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quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

A Vida do Justo São José, o Noivo, Primeiro Devoto de Maria






Os grandes santos anulam seu ego, sua identidade, sua imagem decaída para exaltar o Cristo.



É o que vemos em S. João Batista quando este diz: “É necessário que Ele (Jesus) cresça e eu diminua” (João 3:29,30) e também S. Paulo declarando seu processo de teosis/santificação, isto é, resgate da imagem e semelhança plena de Deus: “Não sou mais eu que vivo, mas é o Cristo que vive em mim” (GI 2,20).



São Paulo e São João Batista estabelecem, portanto, o plano completo de nossa salvação com estas suas palavras. S. João Batista nos mostra o meio da salvação (que a imagem do “eu” diminua para que Cristo tome a alma e resgate nela sua própria imagem) e S. Paulo nos mostra o efeito final e conclusão do processo; depois de diminuído a imagem decaída, esta morre e Jesus Cristo é que vive em nós e não nossas falsas concepções a respeito de nós mesmos e do mundo.



Esta breve introdução a respeito da humildade santa – que como visto é muito diferente da humildade “social” – é necessária para que compreendamos em sua total amplitude a figura do Venerando e Justo São José, o Noivo. De forma geral sabemos apenas que ele foi carpinteiro, que aceitou após um período de dúvidas ser o pai adotivo de Nosso Senhor Jesus Cristo e que em algum ponto entre os 12 e 30 anos de idade do seu filho ele deve ter falecido. Entretanto, esse santo que parece manter-se propositadamente à sombra de Maria e de Jesus Cristo guarda muitos ensinamentos para todos nós.

A Igreja Ortodoxa, sendo a Igreja criada por Jesus Cristo e transmitida pelos Apóstolos, preserva em seus registros escritos (dentre os quais, além das escrituras, o testemunho de historiadores cristãos primitivos que moravam ou iam nos locais santos buscar informações adicionais), culturais e pictóricos uma série de outras informações úteis a respeito dele e todas estas informações estão resumidas no título Justo São José, o Noivo.



O título de “Noivo” é dado pela relação que ele tinha com a Virgem Maria, que era expressão da relação que tinha com Deus. Para compreender a relação que ele tinha com a Virgem, devemos estudar quem era José pouco antes de conhece-la e onde ela estava quando foi entregue a ele.


Maria vivia de alguma forma dedicada ao Templo, provavelmente prestando serviços de tecelagem como outras jovens faziam. Tornando-se moça por volta dos 14 anos, pelos costumes da época, tinha que ser entregue em casamento para alguém.

Santíssima Virgem Maria,
modelo de vida consagrada


Dizem os primeiros historiadores da Igreja que Maria fizera um voto de permanecer virgem a vida toda, o que gerava um problema pois, tendo atingido a adolescência, tinha que ser desposada. Ao mesmo tempo, os sacerdotes do Templo se admiravam com a devoção sincera da mocinha e não queriam passar por cima do seu voto, o que seria inevitável se ela se casasse. Naquele tempo ainda não existia a instituição das freiras, que era a clara inclinação da jovem Maria.


A solução encontrada pela sua santa família foi precisamente entregá-la em noivado sem consumação do matrimônio a um viúvo idoso, igualmente religioso e que compreendesse a situação, que se comprometeria a cuidar dela pelo pouco que restasse de sua vida, de modo que ela pudesse ser fiel a seu voto e ao mesmo tempo atendesse às prerrogativas sociais de uma época sem mosteiros e que exigiam que ela se casasse.


Segundo os registros, José era um homem de idade extremamente avançada, ao contrário do jovem que filmes e certas imagens sugerem. De fato, a tradição de mostrar José como um idoso nas imagens era comum ao Ocidente e o Oriente até o século 17, quando na Espanha começam a aparecer imagens de um José mais jovem. Até ali, em toda a Cristandade, a Sagrada Família era a família de Nossa Senhora, constituída por Santa Ana, São Joaquim e sua santa filha, a Virgem Maria. Eles eram o exemplo de família devota e piedosa, cuja educação correta conduz os filhos à santidade. Já Santa Maria era vista à luz de sua condição especial de Virgindade Devota e Miraculosa Mãe, e São José como devotado a Maria e a Deus.



De toda forma, segundo a tradição da Igreja, José teria 80 anos ao ter conhecido Maria e teria falecido por volta dos 110 anos, ou seja, logo antes de Jesus iniciar seu ministério aos 30 anos. Essas idades são extraordinárias mas possíveis e ainda que sejam números imprecisos (seu valor simbólico sugerem que sejam), o fato estabelecido é que com certeza já passara da terceira idade. Era viúvo de um casamento de aproximadamente 40 anos, com uma mulher chamada Salomé, que era prima de João Batista apesar da diferença de idades, e que dera a José sete filhos: Tiago, Judá, Simão e José eram os filhos e Salomé, Ester e uma terceira cujo nome é incerto, eram as filhas. Tiago é o que seria mais tarde chamado Irmão do Senhor e seria o primeiro bispo de Jerusalém e autor da Liturgia de S. Tiago. Esta Salomé, filha de José, seria mais tarde a mãe de um outro Tiago, nomeado provavelmente em homenagem ao tio, e que era irmão de São João Teólogo, autor do quarto evangelho e portanto sobrinho de Jesus.


São José foi então sorteado entre os viúvos piedosos da cidade para ser noivo da jovem Maria. No Judaísmo da época não existia propriamente um noivado, mas um contrato de comprometimento, no qual as partes, através de seus pais, ou como no caso de José, por sua assinatura mesmo, se comprometiam a morar juntos durante algum tempo e a relação sexual após a cerimônia do casamento representaria a consumação do casamento. Como a jovem estava noivando com um idoso com o fim de manter seu desejo de devoção total a Deus, a ideia era provavelmente desde o início que o casamento jamais fosse consumado, mas a sociedade fosse apaziguada pelo contrato de noivado.


Tem-se registrado que S. José teria hesitado em receber a jovem devido à diferença de idades e mesmo teria dito que seria ridículo já que ele tinha filhos mais velhos do que ela (Maria deve ter-lhe sido entregue tendo por volta de 14 anos). Mas vendo a piedade da moça e compreendendo que esse noivado iria protegê-la, ele resolve aceitar e recebê-la como sua protegida.


Tendo aceitado-a, teria deixado a jovem em sua casa em Nazaré, acompanhada de 5 outras virgens para auxiliá-la, enquanto ia preparar uma casa definitiva longe dali. Essa mudança é outro sinal de que o contrato de noivado servia mais para proteger a vocacionada Maria de uma sociedade que não tinha ainda freiras ou mosteiros. Ao retornar, José encontrou-a grávida e raciocinou segundo os padrões normais, supondo que ela teria se deitado com algum homem.

S. José, o primeiro devoto de Maria

O interessante é que os registros deixam claro que mesmo em suas lamentações ele não fala como um homem traído e sim como um “protetor” que falhou em sua missão. De fato, tudo parece indicar que José tinha o entendimento de que a jovem virgem lhe havia sido entregue mais como alguém a ser protegida do que como esposa de fato. É apenas com a visitação do Arcanjo Gabriel em sonhos que o Justo José começa a compreender o que se passara. Que o seu comprometimento, vai muito além de cuidar de uma jovem devota, mas de proteger o próprio Filho de Deus que virá através dela.


S. José então relê as Escrituras judaicas e confirma que tudo está ocorrendo de acordo com as profecias. A partir daí, resolve assumir a jovem como noiva, ainda que não tencione consumar o matrimônio, já que esse não era o objetivo inicial e ele compreende que a Virgem Maria é a própria Arca da Nova Aliança, o Santíssimo, inexpugnável e no qual quem tocar morre; todos estes atributos eram relegados ao local onde Deus habitava no Antigo Testamento. De fato, era proibido tocar na Arca da Aliança e José, compreendendo que a Virgem Maria era a Nova Arca pois o Incontenível estava contido em seu útero jamais a tocaria.


Após nascido o Salvador, somos informados que Herodes manda matar os bebês com menos de dois anos e a São José recebe aviso para fugir para o Egito. O ícone que embeleza o início deste artigo representa tal fuga. Nele podemos ver São José, a Santíssima Maria, o Menino Jesus e São Tiago, já citado filho mais velho de São José com sua primeira esposa, Salomé.


Em sua terceira idade, este homem devoto toma a si o encargo de guiar sua jovem noiva, e o Filho de Deus através de uma viagem que seria longa e cansativa mesmo para um jovem. Viverão em um país estrangeiro onde terá que sustentá-los com seu ofício desgastante de carpinteiro. Retornam para Israel três anos mais tarde e então veremos José pela última vez nos Evangelhos no evento do Templo, quando o jovem Jesus, com 12 anos, dá lições aos sacerdotes. Neste meio tempo, José cumpriu perante Ele, perante a sociedade e perante Maria todas as obrigações e sacrifícios de pai e noivo, de forma total e completa. Por isso ele é chamado de S. José, o Noivo, não apenas porque nunca consumou o casamento com Maria, mas porque a virtude principal de um noivo é a fidelidade ao compromisso. São José era comprometido com Maria, e com a missão que Deus lhe outorgou e a cumpriu integralmente.


Vale citar ainda, o outro título de José: que ele era Justo. Este título, na religião judaica era mais que um adjetivo sinônimo de “honesto” ou de alguém com um senso de “justiça humana” aguda. Ser um Justo era o objetivo final da vida místico-religiosa judaica assim como ser santo o é do Cristianismo. O Justo (Tsadic) judeu é alguém que alcançou o Amor absoluto à Deus, o nível de ahava beta'anugim - "deleite amoroso".


Outros dois homens bíblicos que são chamados Justos são Noé e o José do Velho Testamento. Segundo o site Beit Chabad:

Um tsadic (o justo consumado) é alguém tão completamente devotado a D'us que nunca se considera como uma entidade separada ou individual. Sim, sua observância da Torá e dos mandamentos está repleta da intenção de aderir e tornar-se unido a D'us, cumprindo Sua vontade, e vivencia a Divindade com amor e temor. Mesmo assim, atribui tudo à infinita graça e providência de D'us. Como dizem nossos Sábios (Ética dos Pais 3:7): "Dê (i.e., atribua) a Ele tudo que Lhe pertence, pois você e tudo que é seu pertencem a Ele. (...)O serviço do tsadic a D'us é sem nenhum interesse. Seu desejo incondicional de servir e tornar-se um com Ele obstrui qualquer preocupação com o recebimento de uma recompensa, mesmo aquela do Mundo Vindouro."
E ainda outra fonte judaica sobre o que é ser um "Justo":
O Tsadic (O Justo)
Segundo a opinião do Tanya, uma pessoa que passou por testes de força moral e de caráter, e não sucumbiu ao pecado em pensamento, palavra e ação não é exatamente o significado do termo tsadic. Este também não descreve a essência de um tsadic. Ao contrário, o título tsadic refere-se a uma pessoa que triunfou sobre sua alma animalesca. Esta vitória significa que ele expulsou, ou transformou em bem, o mal inerente a seu coração desde o momento em que nasceu.
No capítulo dez do Tanya, Rabi Shneur Zalman explica que há duas categorias gerais de tsadic.
Um tsadic imperfeito ou incompleto é alguém que conseguiu banir ou eliminar o mal dentro de si por meio de seu serviço Divino, como alude o versículo: "E erradicarás o mal de dentro de ti." Um tsadic perfeito ou consumado é alguém que não somente baniu qualquer traço de mal dentro de si, como também conseguiu transformar o mal em bem.
Conforme já destacamos, na sabedoria chassídica há uma distinção entre a faculdade do desejo da alma animalesca, e as "vestes imundas" nas quais a alma animalesca se veste. O poder do desejo não é necessariamente mau. Ele tem em si o potencial de ser atraído na direção do bem ou do mal. As "vestes imundas" nas quais a alma se veste são o produto da indulgência nos deleites físicos deste mundo. Assim como uma pessoa pode mudar de roupas à vontade, assim também pode tirar as vestes imundas que cobrem sua alma.
Banir e eliminar o mal
Deveria ser enfatizado que a transformação do poder do desejo da alma animalesca em amor a D’us caminha de mãos dadas com mudar completamente as vestes imundas. Devido a isto, o tsadic imperfeito, que não conseguiu transformar o mal em bem, também não conseguiu eliminar o mal dentro de si próprio. É por este motivo que o tsadic incompleto é também chamado "um tsadic que conhece o mal", ou "um tsadic no qual existe o mal", pois algum minúsculo vestígio do mal ainda permanece dentro dele, no lado esquerdo de seu coração. No entanto, em seu favor, devemos dizer que o vestígio do mal nunca é expresso em pensamento, palavra ou ação, pois "em razão de sua pequenez, é subjugado e anulado para o bem."
Rabi Shneur Zalman enfatiza que o nível de "um tsadic que conhece o mal" na verdade abrange miríades de níveis, que são classificados segundo a quantidade e a potência do mal que permanece dentro dele. Em um tsadic imperfeito, um vestígio do mal originário do elemento Ar permanece. Em outro, um traço do mal do elemento Terra sobrevive, e assim por diante. Em um tsadic incompleto, o mal é anulado pelo bem na proporção de um para sessenta. Em outro tsadic imperfeito, o mal é anulado na proporção de um para mil, ou dez mil, etc. Estas várias subdivisões na categoria do tsadic imperfeito são os níveis dos numerosos tsadikim encontrados em todas as gerações. Segundo o Tanya, este é o significado da declaração de Nossos Sábios, que "dezoito mil tsadikim ficam de pé perante o Eterno, bendito seja."
O mal não é sentido
O rei David declarou sobre si mesmo: "Meu coração está vazio (chalal) dentro de mim." Isso sugere que seu coração estava vazio da consciência da má inclinação. E a razão para isso está declarada no Talmud Yerushalmi: "pois ele o tinha matado através do jejum." A palavra chalal significa também um cadáver, implicando assim que depois que o Rei David tinha jejuado a tal ponto que destruiu sua má inclinação, tudo de que tinha consciência era o "cadáver" do yetser hará (yetser hará=inclinação para o mal) dentro dele. Este status é atingido por todo "tsadic que conhece o mal" na guerra contra a alma animalesca.
O tsadic imperfeito destruiu seu yetser hará, e cumpriu o versículo "erradicarás o mal de seu meio", embora às vezes o vestígio do mal que permanece dentro dele (o "cadáver" de seu yetser hará) demonstre sua presença. Mesmo assim, não tem efeito sobre ele (permanece um corpo sem vida, por assim dizer) e não pode perturbá-lo em seu serviço Divino ou impedi-lo de apegar-se a D’us.
Em contraste, o yetser hará do benoni (o sujeito que não é mais um pecador inveterado, mas não é um tsadic ainda) é passível de incomodá-lo ao máximo. Mesmo quando o benoni está ocupado com seu serviço Divino, e em meio a seu apego por D’us, maus pensamentos podem perturbá-lo. Para superar estes maus impulsos ele deve ir à guerra. No tsadic incompleto, porém, a aparência do mal é apenas transitória, e pode imediatamente ser ordenado a fugir sem qualquer luta. 
http://www.chabad.org.br/tora/cabalaterapia/cab125.html




Vemos, portanto que José é um homem que recebe três títulos honrosos: ele é Santo que é um  reconhecimento de avançado estágio de aproximação de Deus segundo os critérios Cristãos, garantindo que ele fora salvo por seu Filho, algo que está acima de ser Justo. Mas ele também é um Justo,  o que, como vimos, é também o nome de uma forma de santidade no judaísmo em reconhecimento do pleno cumprimento da Vontade de Deus por parte de José. Este octogenário conseguiu nada mais, nada menos do que cumprir tanto o que Deus exigia no Velho Testamento quanto o que exigia no Novo. É Santo e Justo.


Finalmente, é chamado também "o Noivo" porque ele obteve tais virtudes pelo comprometimento com Deus que realizou através do noivado com sua Santíssima Mãe Maria, superando a vergonha do escárnio da sociedade por ser visto como "traído" por uma moça mais nova. Com profunda fé em Deus e fidelidade a missão recebida, São José foi o primeiro devoto consagrado a Maria, o primeiro homem que entregou sua vida integralmente a Deus através do serviço constante à Sua Santíssima Mãe, relacionando-se com ela com a reverencial piedade de um devoto e não como marido - lembramos mais uma vez que tradicionalmente a figura exemplo da Sagrada Família, de santidade no casamento e na criação dos filhos é a família de Nossa Senhora e seus pais, Santa Ana e São Joaquim, com muitos e luminosos exemplos de fé, paciência, e alegria, gerando uma filha santa.



Portanto, São José é um homem de estatura espiritual singular e magnífica e que ainda assim manteve suficiente silêncio humilde a respeito de si mesmo para que não se destacasse diante daqueles a quem devia servir, entre os quais o próprio Deus. Diminui-se para que Deus fosse glorificado, entregou até o último suspiro de suas forças ao Plano de Deus, servindo assim de exemplo para todos nós e merecendo ser chamado o Justo São José, o Noivo. 

A Sagrada Família Tradicional:
São Joaquim, exemplo de pai, Santa Ana, exemplo de mãe,
e a Virgem Maria, exemplo de filha, símbolos do casamento e da família cristã

domingo, 20 de dezembro de 2015

Como surgiu a festa do Natal (e não tem nada a ver com festas pagãs)



William J. Tighe, sobre a história do 25 de dezembro

Tradução de Ricardo Williams

Ensaio publicado originalmente no site Touchstone – A Jornal of Mere Christianity http://www.touchstonemag.com/index.html

Muitos cristãos pensam que celebramos o nascimento de Cristo em 25 de dezembro porque os Pais da Igreja se apropriaram da data de um festival pagão. Praticamente ninguém se importa com isso, exceto por alguns grupos extremistas de evangélicos norte-americanos, que crêem que isto faz do Natal uma festa pagã. Mas é importante saber que a escolha do 25 de dezembro é resultado de várias tentativas dos primeiros cristãos de descobrir a data do nascimento de Jesus, baseadas em cálculos que não tinham relação com festividades pagãs.

Pelo contrário, ao instituir o festival pagão do "Nascimento do Sol Invicto" em 25 de dezembro de 274, o imperador romano Aureliano certamente tentou criar uma festividade pagã para competir com uma data que já possuía certa importância para os cristãos romanos. Portanto, o mito das "origens pagãs do Natal" é totalmente desprovido de bases históricas.

Um erro
Devemos a idéia de que a data foi apropriada dos pagãos a dois estudiosos do final do século XVII e início do século XVIII: Paul Ernst Jablonsky, um Protestante alemão que desejava mostrar que a celebração do nascimento de Cristo em 25 de dezembro era apenas uma das inúmeras "influências" pagãs adotadas pela igreja a partir do século IV e que transformara o cristianismo apostólico puro no catolicismo romano; e Dom Jean Hardoiun, um monge beneditino que tentou mostrar que a Igreja Católica Romana adotara festivais pagãos para cristianizá-los sem, no entanto, corromper o evangelho com influências pagãs.

No calendário juliano, criado em 45 a.C. pelo imperador Júlio César, o solstício de inverno caía em 25 de dezembro, e portanto, parecia óbvio a Jablonsky e Hardoiun que a data fora importante para os pagãos. Mas, na verdade, tal data não possuía importância religiosa no calendário de festividades pagãs romanas antes da época de Aureliano, tampouco o culto ao sol fora importante em Roma antes de seu governo.

Havia dois templos solares em Roma: um deles, mantido pelo clã ao qual Aureliano pertencera, e que celebrava seu festival em 9 de agosto; e outro que celebrava seu festival em 28 de agosto. Mas ambos os cultos caíram em decadência por volta do século II, quando cultos solares orientais, como o mitraísmo, tornaram-se populares em Roma. De qualquer modo, nenhum destes cultos, novos ou antigos, celebravam festivais relacionados a solstícios ou equinócios.

O que realmente ocorreu é que Aureliano, que governou de 270 até seu assassinato em 275, era hostil ao cristianismo, e aparentemente promoveu e estabeleceu o festival do "Nascimento do Sol Invicto" como um meio de unificar diversos cultos pagãos do Império Romano através do "renascimento" anual do sol. Durante seu governo o império parecia desmoronar devido a desordem interna, rebeliões nas províncias, decadência econômica e ataques contínuos das tribos germânicas ao norte, e dos persas à leste.

Com a criação da nova festividade o imperador pretendia que o 25 de dezembro – que iniciava o período do ano em que os dias eram mais longos e as noites mais curtas – se tornasse um símbolo do esperado "renascimento" ou renovação perpétua do Império Romano, resultado da retomada do culto a deuses que, no passado, haviam levado Roma à grandeza – segundo criam os romanos. Se a data coincidisse com uma festa cristã, melhor ainda.

Uma conseqüência
É certo que a primeira evidência que temos da celebração da festa cristã do Natal do Senhor na data de 25 de dezembro data de 336 d.C., anos após o fim do governo de Aureliano. Mas há evidências de que, já nos século II e III, tanto no oriente grego quanto no ocidente latino, os cristãos tentavam descobrir a data do nascimento de Cristo antes mesmo dela tornar-se uma celebração litúrgica. Evidências indicam que, na verdade, a escolha da data de 25 de dezembro foi uma conseqüência de tentativas de se determinar a celebração da Páscoa.

Como isso ocorreu? Há uma contradição aparente entre a data da morte do Senhor segundo os Evangelhos sinópticos e o Evangelho de São João. Os sinópticos marcam sua morte na Festa da Passagem, após o Senhor celebrar da Ceia na noite anterior. João marca sua morte na véspera da Festa da Passagem, quando os cordeiros eram sacrificados no templo de Jerusalém para a festa que teria início após o sol se pôr naquele dia.

Para solucionarmos esse problema devemos responder se a Última Ceia do Senhor foi uma ceia celebrada na Festa da Passagem, ou uma refeição ocorrida na véspera. A questão é muita longa para abordamos aqui, mas basta dizer que a Igreja primitiva seguia a data de São João, e portanto cria que a morte de Cristo ocorrera em 14 de Nissan, segundo o calendário lunar judaico.

Aliás, muitos estudiosos contemporâneos postulam que a morte de Cristo só poderia ter ocorrido em 30 ou 33 d.C., já que somente nestes dois anos a véspera da Festa da Passagem caíra em uma sexta-feira, sendo os possíveis dias de sua morte 7 de abril do ano 30, ou 3 de abril do ano 33.

Porém, com sua forçosa separação do judaísmo, a Igreja passou a adotar calendários distintos, e teve de obter meios próprios para determinar a celebração da Paixão de Cristo de modo independente dos cálculos feitos pelos rabinos judeus que determinavam a data da Festa da Passagem. Além disso, como o calendário judaico era um calendário lunar composto de doze meses de trinta dias, de tempos em tempos o Sinédrio decretava a adição de um 13o mês para que o calendário acompanhasse os equinócios e solstícios, e as estações do ano caíssem na época apropriada do calendário.

Além da dificuldade que os cristãos teriam em seguir, ou mesmo saber com precisão, a data da Festa da Passagem a cada ano, seguir um calendário lunar próprio lhes causaria problemas com os judeus e pagãos, e muito provavelmente causaria disputas internas – como as disputas do século II sobre se a Páscoa deveria sempre ser celebrada em um domingo ou em qualquer dia da semana que caísse dois dias depois do dia 14 de Nissan. Seguir um calendário lunar pioraria ainda mais tal situação.

Tais dificuldades foram solucionadas de modo diferente entre os cristãos gregos da porção oriental do império e os cristãos latinos da parte ocidental. Os gregos aparentemente desejavam encontrar uma data equivalente ao 14 de Nissan em seu calendário solar, e como o mês de Nissan coincidia com o equinócio de primavera, ele escolheram o 14o dia de Artemísion, mês do equinócio de primavera em seu próprio calendário. Por volta de 300 d.C., o calendário grego foi substituído pelo calendário romano, e como as datas de início e fim dos meses em ambos os calendários não coincidiam entre si, o 14 de Artemísion tornou-se 6 de abril.

Por sua vez, os cristãos latinos de Roma e do norte da África do século II aparentemente desejavam estabelecer uma data histórica para a morte de Nosso Senhor. Na época de Tertuliano (c. +230), eles decidiram estabelecer que a data da sua morte fora em uma sexta-feira, 25 de março do ano 29 (é importante notar que esta data estava errada; 25 de março de 29 não era uma sexta-feira, e naquele ano a véspera da Festa da Passagem não caíra em uma sexta-feira, tampouco em 25 de março).

Era de Integração
Portanto no oriente tínhamos o 6 de abril, e no ocidente o 25 de março. Aqui devemos explanar uma crença que era corrente no judaísmo na época de Cristo, mas que como não se encontra na Bíblia, é desconhecida dos cristãos: a idéia de uma "era de integração" dos grandes profetas judaicos, a idéia de que os profetas de Israel morreram na mesma data de sua concepção.

Esse conceito é um fator chave para compreendermos como alguns cristãos primitivos vieram a crer que 25 de dezembro é a data do nascimento de Cristo – eles aplicaram esta idéia a Jesus, de modo que 6 de abril e 25 de março não eram apenas as supostas datas da morte de Cristo, mas também de sua concepção ou nascimento. Há evidência fugaz de que alguns cristãos dos séculos I e II criam que o nascimento de Cristo era 25 de março ou 6 de abril, mas a data de 25 de março logo ganhou aceitação entre os cristãos como a data da Concepção do Senhor.

Ainda hoje esta data é comemorada pela maioria dos cristãos como a Festa da Anunciação, quando o Arcanjo Gabriel trouxe a Boa-nova do Salvador à Virgem Maria, que por seu consentimento possibilitou que o Eterno Verbo de Deus ("Nascido do Pai antes de todos os séculos: Luz de Luz, Deus Verdadeiro de Deus Verdadeiro") se encarnasse em seu ventre. E quanto tempo dura uma gravidez? Nove meses. Se contarmos nove meses a partir de 25 de março, chegamos a 25 de dezembro; fazendo o mesmo com o 6 de abril, temos 6 de janeiro. Em 25 de dezembro celebramos o Natal, e em 6 de janeiro, a Epifania.

O Natal (25 de dezembro) é uma festa originária do ocidente cristão, que foi introduzida em Constantinopla por volta de 379 ou 380. Em um sermão de São João Crisóstomo, que na época era um renomado asceta e pregador em Antioquia, vemos que a festa foi celebrada pela primeira vez em sua cidade natal em 25 de dezembro de 386. A partir dos grandes centros urbanos, a festa se difundiu em todo o oriente cristão, sendo instituída em Alexandria no ano 432, e em Jerusalém por volta de um século depois. Somente a igreja da Armênia não adotou esta tradição, e até hoje celebra o Natal de Cristo, a adoração dos Reis Magos e o Batismo do Senhor em 6 de janeiro.

As igrejas ocidentais, por sua vez, adotaram posteriormente a Festa da Epifania, celebrada no oriente em 6 de janeiro, entre os anos 366 e 394. Mas no ocidente a festa era celebrada geralmente como a visita dos Reis Magos ao menino Jesus, e como tal, era uma festa importante, mas não pertencia às grandes festas da Igreja – um visível contraste com o Oriente, onde a Epifania ainda é, depois da Páscoa, a festa mais importante do calendário litúrgico.

No oriente cristão, a Festa da Epifania é mais popular que o Natal. O motivo é que esta festa celebra o Batismo de Cristo no Rio Jordão, quando a Voz do Pai e a descida do Espírito Santo manifestaram aos homens, pela primeira vez, a divindade do Cristo Encarnado e a Trindade Divina.

Uma festa cristã
Portanto a escolha do 25 de dezembro como data do nascimento de Cristo não possui relação alguma com supostas influências pagãs que adentraram a Igreja durante ou após o reinado de Constantino. É altamente improvável que esta seja a verdadeira data do nascimento de Cristo, mas deve suas origens aos esforços dos cristãos latinos dos primeiros séculos em determinar a data precisa da morte de Cristo.

E a festa pagã instituída pelo imperador Aureliano em 274 foi não somente uma tentativa de utilizar o solstício de inverno para fins políticos, mas também uma tentativa de dar um significado pagão a uma data que já era importante aos cristãos romanos. Estes, por sua vez, posteriormente fizeram uso da coincidência com a festa pagã do "Nascimento do Sol Invicto" para se referir ao nascimento de Cristo como o nascimento do "Sol da Salvação" ou "Sol da Justiça".

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William J. Tighe, correspondente da Touchstone, é professor de História da Faculdade Muhlemberg. Ele indica aos leitores interessados o livro The Origins of the Liturgical Year, de Thomas J. Talley, publicado pela editora The Liturgical Press

Assista também sobre o mesmo tema, o desenho animado "Hórus Arruina o Natal"

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

A Natividade de Cristo: Vivendo o Natal Ortodoxo


15 de Dezembro de 2015 

O Natal está à nossa frente. Como escolhemos celebrá-lo? E o quê, afinal de contas, estamos celebrando? 

Para os cristãos, o Natal é a Grande Festa da Natividade na carne de Nosso Senhor Deus e Salvador Jesus Cristo. Com eloquência inspiradora, São João, o Teólogo, escreve: “No início era o Logos, e Logos estava com Deus, e o Logos era Deus” (Jo. 1:1) 

O Logos, Jesus Cristo, é o eterno Filho de Deus, e a porta do mistério de Sua Encarnação é aberta com a belíssima hinologia da Igreja. S. José, o Hinógrafo, canta: “O Filho do Pai...surgiu para nós... para dar a luz aos que estavam nas trevas e reunir os dispersos. Portanto, louvamos a gloriosa Teotókos” (A Natividade do Senhor, manuscrito bizantino, século 14, Mosteiro de Cutlumus, Monte Athos).

S. João de Damasco escreveu o hino: “Um gloriosíssimo mistério ocorre hoje: a natureza renova-se, e Deus torna-se homem. O que Ele era, continua sendo; e o que não era, chamou a Si, sem mistura ou divisão”. 

Utilizando a teologia ortodoxa como referência, podemos dar subsídios para que a celebração de Natal nos ajude a ter uma vida mais plena – uma vida no espírito (cf. Gal 5:25). 

Comecemos com o ponto fundamental que foi experienciado e transmitido pelos Pais da Igreja: que Deus tornou-se homem para que o homem se tornasse participante da natureza divina (cf 2Pedro 1:4) através da graça e adoção (cf. Efésios 1:5). A Encarnação de Cristo nos convida todos nós a sermos santos (cf 1Pedro 1:16); ser santo não é algo que Deus quer para um pequeno número de pessoas, um objetivo além da capacidade das pessoas normais – é para cada um de nós, em todos os lugares do planeta. 

A Igreja Ortodoxa não é uma ideologia, uma filosofia ou um conjunto de regras rígidas e legalísticas. Igualmente, Deus não é uma ideia abstrata, uma Pessoa sem rosto com Quem não há possibilidade de comunicação. 

A fé ortodoxa prega um Deus pessoal: Pai, Filho e Espírito Santo – Três Pessoas, uma Soberania. Deus Se revela para nós através de Jesus Cristo, o Homem-Deus (“Theantropos”, em grego). 

Em um sermão de 1990 realizado pelo abade do Santo Mosteiro de São Gregório no Monte Athos, o falecido e abençoado Arquimandrita George ecoava os Pais da Igreja: “O Deus inalcançável torna-se alcançável. O Deus desconhecido torna-se conhecido. O Deus distante torna-se familiar e um amigo”. 

No Natal, celebramos a destruição da barreira que separava o homem de Deus. E como sabemos que essa barreira foi realmente destruída? Por um lado, através dos santos da Igreja. Os santos provam que o homem pode comunicar-se pessoalmente com Deus e vê-Lo. 

“Santos”, de acordo com o renomado teólogo do século 20, Pe. John Romanides, “é o nome dado àqueles que, através da purificação e iluminação, alcançam a glorificação (teósis) e participam das glorificantes energias de Deus”. 

Assim, a Ortodoxia é uma ciência positiva, a experiência da revelação, e não especulação. É a experiência de comunicar-se com Deus através da oração, especialmente da oração noética. É a experiência de nos comunicarmos com Deus pela vivência da Sua Vontade, no jejum, nas esmolas, sendo humildes e amando-nos uns aos outros. É a experiência de comunicarmo-nos com Deus adotando um vida centrada em Cristo na Igreja, e participando nos Santos Sacramentos, especialmente a confissão/arrependimento e a comunhão eucarística. 

É a experiência de ter a verdadeira liberdade, não a pseudo-liberdade e as armadilhas que o mundo oferece. Ao contrário do que dizem muitos críticos, o Cristianismo autêntico não restringe o homem, mas ao contrário, devolve-lhe a liberdade de viver. Dá luz aos que estão nas trevas. 

Esse é um desafio para toda a vida, uma escada que subimos degrau a degrau. E como sabemos se estamos realmente progredindo, se de fato estamos vivendo no espírito? Basta vermos se cultivamos os frutos do Espírito Santo: amor, alegria, paz, perseverança, caráter, bondade, fé, serenidade e autocontrole (cf Gal 5:22-23). 

Tudo isso só é possível por causa do Natal. Escolhamos celebrá-lo corretamente.