecto imanente” ao Cristianismo manifesta-se de maneira particularmente visível na tentativa de interpretação do Credo, tentada por A. DUGIN, onde ele geralmente descamba para uma franca heresia[14]. Assim, ele afirma que o Credo de Niceia é uma profissão de fé com “uma pequena concessão a preconceitos cristãos”. Além disso, A. DUGIN geralmente chama o Credo de “Fórmula da Fé [16]. Ao fazer isto, considera que os primeiros três membros (ou, na terminologia de A. DUGIN, pontos) fornecem uma imagem absoluta e acabada da metafísica [17]

Nas suas “obras” [18] A. DUGIN simplesmente blasfema ao afirmar certo aspecto real (existencial ou ontológico) da Trindade. Ele nega a revelação de que Deus é o criador do mundo e que este sempre transcende qualquer aspecto material.

DUGIN introduz uma inovação na doutrina da imortalidade da alma. Escreve em particular: “A Alma, uma forma sutil, tecida de substâncias da atmosfera, sobrevive ao corpo no qual ela passou sua vida terrena e pode viver de modo independente mesmo depois da morte corporal ... Mas o caminho para o céu do espírito ... é impossível para a alma individual, pois, este mundo, por definição não admite em si seres revestidos de forma”.[19] Entretanto, de acordo com a doutrina ortodoxa, Deus cria a alma pelo seu sopro criador [20].

DUGIN em um sentido puramente teosófico insiste na “descoberta dentro da personalidade humana” de uma substância radicalmente diferente do velho “eu” habitual do indivíduo. Afirma que esta descoberta se passa durante o batismo [21]. E nisso A. DUGIN vê uma saída para a “salvação” do ser humano.

Tal afirmação contradiz diametralmente a definição de João Damasceno: “a alma é uma substância viva, simples e incorpórea, por natureza invisível aos olhos humanos, imortal, dotada de entendimento e inteligência e não possui uma imagem (forma) determinada”. Ela age com auxílio do corpo orgânico e comunica-lhe vida, crescimento, sentimento e força de geração. A inteligência ou o espírito pertence à alma não como algo diverso, separado dela, mas como sua mais pura parte. O que são os olhos para o corpo, assim é a inteligência para a alma. A alma é um ser livre, dotado de capacidade de vontade e ação. Ela é “suscetível de mudança por parte da vontade”. [22]

As concepções e declarações errôneas e por vezes francamente heréticas de A. DUGIN são complementadas pela runologia, pela doutrina sobre o caráter cíclico das fases cósmicas e pelas demais crenças pagãs.

De acordo com a mencionada lei da dicotomia, utilizada por A. DUGIN largamente para elaborar os seus trabalhos, chega à conclusão inevitável de que existem dois tipos de hinduísmo segundo GUÉNON – um bom e um mau. O “mau” é o ocidental e o “bom”, o oriental, supostamente ortodoxo. A. DUGIN vê “um futuro brilhante” para a ortodoxia com a combinação do princípio esotérico da Igreja (isto é, com a organização eclesiástica) com a gnose esotérica pagã. Esta abordagem, como ele descreve, abre “possibilidades ilimitadas para uma compreensão profunda e inesperada da ortodoxia russa”[23]. Assim, A. DUGIN afirma que na pessoa dos “heréticos gnósticos” já existe um fundo de ortodoxia, faltando somente o aparato metafísico. Por isso, o único caminho consiste em adotar a religião tradicional e, em seguida, tentar, no âmbito desta religião, penetrar pela prática espiritual, ritual e intelectual nos seus aspectos esotéricos interiores, nos seus mistérios” [24]. A. DUGIN aconselha que, “para que os gnósticos não se submetam à influência das ideias cristãs, estes devem aspirar a minimizar a dimensão humana, terrena e secular da Igreja ..., é indispensável a despeito de tudo insistir na totalidade mística e na perfeição da Igreja, destacando seu aspecto atemporal, benéfico e transformador”[25]. Além disso, pensa que: “ a tarefa fundamental para se aplicar os princípios do tradicionalismo integral ao cristianismo e, em particular, para a ortodoxia, pressupõe tornar-se um seguidor imediato e ortodoxo de GUÉNON” [26].

Isto nada mais é que um apelo à criação dentro da ortodoxia de uma nova tendência (seita), isto é, uma tentativa de um simples cisma.

A. DUGIN evidentemente desconhece que a mantenedora da verdadeira tradição – a Igreja – se protege e se protegerá com antecedência contra sociedades secretas no seu seio. Ele apresenta a situação de tal forma que pelo seu desejo pode juntar à Igreja suas convicções pagãs.

Segundo a opinião audaz de A. DUGIN, “Se nós fomos resgatados pelo Cristo, então, em princípio em nós não há pecado, e é necessário ir corajosamente para o mundo da deificação e não contar meticulosamente suas imperfeições” [27]. Pela mesma razão coloca-se em dúvida um lado fundamental da vida espiritual como o arrependimento, como a confissão, em outras palavras, o leitor é de fato conclamado a uma recusa voluntária de participar nos mistérios mais importantes da Igreja, que constituem uma parte obrigatória da vida ortodoxa.

“A revolução religiosa é vista por DUGIN como a preservação de todos os aspectos dogmáticos, rituais, doutrinários e simbólicos da fé ortodoxa. Esta revolução, porém, destrói aquelas contribuições intelectuais, de caráter nobre e protestante ou de soviético conformista, e mais frequentemente de fundo liberal, que erroneamente são assimilados hoje em dia com a Igreja e que afastam dela muitas pessoas dignas, fortes e nobres de tendência revolucionária” [28].

Por seus objetivos, A. DUGIN aproxima-se dos chamados modernistas, adeptos de Kotchetkov, de Men, de Borisov e de Jeludkov - e semelhantes. Ele tenta de modo persistente “assimilar” a ortodoxia ao paganismo, e os modernistas acima citados vão ao seu encontro, expondo a ortodoxia dentro deles, e também no espírito e na alma de seus adeptos. “Este homem se colocou fora da Divindade e da lei humana, escolheu para si um ponto de vista fora do bem e do mal, acima da lei e da felicidade” [29]. E se os representantes das correntes renovadoras acima enumeradas seguem o caminho de uma suposta simplificação, DUGIN, ao contrário, com todas as suas forças esforça-se para tornar o evidente incompreensível e ambíguo, utilizando para tanto o aparato conceptual e linguístico da metafísica.

Podemos supor que as doutrinas religiosas de A. DUGIN constituem uma compilação de crenças ocidentais (protestantes) e orientais (hindus). Não possuem nenhum fundamento espiritual da ortodoxia e não podem ser consideradas uma doutrina religiosa completa no sentido atribuído a este conceito pelos homens de ciência – teólogos e filósofos.

Posição de A. DUGIN com relação ao Islamismo

Uma das primeiras medidas oficiais tomadas pelo movimento “Eurásia” foi uma conferência sobre o Islamismo “Ameaça do Islã e ameaça para o Islã”. A conferência realizou-se no dia 29 de junho de 2001 no prédio do “Hotel-Presidente” sob a presidência do porta-voz da Câmara de Deputados, G. Seleznev, do grão mufti da Rússia Talgat Tadjuddin e de A. Dugin (nesta época ele tinha-se tornado conselheiro de Seleznev para questões de geopolítica). Um número especial da “Revista da Eurásia” foi consagrado às relações do Movimento com o Islã. A Divisão de relações exteriores da igreja ortodoxa do Patriarcado de Moscou publicou nas páginas desta edição um artigo do padre Vsevolod (Tchaplin), artigo este que ocupa apenas um pouco mais de 5% do volume total da revista.

Cabe notar que em todos os artigos sobre o Islã não há qualquer referência às numerosas manifestações extremistas dos pseudomuçulmanos. Além disso, no artigo [31] do autor permanente do jornal, Khoj-Akhed Nukhaev, propõe-se a criação “no território da Chechênia meridional uma casa comum da Eurásia, uma organização construída segundo os princípios da doutrina dos cãs tártaros (reunião dos muçulmanos, cristãos e judeus e todos os homens de boa vontade, prontos para submeter-se a esta organização em torno de uma missão comum de revitalização da Terra e cura da alma da humanidade contemporânea).
As ideias de Kh-A. Nukhaev estão bem próximas das de DUGIN. Por exemplo, ele propõe construir o Estado da Eurásia em duas etapas:

Na primeira etapa será fundada a CUEA – Confederação Unificada dos Estados Autoritários.

Na segunda, ela se transformará na Casa Comum da Eurásia.

Podemos imaginar que o Islamismo é mais próximo de DUGIN como fundamento espiritual da ideia de Eurásia. São interessantes as reflexões de DUGIN a respeito da “terceira capital” [32]. Ao examinar o papel desempenhado pelas cidades de Kiev, Moscou e São Petersburgo na história da Rússia, ele, notando o fato de que na Rússia moscovita a etnia torna-se particularmente grã-russa, designa este estado, todavia, como turco-eslavo. Do seu ponto de vista, a capital ideal da Eurásia seria Kazan. Para confirmar suas palavras, escreve: “Ivan o Grande (Terrível) apresenta-se com o legítimo herdeiro da vontade geopolítica da Horda de Ouro, como um tzar especialmente grão-russo, no qual as raízes eslavas se unem com o sangue tártaro sob o estandarte da ortodoxia bizantina”. Ele considera que “o Tartastan representa o modelo de uma entidade federativa da Eurásia. Graças ao impulso tártaro, turco, os russos se conscientizaram como grão-russos, separando-se para sempre do modelo pequeno-russo de Estado. O elemento tártaro é o fator mais importante tanto para a etno-gênese dos grão-russos como para a forma de governo – para a gênese da própria Rússia – Eurásia”. E, finalmente, a afirmação mais interessante: ”O Islamismo dos cãs tártaros é valioso para a Eurásia não como “uma forma incompleta de ortodoxia”, mas como a variedade ortodoxa do Islamismo. E, inversamente, para o Islamismo ortodoxo não há tradição mais próxima do que a Igreja Ortodoxa” [33].

A. DUGIN considera que os métodos metafísicos servem não só para o estudo da ortodoxia, mas também para o do Islamismo. Assim, ele cita a coincidência da opinião do conhecido metafísico muçulmano Gueidar Djemal com a sua própria: “O Fim é mais fundamental do que o começo ... A Negação é a mais fundamental de todas as realidades”[34]. É revelador que este artigo de A. DUGIN foi por ele publicado no jornal dos comunistas russos “Amanhã” nº 21 (338) no ano 2000. Ao fazê-lo, A. DUGIN revelou um total desconhecimento com um documento analítico com “Jiad do povo tártaro na Rússia”[35], no qual a “proximidade” agressiva do Islã com a ortodoxia foi refletida em mais de uma acepção.

Se levarmos em conta o apelo de A. DUGIN para a superioridade da união com os estados muçulmanos, e a possível tomada do poder por eles da União Européia, surge então a seguinte pergunta:

Qual mecanismo A. DUGIN propõe utilizar para prevenir a repetição da situação que hoje em dia se formou no Afeganistão (tem-se em vista o julgamento de missionários cristãos pelos talibãs)?
Levando-se em conta que, segundo as palavras do Cheiq-ul-Islam Talgat Tadjuddin, a população muçulmana manifesta seu pleno apoio ao presidente Putin, podemos com segurança considerar que ela também assim procederá para com a A. DUGIN, que abertamente demonstrou uma posição favorável em relação às ações do dirigente do país.

Posição em relação à maçonaria contemporânea

Na concepção de A. DUGIN, a maçonaria é em princípio “um movimento iniciático bom, dividido pela influência de forças exteriores num ramo ruim “egípcio” e num bom, cristão e escocês”[36]. Por esta afirmação, A. DUGIN revela sua total incompreensão da teoria maçônica, que nega qualquer religião como base da existência espiritual da sociedade.

Apesar disso, oferece certo interesse a conversa que teve A. DUGIN (ele neste caso se apresentou como autor do almanaque “Anjo Gentil” – AG) com o chefe do ramo francês da “Ordem dos Templários Orientais” (mais tarde reformada por A. CROWLEY), um tal irmão Marcion (Christophe Bouchet) [37] quando da sua chegada na Rússia.

Examinando a ação dos maçons no decurso de alguns séculos, o irmão Marcion analisa o lado oculto da ação da SS na Alemanha de Hitler, considerando que “a maioria dos trabalhos dedicados à pesquisa do nacional-socialismo são simplificações vulgarizadoras que aspiram a apresentá-lo como o um mal absoluto”. Ele, baseado nas publicações de Savitri Devi Mukherji, esposa do brâmane Mukherji, considera que “no interior no Nacional-socialismo existiu uma evidente tendência messiânica”.

Nesta mesma passagem, o irmão Marcion afirma que “tudo o que se diz ter-se passado nos campos de concentração nazistas (e também nos stalinistas) não passa de um enorme exagero”. (Evidentemente o irmão Marcion desconhece os materiais do julgamento de Nurenberg).

Segundo a confissão do irmão Marcion, seções de lojas maçônicas existem em muitos países da Europa Ocidental, incluindo a Iugoslávia, onde, há alguns anos, o número dos seguidores de Crowley era muito grande. À pergunta relacionada com a fé dos maçons ele responde literalmente assim: “Eles creem no poder e na necessidade de dominar, subjugar e governar a si próprios”.

As teorias de Crowley à luz do enfoque metafísico de A. Dugin

A tentativa mal dissimulada de conciliar a ortodoxia com crenças que lhe são opostas deve-nos por de sobreaviso. Neste sentido, A. DUGIN até tenta demonstrar que A. Crowley não é perigoso para qualquer crença como geralmente é descrito. O autor produz uma série de citações que justificam Crowley, tentando provar que ele é somente um dos mais importantes pesquisadores (filósofos) dos nossos tempos. Tal atitude para com o “messias” do satanismo é mais do que reveladora, como também o fato de que, analisando a doutrina de Crowley, ele põe a palavra “satanismo” entre aspas. Exteriormente tenta tomar a posição de um analista independente das diversas crenças, sobre as quais a coletânea contém informações. Na base das reflexões de A. DUGIN também se encontram aqui as concepções metafísicas de Guénon, bem conhecidas por ele. Opondo iniciação e contra-iniciação, ele pensa que “as mais terríveis e sérias deturpações e dessacralizações cabem às pessoas com as melhores intenções, convencidas que são ortodoxas e portadoras do bem mais evidente”. E mais adiante: “Na maioria das vezes os não conformistas religiosos ( “hereges” , “satanistas”) buscam a plenitude da experiência sagrada, que os representantes da ortodoxia não podem lhes oferecer. Não é culpa deles, mas seu infortúnio, e a verdadeira culpa cabe àqueles que permitiram que sua autêntica tradição se transformasse em uma fachada superficial detrás da qual não há simplesmente nada. E talvez precisamente estas forças e grupos suspeitos caminham para a realidade profunda, enquanto que os profanos que permanecem na periferia por todos os meios criam obstáculos” [38].

Por meio de reflexões corriqueiras, A. DUGIN chega mais adiante à conclusão de que o papel “dos satanistas” (ou da Ordem de Seth) na divisão das igrejas ortodoxa, católica e protestante é simplesmente insignificante: pois a formação de A. Crowley se deu no seio da irmandade protestante de Plymouth, cujo propagador foi seu pai. É interessante a seguinte afirmação de A. DUGIN: “todas as vezes que Crowley acentuava o seu “satanismo”, só expressava uma clara compreensão do valor de sua posição diante do campo metafísico que ele conscientemente abandonara. E nada mais”. Desta forma, a doutrina espiritual de A. Crowley se reduz somente a uma negação dos dogmas do protestantismo. Por este mesmo raciocínio, deixa entender que desconhece algo de maléfico nos satanistas russos e na atividade de seitas semelhantes em muitos países do mundo. Mais do que isso, propõe considerar A. Crowley como “herege da heresia”, “um Anticristo no seio do anti-cristianismo”, e que é especialmente indispensável levar em conta, ao se avaliar Crowley, seu autêntico significado para a Rússia [39].

Em outras palavras, A. DUGIN culpa o próprio cristianismo pelo aparecimento das concepções anti-cristãs de A. Crowley: a identificação que Crowley faz de si próprio com o “Anticristo” “não era para ele a expressão do caráter destrutivo de sua missão, mas tão somente uma assimilação de denominações e títulos para provocar, no contexto cultural cristão; títulos estes que os profetas cristãos atribuem, no âmbito de seu contexto religioso (a religião de um Deus que morreu e ressuscitou) a “profetas de uma nova era” [40] que lhes são incompreensíveis”. E de maneira geral, do ponto de vista de A. DUGIN, o próprio A. Crowley de modo “reflexo” e irônico descreve sua magia sexual em termos de Anticristo. Isto é, toda a doutrina de Crowley se reduz a um gracejo! Neste ponto é oportuno lembrar algumas formulações de Crowley em um de seus livros relativo aos sacrifícios humanos: “dependendo dos objetivos místicos devem ser executados esfaqueamentos, espancamentos até a morte, afogamentos, envenenamentos, decapitações, estrangulamentos, autos da fé etc.” [41], ou ainda “O sangue lunar é o melhor, também o é o menstrual, o sangue fresco de uma criança e um fragmento da hóstia sagrada, em seguida, o sangue dos inimigos, depois o de um sacerdote ou de um crente e, em último lugar, o sangue de um animal qualquer” [42]. A. Crowley também recomenda: “O objeto mais conveniente para estes casos é uma criança de sexo masculino, inocente e intelectualmente desenvolvida (“Apontamentos mágicos do irmão “Perturabo” – pseudônimo litúrgico de A. Crowley)”. Dá entender que no período entre 1912 e 1928 ele executou tais sacrifícios numa média de até 150 ao ano [43].

E a parte final do artigo. “Impossível excluir a possibilidade de que o seu negativismo mais repulsivo e evidente, sua antinomia e sua “natureza maléfica” estejam mais próximos da verdade e nos ajudem a adquirir orientações espirituais corretas, pois, não é verdade que o caminho do paraíso esta revestido de maus pensamentos”?[44].

Ao que foi dito não é possível acrescentar mais nada. É verdade, ainda, que no livro “O Fim do Mundo” foi integrada totalmente a obra fundamental de A. Crowley “O Livro da Lei”, o que pode ser considerado uma forma de propaganda para os seguidores de A. DUGIN.

Tentemos formular as posições religiosas de A. DUGIN a partir da breve análise dos materiais acima examinados:
  1. Visão do mundo contrária à Ortodoxia, baseadas na primazia do não ser sobre o ser, com emprego do aparato conceptual e linguístico da metafísica.
  2. Presença na sua doutrina de concepções diretamente ligadas à visão do mundo hindu (tantrismo, metafísica indiana), e também com elementos da Teosofia que refletem as opiniões de R. Guénon (iniciado na Maçonaria, supostamente na Ordem reformada dos Templários Orientais – ou Ordo Templi Orientis, a O.T.O.).
  3. Apelos para “uma reforma” da Ortodoxia, em particular por meio da erosão da Ortodoxia como verdadeira crença, da introdução no interior da Igreja de seus inimigos, da liquidação das tradições ortodoxas, da sua submissão ao Islã e, no final das contas, sua destruição pelo emprego do aparelho administrativo da famigerada União da Eurásia. Como etapa intermediária, uma utilização conjuntural da Ortodoxia para atingir seus próprios objetivos políticos no confronto com os partidários da aliança atlântica na marcha para uma real dominação do mundo.
  4. Uma evidente preferência pelo Islã em detrimento das outras crenças religiosas, no seio de uma relação condescendente para com a maçonaria e o satanismo.
  5. A crença religiosa de A. DUGIN ao contrário das outras doutrinas religiosas tradicionais está dirigida para uma classe social de elite. Para sua compreensão exige-se um preparo específico, em particular de natureza filosófica. E isto coloca esta crença na categoria das ideologias ocultistas e místicas em função da critica que faz das posições conceptuais das principais religiões do mundo.
  6. A arbitrariedade na interpretação dos postulados fundamentais do Cristianismo e uma difusão deste tipo de material através de fontes de informação publicamente acessíveis colocam A. DUGIN fora dos muros da Igreja.
O centro de distribuição da doutrina de A. DUGIN é a loja “Transilvânia” (sita em Moscou, à Rua Tverskaia 6/1 5, telefone 229-87-86/33-45, site www.arktogaia.com). Citemos o conteúdo deste site publicado no jornal:

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  • Versão na rede das publicações periódicas da Eurásia, links para mensagens, fórum.
Nas instalações da “Transilvânia” se encontra também a loja “Artogaia-2”, onde estão expostos praticamente todos os trabalhos de A. DUGIN, bem como obras fundamentais sobre um vasto círculo de problemas de teologia, política e economia (em particular as obras de G. Wirth, A. Crowley e outros apologistas das crenças anticristãs, os documentos programáticos do movimento “Eurásia” e suas publicações periódicas).

Tendo-se em conta as posições atuais de A. DUGIN, líder de um movimento social populista, podemos supor que, no futuro próximo, a base e a esfera de difusão de sua doutrina irá ampliar-se pelo uso das possibilidades oferecidas pela Câmara dos Deputados e pelo Conselho da Federação e por meio de suas possibilidades editoriais e gráficas. Sobretudo, deve-se esperar um visível apoio do governo para o conglomerado editorial “Arktogaia”, e o emprego de outros meios de informação de massa que deverão fazer propaganda da doutrina de A. DUGIN. Já hoje em dia a base gráfica, utilizada para a impressão dos trabalhos do movimento “Eurásia”, é o complexo de produção gráfica “VINITI”, um das mais modernas e poderosas empresas editoriais no sistema de distribuição de informação de caráter técnico-científico e social da Rússia.

BIBLIOGRAFIA.
Referente à seção: “A doutrina de Aleksandr DUGIN”:
  1. Serguei RIUTKIN. “O crítico Dugin”// Internet, www.russ.ru,9.06.98.
  2. “Anjo Gentil” – Moscou. Atogaia, tomo 1, 1991, pag. 10.
  3. Ibidem, pag. 29.
  4. A. Dugin. “O Fim do mundo. Escatologia e tradição”. Moscou. Artogaia, 1998, pag. 359.
  5. Ibidem, pag. 47.
  6. Ibidem, pag. 1.
  7. “Anjo Gentil”, Artogaia, Tomo 1, 1991, pag. 23.
  8. A. Dugin. O Fim do mundo. Escatoçogia e tradição”. Moscou. Artogaia, 1998, pag 19.
  9. Ibidem, pag. 19.
  10. Ibidem, pag.17.
  11. Ibidem, pag. 365.
  12. A. Dugin. “O Fim do mundo. Escatologia e tradição”. Seção “O tradicionalismo de Guénon” .
  13. A. Dugin. A Igreja cristã”. Moscou.Artogaia, 1998, pag. 29.
  14. A. Dugin. “O Mistério da Eurásia”. Moscou. Artogaia, 1996, pag. 19.
  15. A. Dugin “O grande problema metafísico e a tradição”. Anjo Gentil. Moscou. Artogaia, 1991, tomo 1, pag. 23.
  16. R. Verchillo. “Contra o novo paganismo” “Tver ortodoxa”, nº 7-8, 199.
  17. “O esoterismo cristão”. Anjo Gentil. Moscou. Artogaia, 1991, tomo 1, pag. 67.
  18. A. Dugin. “O Fim do mundo. Escatologia e tradição”. Moscou. Artogaia, 1998, pag. 225.
  19. “O esoterismo cristão” Anjo Gentil. Moscou. Artogaia, 1991, tomo 1, pag. 67.
  20. Ibidem, pag. 68.
  21. A. Dugin. “A metafísica da boa nova”. Moscou. Artogaia, 1996, pag. 12.
  22. Ibidem, pag. 33-34.
  23. Arquimandrita Alípio e arquimandrita Isaías. “Teologia dogmática – ciclo de conferências”. Mosteiro de Troitsko Serguievo, 2000.
  24. A. Dugin. “A metafísica da boa nova”. Moscou. Artogaia, 1996, pag. 148.
  25. A. Dugin. “O mistério da Eurásia”. Moscou. Artogaia, 1996, pag. 55.
  26. Ibidem, pag. 245-246.
  27. A. Dugin. “O fim do mundo. Escatologia e tradição”. Moscou. Artogaia, 1998, pag. 29.
  28. Ibidem, pag. 10.
  29. Ibidem, pag. 10.
  30. Roman Verchillo. “Contra o novo paganismo” (“A propósito das obras de A. Dugin”). Tver ortodoxa, nº 7-9, julho-agosto de 1999. (Mensageiro do centro de informações e análise do prelado Mark, bispo de Éfeso (fascículo 13).
  31. Khoj-Akhmed Nukhaev. “Não estamos interessados na derrota da Rússia”. Resenha sobre a Eurásia, fascículo especial, pag. 4.
  32. A. Dugin. “A terceira capital”. Na coletânea: “A doutrina da Eurásia: teoria e prática”. Moscou. Artogaia, 2001, pag. 39.
  33. Ibidem, pag. 44.
  34. A. Dugin. “O grande problema metafísico e a tradição”. Anjo Gentil, tomo 1, Artogaia, 1991, pag. 22.
  35. I. N. Lotfullin e F. G. Islaev. “O jiad do povo tártaro na Rússia”. Kazan, 1998, pag. 156.
  36. A. Dugin. “Teoria da conspiração”. Moscou. Artogaia, 1991, tomo 1, pag. 48.
  37. Ibidem.
  38. A. Dugin. “O fim do mundo. Escatologia e tradição”. Seção: “Teoria geral da conspiração”. Moscou. Artogaia, 1998, pag. 209.
  39. Ibidem, pag. 366.
  40. A. Dugin. “O fim do mundo. Escatologia e tradição”. Moscou. Artogaia, 1998, pag. 362.
  41. Ibidem, pag. 366.
  42. A. Crowley. “A magia – teoria e prática”. Tomo 1. Edições Lokid-Mif, pag. 167-177.
  43. Ibidem, pag. 384 (citação do livro de Crowley: “O livro das leis”, parte 3, versículo 24”.
  44. A. Crowley. “A magia – teoria e prática”. Tomo 1, Edições Lokid-Mif, pag. 17.

TRADUÇÃO: Luiz Heitor Guimarães
Obrigado ao amigo Saulo por disponibilizar a versão em português para este blog.

Esta condenação foi em 2002, de forma "indireta" através de uma publicação do Dep. Missionário do Patriarcado. Com o cara sendo protegido pelo Putin, infelizmente, uma excomunhão explícita talvez ainda demore. Mas o patriarcado já disse: tem bico de pato, pena de pato, pé de pato, rabo de pato, nada que nem pato, anda que nem pato e grasna que nem pato.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Não Há Moral na Igreja Ortodoxa


por Reverendíssimo Arquimandrita Padre Vassilios Papavassiliou 
Tradução: Leitor Fabio L. Leite

No cristianismo ortodoxo,não há moral. Eu sei que isso choca muitas pessoas, mas o digo por um bom motivo: porque a moral não é realmente uma ideia teológica, mas filosófica. A moral é normalmente compreendida como um senso de certo e errado, e acho que em certa medida todos o possuem, a despeito de cultura, religião ou época em que vive. Eu não acho que alguém já tenha considerado que o egoísmo ou a covardia sejam coisas boas. As pessoas não acham que seja bom ser horrível com quem foi bom com você, e é assim em qualquer religião que você creia, qualquer época em que viva, qualquer cultura de que participe. Existe um senso comum de certo e errado.

Mas há variações. Alguns diriam que é aceitável se vingar, e outros que não devemos fazê-lo de modo algum. Alguns diriam que um homem deve ter apenas uma esposa, outros diriam que ele pode ter várias. Alguns diriam que a gente deve ser bom com quem é bom conosco, outros diriam que devemos ser bons até com que não é bom conosco.

Então, se formos utilizar o termo “moral cristã”, poderíamos dizer que é simplesmente o princípio que governa o senso de certo e errado. Ele nos diz para não nos vingarmos, para sermos bons com os que nos odeiam, para amarmos nossos inimigos, para termos apenas uma esposa , e assim por diante. Mas isso ainda é apenas nada mais do que leis morais, as quais nadas nos dizem sobre porque essas coisas são certas ou erradas, e nem nos diz porque fazer as coisas certas é tão difícil, enquanto fazer as coisas erradas parecem tão fáceis. E isso porque nem chegamos ao cerne da questão, na essência do cristianismo, o qual é teologia, e não um conjunto de leis ou regras de conduta moral. 

Cristo não veio para iniciar uma nova religião, nem simplesmente para nos ensinar princípios pelos quais viver. Ele não era nem um filósofo, nem um professor de moral. Ele veio para nos dar a verdadeira vida, Sua Vida. E enquanto não entendermos que o cristianismo é sobre a verdadeira vida e não sobre moral, é sobre teologia e não filosofia, nunca entenderemos as noções de pecado e santidade, porque o cristianismo está enraizado não em um senso de certo e errado, que é compartilhado com pessoas de outras fés (e mesmo sem fé), mas no conhecimento de Deus e nosso relacionamento com Ele.

O erro de entendimento sobre o cristianismo fica bem claro quando as pessoas dizem coisas como: “Por que eu preciso de religião, ou por que eu preciso ir na igreja para ser uma pessoa boa?” E isso sempre me lembra a passagem na qual o jovem rico vai até Cristo e pergunta, “Bom mestre, o que devo fazer para ter a vida eterna?” E Cristo responde, “Por que Me chamais de ‘bom’? Só Deus é bom”. Esse é o princípio daquilo que muitos chamariam de moral cristã. 

Nós medimos a bondade não por algum padrão de comportamento social, ou por algum tipo de lei ou princípio ético, mas por Deus, que é o único bom. Não precisamos de religião ou de igreja para sermos o que muitos chamam de “bom”, quer dizer, alguém que mantém as regras sociais, que não mata nem rouba. Mas Cristo não está nos pedindo para simplesmente cumprirmos essas leis. Ele diz, “Sede perfeitos, como vosso Pai no céu é perfeito. Sede santos, pois Eu sou santo”.

A perfeição implica em sermos inteiro, e é notável que Cristo nos pede isso, que sejamos perfeitos, no contexto do seu sermão do monte, quando Ele nos dá os mandamentos: “Ame os seus inimigos. Abençoe os que te amaldiçoam. Faça o bem aos que te odeiam. Se alguém tomar teu manto, dá-lhe também teu casaco. Se alguém te forçar a caminhar um quilômetro, acompanhe-o por dois. Se alguém te bater em uma face, dê-lhe a outra.” E Cristo nos dá o motivo pelo qual devemos fazer isso: “Pois Deus faz o sol brilhar sobre o justo e o injusto, e é gentil tanto com os bons quanto com os maus.” Isso não é moralidade, e continuo a repetir para as pessoas que se formos encontrar algum tipo de ética, de regra moral, no Cristianismo, nas Escrituras, seria nos Dez Mandamentos, que são uma lista de “não faça isso, não faça aquilo”, com alguns mandamentos afirmativos, claro. E muitas pessoas diriam, “Eu sou uma pessoa boa porque eu não mato, não roubo”. Ninguém lista um monte de mandamentos.

Mas quando você lê o sermão de Cristo no monte, quando você lê o Evangelho de Mateus, e escutamos que tudo que importa é o coração humano, que devemos amar quem nos odeia, abençoar e orar por quem nos persegue, dar a outra face, e também quando Jesus nos diz que é possível que estejamos fazendo o que parecem ser boas ações, mas pelos motivos errados, “Não reze ou dê esmolas para ser admirado pelos outros, ou não terás recompensa nos céus”, então isso nos leva muito além da moral. Isso não tem nada a ver com moral. É sobre o coração. É sobre nossa relação com Deus, que ocorre principalmente através de nossa relação com os outros.

Já que a moral cristão está enraizada no nosso relacionamento com Deus, a espiritualidade cristã utiliza uma linguagem diferente da utilizada pela sociedade quando falamos de certo e errado. O secularista tende a falar de valores ao invés de virtudes, de vícios ou crimes ao invés de paixões ou pecados. E a palavra “pecado” parece ser quase um palavrão hoje em dia, embora seja tão comum nas Escrituras e nos escritos da Igreja. Apesar disso muitos a desprezam e abandonam como um anacronismo. Ainda assim, é importante que preservemos nossa linguagem porque não estamos falando simplesmente de crimes, mas do homem interior.

Claro, também é notável que a palavra grega para “pecado”, “amartiya” significa “errar o alvo”. Não é simplesmente uma transgressão, uma quebra de regras, mas um fracasso em alcançar um ideal cristão: “Sede perfeitos como vosso Pai no céu é perfeito.”

Agora, por que achamos tão difícil fazer o que é certo ou termos motivos puros? S. Paulo resume o problema muito bem em sua epístola aos Romanos. Ele diz:
“Sabemos que a Lei é espiritual, mas eu sou da carne, vendido como escravo ao pecado. Não entendo o que faço, pois tenho o desejo de fazer o que é bom, mas não consigo realiza-lo. O que faço não é o bem que desejo. Ao invés, o mal que não desejo, este eu continuo a fazer. E se faço o que não quero fazer, não sou mais eu quem o faz, mas o pecado vivendo em mim que o faz. Então, eu encontro esta lei em funcionamento: quando desejo fazer o bem, o mal está bem ali comigo. Pois em meu ser interior, alegro-me com a lei de Deus, mas vejo outra lei funcionando nos membros do meu corpo, fazendo guerra contra a lei de minha mente e fazendo-me prisioneiro da lei do pecado que atua em meus membros.”

Então, em outras palavras, temos este conflito entre o que sabemos ser correto e nossa natureza caída e nossos instintos. Por exemplo, se eu escutasse uma pessoa gritando por socorro, eu provavelmente sentiria duas coisas conflitantes: por um lado, um desejo de ajudar a pessoa, porque sabemos que isso é o certo e porque somos fundamentalmente bons e temos um impulso de querer ajudar as outras pessoas quando precisam. Mas também temos um instinto de auto-preservação, de cuidar de nós mesmos ao invés de ajudar outra pessoa. Então o que temos aqui é um conflito entre o que sabemos ser correto e nossos instintos.

Nossa vida espiritual, nossa vida ascética, servem exatamente para aprendermos a superarmos essas paixões e instintos que na prática costumam interferir com o que sabemos ser correto. É muito belo dizer, “amo a humanidade”, mas se firo as pessoas quando estou de mau-humor, e digo algo que realmente magoa, a despeito de quais sejam minhas intenções, então eu realmente não superei minha raiva e vou continuar machucando as pessoas concretas. De forma similar, seu não superar minha ganância, outros irão ficar sem, pois eu tenho mais do que preciso. Porque eu não controlo essas paixões, eu não consigo amar plenamente. Nossa batalha com o pecado é na prática uma aventura em busca do amor divino, de adquirir aquele amor perfeito, “sede perfeitos como vosso Pai no céu é perfeito”.

Existem duas coisas em particular sobre as quais quero falar hoje. Quero falar sobre a relação a pecado e a santidade, uma paixão ou pecado e uma virtude. A paixão sobre a qual quero falar hoje tem sido descrita pelos autores e pensadores cristãos ao longo dos séculos como o pior pecado de todos, e é o pecado do orgulho. E isso pode surpreender a vários. Por que é o pior pecado do mundo. Certamente o assassinato deveria ser pior, até a raiva e o ódio deveriam ser piores. Mas temos que entender que essa paixão é, na verdade, a raiz de muitos outros pecados, mesmo quando não vemos a relação.

O orgulho foi descrito por C.S. Lewis como o “estado mental completamente anti-Deus”, o que é uma afirmação interessante, mas acho que não é inteiramente precisa. De acordo com a tradição cristã, o orgulho foi de fato o pecado do demônio. Então, em um certo sentido, é o mais demoníaco dos pecados. Para um não-cristão, ou para pelo menos um ateu, pode parecer inofensivo, e ele pode achar que chamar isso de um grande pecado é um exagero. Porém, mesmo entre os anti-religiosos, não há pecado que perturbe as pessoas mais do que o orgulho. O tempo todo escuto as pessoas reclamarem que fulano é “tão cheio de si”, que certa pessoa é “tão metida”, que uma terceira “acha que é melhor do que os outros”, e assim por diante. As mesmas pessoas que dizem “Não importa o que você faz e acredita, desde que não machuque ninguém”, não aguentam o pecado do orgulho quando é visto nos outros. Se este orgulho e presunção não estão machucando ninguém, é difícil entender, desde o ponto de vista citado, qual seria o problema. Acho que bem no fundo, todos realmente entendem que existe um diferença entre pecado e virtude. 

Mas claro, odiamos o pecado quando o vemos nos outros, mas normalmente não o vemos em nós mesmos, porque essa é a natureza do orgulho. É amor-próprio. Fico chateado que *outra* pessoa seja o centro das atenções, porque *eu* queria ser o centro das atenções. Fico chateado que alguém seja bem-sucedido, porque eu acho que eu mereço mais que aquela pessoa. O orgulho é essencialmente competitivo. Está sempre te fazendo sentir-se melhor que os outros, ou que merece mais que os outros. Quando reconhecemos este pecado em nós mesmos, ou quando o apontam em nós, deixamos passar, na melhor das hipóteses, tentamos nos justificar, mas assim que o vemos nos outros, não temos nenhuma piedade.

O orgulho, portanto, contradiz o segundo grande mandamento, “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo”, porque se realmente amássemos nossos próximos como a nós mesmos, então ninguém ficaria chateado pelo outro ser mais bem sucedido ou mais feliz, ou estar mais bem de vida do que nós, porque nós os amaríamos como a nós mesmos. Além disso, em sua forma mais pura, o orgulho também se opõe ao primeiro grande mandamento, “Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com toda a tua força e com toda a tua mente”, porque, como disse C.S. Lewis, “ o orgulhoso está sempre as coisas e as pessoas de cima para baixo, e quando você olha para baixo, você não consegue ver nada acima de si.” Em outras palavras, uma pessoa orgulhosa não consegue erguer os olhos para Deus. Na sua forma mais pura, é uma forma de negar a Deus, e, de fato, é o porquê este ser o pecado do demônio: ele queria ser maior do que Deus. Ele é, de fato, o estado de mente anti-Deus.

E a virtude oposta do orgulho é a humildade. E se o orgulho é o estado mental anti-Deus, se o orgulho é o pecado mais demoníaco, o pecado que nos faz mais semelhantes ao demônio, então a humildade é a virtude que mais nos torna semelhantes a Deus. Se o orgulho é o pecado que nos cega para a verdade, que torna impossível vermos as coisas como realmente são, ver nossas faltas, então a humildade é a virtude que vê a verdade, que vê as coisas como elas realmente são. Não deveria nos surpreender que ser humilde é ser como Deus, porque Deus é Ele mesmo humilde, e acho que talvez essa seja uma ideia que as pessoas não consigam entender, mas se você realmente olhar em volta para qualquer coisa que seja realmente bela, e maravilhosa, e nobre, e boa, ela também será, por natureza, humilde. Uma criança, rindo e brincando, é verdadeiramente humilde, belamente humilde. Um cisne no lago é realmente humilde e ainda assim, verdadeiramente belo. E não existe nada de pose sobre esses tipos de beleza.

O próprio Deus é humilde. Deus disse, “Aprendem comigo, pois sou meigo e humilde de coração.” Ele entrou no mundo como um bebê. Ele veio até nós como um homem humilde. Então humildade é realmente a virtude de Deus, porque o que é verdadeiramente bom e puro e belo não tem necessidade de se afirmar, não tem necessidade de provar algo a si mesmo. É o que é por natureza, e não precisa ser comparado a outra coisa para ser o que é. Da mesma forma, Deus não é Deus porque comparado a nós Ele é maior do que nós; Ele é Deus porque é naturalmente Deus.

Então Deus é humilde por natureza, e essa é também a virtude que torna o amor possível. Se o orgulho é o amor de si, a humildade é o que permite negar a nós mesmos pelo nosso próximo. É por isso que essa paixão e essa virtude são tão fundamentais na espiritualidade cristã. O orgulho é o que nos torna semelhantes ao demônio; a humildade é o que nos torna semelhantes a Deus. Nossa batalha com as paixões trata de dominarmos, superarmos o orgulho, e adquirir a humildade. Apenas quando fizermos isso, poderemos progredir em nossa vida espiritual. Apenas quando aprendermos a superarmos nossa raiva, nossa inveja, nossa preguiça, nossa fofoca, nossa calúnia dos outros, e apenas quando realmente aprendermos a amar nosso próximo como a nós mesmos. Apenas então, eu poderei ser perfeito como meu Pai no céu é perfeito. Apenas então serei santo como Deus é santo.

http://www.ancientfaith.com/podcasts/lifeoffaith/sin_and_morality_1#transcript

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Pecado Original ou Ancestral? Uma Breve Comparação




A desobediência primeira do homem, o Fruto
Daquela Árvore Proibida, cujo sabor letal
Trouxe a Morte ao Mundo, e toda nossa miséria
Com a perda do Éden, até um Homem maior
Nos restaurar, e uma vez mais recebermos o trono bendito,
Canta Ó, empírea Musa!
John Milton, Paraíso Perdido, Livro I

Embora Milton tenha escrito de forma mais eloquente do que eu, a música da humanidade é criação, queda e redenção - uma bela sinfonia repleta de ricas polifonias, repentinas modulações e dissonâncias dramáticas. Em algum ponto, uma melodia trágica embrenhou-se na partitura, mas no fim é sobrepujada e a música conclui com fanfarra triunfante. Embora a maioria dos cristãos concorde com esta imagem musical, grupos diferentes escreveriam o prelúdio de forma diferente. De onde exatamente a melodia trágica veio, quem a escreveu na partitura, e como ela afeta o resto da música? A resposta a estas perguntas influencia os atributos das partes individuais, assim como a direção de toda a narrativa musical.

Esta é nossa narrativa de trabalho como alicerce do Cristianismo: Adão e Eva foram criados em comunhão com Deus, perderam esta comunhão, e o resto da humanidade os seguiu. Desta narrativa emergem duas visões divergentes sobre o ser humano, duas antropologias. Embora todos os cristãos usem o termo "pecado original" para se referir ao estado da humanidade depois da Queda (Rom. 5:12-21; Cor. 15:22), muitos Cristãos Ortodoxos preferem o termo "pecado ancestral". Assim, por conveniência, utilizarei o termo pecado original para referir-me exclusivamente às articulações deste conceito feitas por Roma, Calvinistas e Luteranos, que ensinam que a humanidade herdou tanto os efeitos quanto a culpa do pecado de Adão. Em contraste, utilizarei o termo pecado ancestral, para denotar o ensino Cristão Ortodoxo de que a humanidade herdou apenas as consequências do pecado de Adão, e não sua culpa. Uma visão é ontológica, a outra é existencial.

A Igreja Católica Romana foi a primeira a articular a doutrina do pecado original como um estado de culpa herdada - por questão de brevidade, irei dar como inclusas as doutrinas protestantes sobre a Queda na minha discussão do pecado original. Primeiramente inspirados pela teologia reacionária de St. Agostinho de Hipona e solidificada mais tarde por concílios e teólogos, os católicos romanos trilharam um caminho marcadamente diferente dos católicos ortodoxos. Em 1546, o Concílio de Trento emitiu a primeira grande afirmação dogmática sobre o pecado original:

"Se qualquer um afirmar que a prevaricação de Adão feriu somente a ele, e não sua posteridade; e que a santidade e justiça, recebidas de Deus, as quais ele perdeu, apenas ele as teria perdido e nós não; e que ele, tendo sido conspurcado pelo pecado da desobediência transmitiu-nos apenas a morte, e as dores do corpo, mas não também o pecado, o qual é a morte da alma; seja quem tudo isto afirma anátema, pois contradiz o Apóstolo que diz; 'por um homem o pecado entrou no mundo, e pelo pecado a morte, e assim a morte passou a todos os homens, e no qual todos pecaram'." (Sessão V)

Quase quatro séculos mais tarde, o catecismo de Baltimore continua a definir o pecado como aquilo que "vem sobre nós desde nossos primeiros pais, e somos trazidos ao mundo com esta culpa em nossa alma" (P. 266). Com a publicação do Catecismo da Igreja Católica, a doutrina do pecado original ainda está presente, embora melhorada pela nova linguagem da perda da "santidade original", "natureza humana ferida pelo primeiro pecado" , "enfraqueceu-se" pela ignorância, sofrimento e morte e "inclinou-se ao pecado(416) - nada a que um teólogo católico ortodoxo objetasse fortemente. A ênfase mudou de uma rígida transferência de culpa para uma gentil perda de santidade e consequentemente  é uma evolução na doutrina. Embora a doutrina católico-romana do pecado original pareça ter sido rearticulada ao longo dos últimos cem anos e muitos fiéis não mais acreditam no ensino de que bebês nascem culpados pelo pecado, é claro na história da teologia do catolicismo romano que o pecado original inclui a imputação da culpa de Adão por sobre toda a humanidade.

Existem consequências notáveis da doutrina do pecado original. Se ela fosse verdade, implicaria que a natureza humana é má - não apenas relativamente, mas positivamente má. Não apenas carregaríamos a culpa de nossos primeiros pais em nossa alma, mas herdamos também uma ontologia degenerada e, portanto, uma inabilidade de fazer algo bom. A culpa de Adão teria transformado a própria natureza humana em algo sujo, posicionado a natureza em oposição à Graça. Se a natureza humana fosse inerentemente depravada, qual o impacto disto na Encarnação de Cristo? Como poderia Deus ter se envolto na carne humana? Teria Cristo herdado a culpa de Adão e sua natureza degenerada? Claramente não, e é assim que teologia ruim gera teologia ruim.

Teologia Heterodoxa #1: A doutrina da imaculada conceição propagada pelo catolicismo romano convenientemente evita o problema de Deus assumir uma natureza humana degenerada alegando que a natureza da Mãe de Deus estava livre da mancha do pecado original transmitida através da semente corrupta de um pai terreno. Isto seria uma consequência lógica da doutrina do pecado original. A Igreja Católica Ortodoxa crê que Maria é Cheia de Graça desde o nascimento, mas não no sentido de que precisava ser "consertada" antes da Anunciação para explicar nossa Cristologia, porque a Igreja nunca pregou a doutrina do pecado original desde seu início.

Teologia Heterodoxa #2: A doutrina da expiação por substituição penal provém das mesmas categorias judiciárias criadas pela doutrina do pecado original na teologia ocidental. O pecado original pertence a um paradigma legal no qual a ira de Deus contra a humanidade, pela culpa do pecado de Adão que está em nós, tem que ser aplacada para que sejamos salvos do fogo eterno. O amor e justiça de Deus, porém, não podem ser separados um do outro porque nossa relação com Deus é baseada na liberdade, não na necessidade. Embora a expiação de Cristo certamente é um conceito ortodoxo, a salvação não ocorre apenas através do ato de perdão de Deus ou de um plano de justiça legalista. A salvação só ocorre através de uma destruição gradual do demônio e de nossas paixões, "trabalhando vossa salvação com tremor e temor" (Fil. 2:12).

Teologia Heterodoxa #3: A doutrina do limbo também contorna o problema do pecado original na teologia católico-romana. Um conceito um tanto sutil, "a perda da justiça original" ainda resultaria na separação de Deus e em merecermos uma punição. Assim, mesmo que tecnicamente não recebam a culpa original de Adão, os bebês não-batizados que morrem seriam relegados a uma eternidade no limbo, o que funcionalmente implica no entendimento tradicional católico-romano de pecado original. Como vemos, são tantos contornos que esta doutrina morre soterrada por tantos casos de exceção. O que diferencia o golfo entre o céu e o inferno para cada pessoa, porém, é acumulação individual, e não herdada, de perda de justificação. De toda forma, quanto mais decidimos especular sobre detalhes intricados da salvação e da perdição, mais doutrinas temos que usar para apoiar nossas teorias. E a graça de Deus não pode ser medida por balanças.

A imagem que o catolicismo ortodoxo tem da humanidade caída é bem menos sombria do que a do catolicismo romano. Embora a Igreja Ortodoxa ensine que a humanidade está ferida pelo pecado, nossa degeneração não é total, consumada ou inerente à natureza humana - nós retemos nossa razão e livre-arbítrio (Imago Dei). As consequências pessoais do desvio moral são a morte espiritual e a morte física, mas as consequências para a humanidade são a morte física, a doença e o trabalho dificultoso. A morte é consequência da quebra de comunhão com Deus, não um julgamento, porque as coisas criadas não conseguem existir sem esta comunhão. Como Adão e Eva estão ligados à Humanidade, e a Humanidade está ligada à Natureza, todo o mundo natural está sujeito a mesma morte e degeneração. Herdamos um Cosmos no qual a doença e a morte reinam. Como disse o Metropolita Kallistos Ware, "mesmo não tendo herdado a culpa dos outros, estamos de alguma forma sempre envolvidos no problema".

A Queda de Adão e Eva também criou a inclinação da humanidade para nos distanciarmos de Deus. Embora Adão e Eva não possuíssem uma santidade madura, eles possuíam inocência, a qual foi perdida depois da Queda. Os teólogos da Igreja falam da corrupção da natureza humana que resulta da perda da Graça de Deus que habitava dentro de nós - e nós humanos pecamos porque estamos voluntariamente subjugados pelo poder da morte e suas consequências, ao invés da Graça protetora de Deus.

De acordo com S. Máximos, o Confessor, o problema é que nossa vontade natural tornou-se uma vontade gnômica, significando que agora podemos balançar entre duas escolhas. A vontade gnômica é capacidade de escolher que tipo de coisa vamos querer, inclusive podendo escolher o pecado contra nossa própria natureza. Depois de colhermos a culpa em nossas almas, a natureza da pessoa não está tão deformada que não possa ser reconhecida. A corrupção da natureza humana pelo pecado é uma doença. Uma mulher com câncer está doente, mas ela mesma não se torna fundamentalmente ruim. Um menino com pernas paralisadas não pode andar, mas não é menos humanos por isso do que alguém com pernas funcionais. Da mesma forma, o pecado não é uma mácula na natureza humana, mas corrupção que acontece dentro do indivíduo.

Desenvolvendo a partir da teologia ortodoxa clássica, o Patriarca Meléssios Pegas (1549-1601), explica desta forma: embora as "energias" da pessoa tenham sido degeneradas pelo pecado, a "essência" não foi. Assim como as distinções entre essência e energia são vitais para o entendimento ortodoxo de Deus, elas também podem ajudar a explicar a inclinação humana para o pecado sem a herança da culpa dos nossos primeiros pais. O pecado não é o que somos, é o que fazemos.

Embora a Igreja Católica Ortodoxa rejeite  a articulação ocidental do pecado original, ainda assim precisamos "nascer de novo". Depois que uma pessoa peca, o golfo entre ela e Deus apenas cresce. Cada vez que ela colhe culpa de sua alma, a pessoa se afasta ainda mais de Deus, ferindo-se no processo. O batismo é o início de uma jornada de uma vida inteira no arrependimento na Igreja, e na qual morremos para a lei da morte para vivermos de acordo com a lei da vida; nossos pecados passados, presentes e futuros são lavados, não somos mais escravos dos efeitos do pecado, e somos reinstalados na Graça de Deus e no potencial para a imortalidade em Cristo. Embora os bebês não sejam eles mesmos culpados do pecado original, eles recebem todos os benefícios do batismo porque haviam herdado tanto a mortalidade quanto a vontade fraca. A cruz não é uma satisfação expiativa, ou um ato de substituição penal, mas ao invés, é Christus Victor - o Cristo Vitorioso que pisou a morte e o pecado com seu sacrifício voluntário e expiativo. Deus assumiu a carne de Suas criaturas e nos permitiu participar na natureza divina (2 Pe. 1:4), restaurando, assim, a  Criação para que ela se torne o que ela foi feita para ser.

A doutrina do pecado original como articulada pela Igreja Católica Romana e depois pelos protestantes não é simplesmente um caso de semântica, mas fruto de uma antropologia equivocada, resultante de erros e mal-entendidos teológicos. Esta doutrina tem vastas implicações para a antropologia - pecado, graça, livre-arbítrio, batismo e teósis. Como compreendemos os efeitos da Queda afeta diretamente nossa soteriologia. A posição ortodoxa sobre o pecado original, chamado por nós de pecado ancestral, é que a humanidade herdou apenas as consequências do pecado de Adão e Eva, e não a culpa deles. O batismo restaura a Graça de Deus nos humanos de forma que tenhamos a capacidade de superar o pecado e a morte, concluindo a longa canção da humanidade.

Alison Sailer Bennet é aluna de Terapia Musical e Filosofia na Temple University na Filadélfia. Ela e seu marido, Jamey, freqüentam a Igreja Ortodoxa Russa São Miguel Arcanjo e operam o site OrthodoxPhilly.com

Www.orthodoxyandheterodoxy.org

O Inferno Testemunha a Glória do Homem



O Inferno Testemunha a Glória do Homem 


Leitor Fabio L. Leite 


Quando alguém critica a ideia de inferno, costuma alegar isto: que penas eternas e sofrimento sem fim são rigorosamente desproporcionais a qualquer erro que qualquer ser humano pudesse cometer. Que Deus age como um raivoso descontrolado batendo em criaturas que mal têm condições de entender o que fizeram e de que forma aquela sova eterna se relaciona com o que fizeram. Este raciocínio pode ser descrito assim: 



a) Justiça consiste na proporção entre a penalidade e  o crime e o criminoso; 

b) O inferno é infinitamente maior que qualquer crime e infinitamente maior que qualquer ser humano; 

c) Portanto o inferno é injusto. 




É a premissa (b) que creio estar errada. Não somos uma poeira ao vento sendo desproporcionalmente punidos. O ser humano é uma criatura cósmica. Mais do que cósmica, é uma criatura que é imagem e semelhança da própria fonte de existência do cosmos. Se você joga um cachorro em uma fornalha por ele ter roído seu chinelo, você é cruel e injusto. Se uma estrela implode ou se duas estrelas se chocam, o inferno de calor, luz e até distorções do espaço que se seguem são tanto naturais quanto proporcionais. Quando um ser humano peca contra si mesmo ou contra outros seres humanos, ele não é como um cachorro, pequeno e ignorante, fazendo xixi na Mona Lisa, e então perseguido por um supervisor cruel. Ele é como essas estrelas. Somos tão enormes quanto a perenidade e nossos crimes contra nós mesmos e o próximo são do tamanho da imortalidade. 



São Nicodemos do Monte Atos diz: 




"Deus criou primeiro o mundo dos anjos, depois o mundo visível. Depois de tudo, ele criou o homem, com uma alma invisível e um corpo visível. Criou-o como o universo, não um pequeno cosmo dentro de um grande cosmo, como disse Demócrito e outros filósofos opinaram, chamando o ente, o homem, de um microcosmo, limitando-o à perfeição do mundo visível. Não! Deus fez o homem, grande cosmo pela multidão de forças que contém, especialmente a razão intuitiva e discursiva, e a vontade, às quais o mundo que é perseguido pelos sentidos não possui." 




São Nektários de Egina escreveu: 



"Grande é o homem espiritual, o homem interior, o espírito ou alma que foi criado à imagem de nosso Deus criador. Ele, que não pode ser contido pelo universo, habita microscopicamente no coração do homem. Isso soa estranho, porém é verdade. O modo é místico, mas sua revelação é manifesta pelos efeitos. Deus é infinito e o universo está na palma de suas mãos. O homem é um grão de poeira e, ainda assim, ergue-se acima do cosmos, acima dos céus, e vê com seus olhos mentais a grandeza da criação. Examina e pesquisa o universo com seu poder racional. Descobre leis que governam o universo. Mede as mais vastas distâncias e dimensões dos corpos celestiais. Conhece sua densidade, solidez e quantidade de substâncias que compõem seus corpos no geral, a natureza e as forças repulsivas e atrativas dos enormes gigantes do firmamento celestial. Iluminado pela criação divina, seu intelecto busca o criador do universo. Estuda o caráter do criador divino e faz asserções sobre seus atributos. "




São Justino Popovich escreveu o seguinte: 



Os homens condenaram Deus à morte; com Sua Ressurreição Ele os condenou à imortalidade. Em troca dos golpes que recebeu, Ele nos abraçou; pelos insultos, nos deu bençãos; pela morte, imortalidade. Nunca o homem mostrou mais ódio a Deus do que quando O crucificaram; e Deus nunca mostrou mais amor à humanidade do que quando ressuscitou.  A Humanidade queria Deus morto, mas Deus, com sua Ressurreição, queria a Humanidade viva, o Deus crucificado ressurrecto no terceiro dia, depois de ter destruído a morte. Não há mais morte. A imortalidade cerca o homem e todo o mundo. 




Em toda sua terrível grandiosidade e infinitude, as penas eternas são um efeito proporcional e natural à auto-destruição de um ser magnificamente maior que todo o universo, um ser que em si pode conter todo o cosmos e a imagem do próprio Criador. O inferno é a implosão voluntária do homem.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Arrependimento


Arrependimento
Peça por arrependimento em tuas orações

Nossa luta espiritual deve ter como tema central, o arrependimento. Apenas no arrependimento encontraremos o verdadeiro significado da vida, pois apenas no arrependimento entramos em comunhão com Deus. Esta vida nos foi dada com um único propósito, que sejamos deificados e unidos com Deus. Esse é o propósito de Deus desde o início, mas nossa alma "quebrada" nos mantém separados de Deus.

É por causa de nossa alma quebrada que não conseguimos ver claramente,pois o Olho da Alma (o Nous) está nublado e obscurecido. Apenas com o arrependimento nosso nous é iluminado, e esta união com Deus se torna possível.
Abade Tryphon

"Peça por arrependimento em tua oração e nada mais, nem por luzes divinas, nem milagres, nem profecias, nem dons espirituais, nada além de arrependimento". Ancião Paisios do Monte Athos





segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

A Voz da Igreja deve ser profética



Fonte:  World Council of Churches

Pronunciamento do Metropolita Hilarion de Volokolamsk

Presidente do Departamento para Relações Exteriores do Patriarcado de Moscou
Na 10ª. Assembleia do Conselho Mundial de Igrejas
Busan, República da Coréa, 1 de novembro de 2013

Vossas Santidades e Beatitudes, Vossas Eminências e Graças, caros irmãos e irmãs, estimados delegados da Assembleia,

O Conselho Mundial de Igrejas tem uma longa e rica história. Criado depois da II Guerra Mundial, o Conselho respondeu às expectativas dos cristãos de várias confissões que lutaram para se encontrar, para se conhecerem e trabalharem juntos. Ao longo de sessenta e cinco anos desde a fundação do Conselho, muitas gerações de cristãos, pertencentes a comunidades religiosas que estiveram separadas umas das outras, descobriram por si mesmos a fé e a vida de seus irmãos e irmãs em Cristo. Muitos preconceitos a respeito das demais tradições cristãs foram superados, e igualmente, aquilo que separa os cristãos no presente foi reconhecido cada vez com maior clareza e profundidade.  A grande realização do Conselho tem sido estes encontros, esta comunicação cristã bem-intencionada e mútua, a qual nunca deu espaço a contemporizações no campo da teologia e da moralidade, e que nos tem permitido continuarmos sinceros conosco mesmo, e darmos o testemunho de nossa fé, enquanto ao mesmo tempo crescemos no amor um pelo outro.

O Conselho Mundial das Igrejas continua hoje um instrumento único de cooperação inter-cristã que não tem análogo no mundo. Entretanto, surge a questão do quão efetivo este instrumento é. Temos que ressaltar, lamentando, que a despeito de todos os esforços em aproximar os cristãos de várias confissões, não só as antigas divisões dentro da Cristandade não desaparecem, como novas têm surgido. Muitas comunidades cristãs continuam a se dividir, enquanto o número das que se unem continua extremamente pequeno.

Um dos problemas que o Conselho tem encontrado é o de finanças. Diz-se que está ligado à crise econômica. Não posso concordar com tal opinião. A experiência de outras organizações internacionais, cujo trabalho é de benefício geral e portanto necessárias, tem demonstrado que o financiamento pode ser encontrado para fins nobres. Isto significa que o problema não está na crise econômica, mas em quão relevante e importante é o trabalho do Conselho para a comunidade internacional de hoje, a qual é significativamente composta, e por vezes, de uma maioria de cristãos.

A criação do Conselho foi determinada pelo esforço para encontrarmos respostas aos desafios do período pós-guerra. Ainda assim, em anos recentes,  o mundo rapidamente mudou, e os cristãos de hoje encaram novos problemas. A futura necessidade de nossa organização depende precisamente de como iremos responder com sucesso a tais desafios.  A situação contemporânea exige de nós mais ações decisivas, maior coesão e mais dinamismo. E também exige uma re-orientação da direção básica de nosso trabalho, uma mudança de prioridades em nossas discussões e feitos. Enquanto continuarmos a discutir nossas diferenças na confortável atmosfera de conferências e diálogos teológicos, o problema ressoará cada vez mais alto: a civilização cristã chegará a sobreviver?

Em meu pronunciamento, eu gostaria de focar em dois desafios fundamentais que o mundo cristão de hoje encara em diferentes graus. O primeiro é o do secularismo militante que reúne forças nos assim chamados países desenvolvidos, primariamente na Europa e na América. O segundo é o do Islamismo radical que representa uma ameaça à própria existência da Cristandade em inúmeras regiões do globo, principalmente no Oriente Médio, mas também em algumas partes da África e da Ásia.

O secularismo militante na Europa tem uma longa história que retroage ao período da Revolução Francesa. Mas é apenas no século 20 que, nos países do assim chamado Bloco Socialista, o ateísmo foi elevado ao nível de uma ideologia de estado. No concernente aos assim chamados países capitalistas, eles preservaram um grau significativo das tradições cristãs que formaram sua identidade moral e cultural.

Hoje parece que estes dois mundos trocaram de papéis. Nos países da antiga União Soviética, em particular na Rússia, Ucrânia, Bielorrússia e Moldávia, um reavivamento religioso sem precedentes está ocorrendo. Na Igreja Ortodoxa russa, ao longo dos últimos vinte e cinco anos, foram construídas ou restauradas de ruínas mais do que 25 mil igrejas. Isto significa que cerca de mil igrejas por ano foram abertas, três por dia. Mais do que 50 institutos teológicos e 800 mosteiros, cada um cheio de monges e freiras, foram reabertos.

Nos países da Europa ocidental, podemos observar o constante declínio do número de fiéis, uma crise nas vocações, e mosteiros e igrejas sendo fechados. A retórica anti-cristã de muitos políticos e homens de estado é cada vez mais explícita, na medida em que conclamam cada vez mais pela expulsão total da religião da vida pública e pela rejeição das normas morais básicas comuns a todas às tradições religiosas.

A batalha entre as cosmovisões religiosa e secular não acontece hoje em auditórios acadêmicos ou nas páginas de jornais, seu objeto longe de se limitar à questão da crença ou descrença em Deus. Hoje, tal confronto alcançou uma nova dimensão, e toca em aspectos fundamentais da vida cotidiana de toda pessoa humana.

O secularismo militante tem por alvo não apenas os santos locais e símbolos religiosos, mesmo quando exige que estes últimos sejam removidos do domínio público. Uma das principais direções de sua atividade hoje é a objetiva destruição das noções tradicionais de casamento e família. Isto é testemunhado pelo novo fenômeno de igualar as uniões homossexuais com o casamento e permitir que pares do mesmo sexo adotem crianças.  Do ponto de vista do ensino bíblico e dos valores morais cristãos tradicionais, isto dá testemunho de uma profunda crise espiritual. O entendimento religioso do pecado foi conclusivamente erodido em sociedades  que até recentemente se entendiam como cristãs.

Particularmente alarmante é o fato de que estamos lidando desta vez não apenas com uma escolha de ética ou cosmovisão. Sob o pretexto de combater a discriminação, vários países introduziram mudanças em suas leis de família. Nos últimos anos, a coabitação homossexual foi legalizada em vários estados dos EUA, diversos países latino-americanos e na Nova Zelândia. Neste ano, as uniões homossexuais alcançaram status legal de “casamento” na Inglaterra, no País de Gales e na França.

Temos que afirmar claramente que estes países que reconheceram na lei que uniões homossexuais seriam um das formas de casamento estão dando um passo sério na direção da destruição do próprio conceito de casamento e da família. E isto está acontecendo em uma situação na qual em muitos países historicamente cristãos existe uma séria crise da família tradicional: o número de divórcios está crescendo, as taxas de natalidade estão diminuindo catastroficamente, a cultura de uma educação familiar está degradada, para não mencionar a predominância de relações sexuais fora do casamento, o aumento do número de abortos e o aumento de crianças criadas sem os pais, mesmo quando estes pais estão vivos.

Ao invés de encorajar por todos os meios possíveis os valores da família tradicional e apoiar o nascimento de crianças, não apenas materialmente, mas também espiritualmente, a justificação da legitimidade das “famílias de pais homossexuais” que educam crianças tem se tornado o centro da atenção pública. Como resultado, papéis sociais tradicionais foram erodidos e invertidos. A noção de pais, isto é, um pai e uma mãe, do que é masculino e feminino, está radicalmente alterada. A mãe feminina está perdendo seu papel consagrado pelas eras como guardiã do lar, enquanto o pai masculino está perdendo seu papel como educador de seus filhos para ser socialmente responsável. A família, no seu sentido cristão, está sendo destruída para ser trocada por termos impessoais como “Filiação 01” e “Filiação 02”.

Tudo isto só pode ter as mais desastrosas consequências para a criação dos filhos. As crianças que crescem em famílias com “dois pais” ou “duas mães” já terão entendimentos sobre valores éticos e sociais diferentes de seus contemporâneos de famílias tradicionais.
Uma das consequências diretas da reinterpretação radical do conceito de casamento é a séria crise demográfica que irá apenas crescer se tais abordagens ganharem mais adesão. Os políticos que empurram seus países do mundo civilizado para tal abismo demográfico estão, em essência, pronunciando uma sentença de morte para seus povos.

Qual deve ser a resposta das igrejas cristãs? Creio profundamente que esta resposta não pode ser nenhuma outra senão a que se baseia na Revelação Divina conforme nos foi dada pela Bíblia. As Escrituras são o fundamento comum que unem todas as confissões cristãs. Podemos ter diferenças significativas na interpretação as Escrituras, mas todos nós possuímos a mesma Bíblia e seu ensino moral é expresso sem ambiguidades. Claro, diferimos na interpretação de certos textos bíblicos quando estes permitem uma interpretação variante. Entretanto muito na Bíblia é dito sem ambiguidades, especificamente aquilo que procede da voz de Deus e mantém sua relevância por todas as eras subsequentes.  Entre estes pronunciamentos divinos existem vários mandamentos morais, incluindo os que tratam de ética da família.

Ao denunciar todas as formas de discriminação, a Igreja deve, ainda assim, sustentar os ideais bíblicos, opondo-se a ideias da moda e ao mundo secular. Algumas comunidades cristãs, entretanto, há muito embarcaram em uma revisão do ensino moral que busca torna-las mais atualizadas com as tendências modernas.

É comum se dizer que as diferenças entre problemas éticos e teológicos devem-se à divisão dos cristãos entre conservadores e progressistas. É impossível não concordar com isto quando vemos em várias comunidades cristãs uma imprudente liberalização ocorrendo na ética religiosa, normalmente sob influência de processos da sociedade secular. Ao mesmo tempo, o testemunho da Igreja Ortodoxa não deve se reduzir ao conservadorismo. A fé da Igreja antiga que nós Ortodoxos confessamos é impossível de definir segundo os critérios de conservadorismo e progressismo. Nós confessamos a verdade de Cristo, que é imutável, pois ‘Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e para sempre’ (Heb. 3:8)

Não estamos falando de conservadorismo, mas de fidelidade à revelação divina que está contida nas Escrituras. E se os assim chamados cristãos progressistas rejeitam o entendimento cristão tradicional das normas morais, isto significa então que temos um problema muito sério em nosso testemunho cristão comum. Poderemos dar este testemunho se estamos tão profundamente divididos em questões de ensino moral, que são tão importantes para a salvação quanto os dogmas?

A este respeito, eu gostaria de falar sobre a vocação profética da Igreja. Eu relembro as palavras do Pe. Alexander Schmemann que disse que um profeta está longe de ser alguém que prediz o futuro. Ao nos relembrar o sentido profunda da profecia, Schmemann escreveu: “A essência da profecia está no dom de proclamar ao povo a vontade de Deus, que está escondida da vista humana, mas é revelada à visão espiritual do profeta’ (Schmemann, The Celebration of Faith, Vol1: I Believe..., p.122).

É comum falarmos da voz profética das igrejas, mas por acaso nossa voz é assim tão diferente da voz e da retórica das mídia secular de massas e de organizações não-governamentais? Não é uma das tarefas mais importantes do Conselho discernir a voz de Deus no cenário histórico moderno e proclamá-la ao mundo? Esta mensagem, claro,  seria difícil de engolir para os poderosos do mundo. Entretanto, ao recusarmos proclamá-la, traímos nossa vocação e, no final das contas, traímos o Cristo.

No contexto de hoje, quando em muitos países e regiões do mundo o reavivamento da religião está ocorrendo e ao mesmo tempo o secularismo agressivo e o ateísmo ideológico levantam suas cabeças, o Conselho Mundial das Igrejas deve encontrar sua própria voz especial que seja compreensível para as sociedades modernas e que proclama as verdades permanentes da fé cristã. Hoje, como sempre, somos chamados a sermos mensageiros da Palavra de Deus, a Palavra que é “veloz, e poderosa, e mais afiada que qualquer espada de dois gumes (Heb. 4:12); a Palavra que não é atada (2 Tim 2:9). É somente então que podermos trazer novas almas a Cristo, a despeito da resistência dos “governantes das trevas deste mundo” (Ef. 6:12)

Deixem-me falar agora do segundo desafio global para todo o mundo cristão, o desafio do radicalismo baseado em religião, em particular, o radicalismo islâmico. Uso este termo com plena consciência de que islamismo não é islã, e em muitos sentidos é seu contrário. O islã é uma religião de paz, capaz de coexistir com outras tradições religiosas, como foi demonstrado, por exemplo, por séculos de experiência de coexistência pacífica entre cristãos e muçulmanos na Rússia. O islamismo radical, conhecido como Wahabismo ou Salafismo, é um movimento dentro do mundo islâmico que tem como objetivo o estabelecimento de um califado mundial no qual não há lugar para os cristãos.

Aqui não irei entrar nos motivos pelo aparecimento e rápido crescimento deste fenômeno. Direi apenas que nos anos recentes a perseguição de cristão tomou uma escala colossal. De acordo com informações de organizações de direitos humanos, a cada cinco minutos um cristão morre por causa de sua fé em alguma parte do mundo, e todo ano mais do que cem mil cristãos morrem de morte violenta. De acordo com os dados publicados, não menos que 100 milhões de cristãos ao redor do mundo estão agora sujeitos à discriminação e perseguição. A informação sobre opressão vem do Iraque, Síria, Egito, Sudão do Norte, Afeganistão, Paquistão e vários outros países. Nossos irmãos e irmãs estão sendo mortos, expulsos de seus lares e separados de seus familiares e entes queridos; lhes são negados o direito de praticar sua fé e educar suas crianças de acordo com suas crenças religiosas. Os cristãos são a comunidade religiosa mais perseguida no planeta.

Infelizmente, manifestações de discriminação da minoria cristã não podem mais serem tratadas como incidentes separados: em algumas regiões do mundo elas se tornaram uma tendência bem estabelecida. Como resultado dos contínuos conflitos na Síria, o número de assassinatos de cristãos aumentou, igrejas e lugares santos foram destruídos. Os coptas, os habitantes originais do Egito, tornaram-se hoje o alvo de ataques e turbas, e muitos se viram forçados a abandonar seu próprio país.

O radicalismo com base religiosa está crescendo não só em países com maioria muçulmana na população. É importante chamar a atenção para a situação na área da Ásia onde a assembleia de hoje ocorre. Nesta região, comunidades cristãs que existem há mais de trezentos anos, graças a esforços de missionários, cresceram e se desenvolveram. De acordo com os dados dos especialistas, ao longo dos últimos dez anos, o nível de discriminação de cristãos na área aumentou múltiplas vezes. Causa-nos grande ansiedade, a posição das comunidades cristãs da Indonésia, onde nos últimos dois anos o nível de agressão direcionada a cristãos aumentou consideravelmente. E temos informações de discriminação de cristãos vindo de outros países asiáticos também.

Hoje, estamos muito conscientes de que uma das tarefas mais importantes que temos é a defesa de nossos irmãos e irmãs em várias regiões do mundo. Esta tarefa exige uma força de vontade urgente para que possamos empregar todos os meios e alavancas possíveis -  diplomáticos, humanitários, econômicos  e assim por diante. É somente através de um esforço comum energético que poderemos ajudar nossos irmãos e irmãs sofredores em Cristo.

Existe muito a ser feito sobre isso pela Igreja Católica Romana. Existem organizações cristãs que monitoram esta situação e coletam ajuda caritativa para o sofrimento de Cristãos. Nossa Igreja também participa deste trabalho. Acredito que seria de grande benefício se houvessem conferências, trocas de informação e experiência entre organizações cristãs de direitos humanos que estejam tratando do problema.

Os direitos dos cristãos podem ser garantidos apenas se apoiarmos os diálogos entre as comunidades religiosas tanto no nível internacional quanto interestatal. Portanto, uma das direções do trabalho do Conselho Mundial das Igrejas é o diálogo inter-religioso. Acredito que devemos prestar mais atenção no desenvolvimento de uma interação profunda e com interesse com as religiões tradicionais, especialmente com o Islã.

O Conselho Mundial de Igrejas já está trabalhando  para chamar atenção para o problema da perseguição dos cristãos. Como exemplo, posso citar a consultação cristã-muçulmana sobre o tópico da presença e testemunho cristãos no mundo árabe, organizada pelo Conselho em janeiro de 2012 no Líbano, assim como a conferência ali ocorrida em maio deste ano sobre a perseguição de cristãos, na qual o Secretário-Geral do Conselho participou. Também gostaria de ressaltar o trabalho realizado pelo Conselho com o objetivo de reduzir o nível de tensão na Síria, de prevenir a escalação do conflito e de não permitir intervenção militar exterior.

Dirigindo-se aos que confessavam o cristianismo, disse S. Pedro: “Alegrai-vos, na medida em que sois coparticipantes nos sofrimentos de Cristo;  de modo que, quando Sua glória for revelada, também vós podereis alegrar-vos com abundante júbilo’ (1 Ped. 4:13).  Relembrando estas palavras, desejamos em oração que o Todo-Misericordioso Senhor conceda conforto e alegria aos afligidos e oprimidos para que eles, sentindo a ajuda e compaixão dos irmãos e irmãs que está longe geograficamente, mas próximos na fé, possam encontrar dentro de si a força, com a Graça de Deus, para irem mais distante na trilha da fé resoluta.

Concluindo meu pronunciamento, gostaria de agradecer do fundo do meu coração às comunidades cristãs da Coreia do Sul pela hospitalidade que nos demonstraram e pela excelente organização da Assembleia Geral. A Igreja Ortodoxa russa tem grande apreço pelo povo coreano, em sua luta pela unidade, e em oração e em atos apoia os processos pela superação das tensões nas relações entre os dois países da península coreana.
Para todos os presentes, participantes da Assembleia, eu rogo o auxílio de Deus para os trabalhos comuns e para os trabalhos que cada um de nós realiza em nossas igrejas e comunidades. Que nosso testemunho torne-se a palavra da verdade que o mundo tanto precisa hoje.

http://www.aoiusa.org/blog/met-hilarion-the-voice-of-the-church-must-be-prophetic/