Outro dia eu estava passando aspirador quando meu filho veio correndo no quarto. “Mamãe, mamãe, deixa eu te ajudar”, ele gritou. Suas pequeninas mãos envolveram meus joelhos e seus grandes olhos marrons estavam olhando para mim. Uma grande explosão de felicidade tomou conta de mim.
Amo o jeito como sua cabeça se aninha na dobra do meu pescoço. Amo o jeito como seu rosto se transforma numa máscara de ansiosa concentração quando eu o ajudo a aprender o alfabeto. Mas, acima de tudo, eu simplesmente amo ouvir sua voz de criança me chamando: ‘Mamãe, mamãe”.
Isso me faz lembrar quão abençoada eu sou. A verdade é que quase perdi a chance de me tornar mãe, por ter sido criada por uma feminista fanática que me ensinou que a maternidade era a pior coisa que podia acontecer a uma mulher.
Veja, minha mãe me ensinou que as crianças escravizam as mulheres. Eu cresci acreditando que crianças eram somente um grande peso na vida e que a idéia da maternidade ser capaz de lhe fazer totalmente feliz era uma completa ilusão, um conto de fadas.
De fato, ter um filho tem sido a experiência mais gratificante de toda a minha vida. Longe de me “escravizar”, o meu filho Tenzin de três anos e meio tem aberto o meu mundo. Meu único arrependimento é ter descoberto as alegrias da maternidade muito tarde. Venho tentando ter um segundo filho há dois anos, mas até agora sem sorte.
Fui criada para acreditar que mulheres precisam de homens como um peixe precisa de uma bicicleta. Mas sinto fortemente que a criança precisa dos dois e o pensamento de criar Tenzin sem o meu companheiro Glen, 52 [anos], seria aterrorizador.
Como filha de pais separados, eu agora sinto muito bem as consequências dolorosas de ter sido criada naquelas circunstâncias. O feminismo tem muito o que responder pela degradação do homem e por encorajar as mulheres a buscar independência, qualquer que fosse o custo para suas famílias.
Os princípios feministas da minha mãe influenciaram todos os aspectos da minha vida. Quando eu era criança pequena, não tinha permissão nem de brincar com bonecas ou qualquer brinquedo que poderia fazer surgir em mim o instinto maternal. Estava impregnado em mim que ser mãe, educar uma criança e ser dona de casa era uma forma de escravidão. De acordo com ela, ter uma carreira, viajar o mundo e ser independente era realmente o que importava.
Amo muito a minha mãe, mas não a vi nem falei mais com ela desde que engravidei. Ela nunca viu meu filho, seu único neto. Meu crime? Ousar questionar sua ideologia.
Bom, então que seja assim. Talvez minha mãe seja reverenciada por mulheres de todo o mundo – muitas até podem ter um trono para ela. Mas honestamente creio que é hora de quebrar o mito e revelar como era de fato crescer como uma criança fruto da revolução feminista.
Meus pais se conheceram e se apaixonaram em Mississippi durante o movimento dos direitos civis. Meu pai [Mel Leventhal] era um advogado brilhante, filho de uma família judia que fugiu do holocausto. Minha mãe era a empobrecida oitava filha de um casal de lavradores da Geórgia. Quando eles se casaram em 1967, casamentos multi-raciais ainda era ilegais em alguns Estados.
Os primeiros anos da minha infância foram muito felizes, apesar de que meus pais eram terrivelmente ocupados, encorajando-me para que eu crescesse rápido. Eu tinha apenas um ano quando fui para a creche. Até me contaram que eles me fizeram caminhar pelas ruas até a escola.
Quando eu tinha oito anos, meus pais se divorciaram. Desde então eu estava entre dois mundos – a comunidade branca, rica, muito conservadora e tradicional de um subúrbio em Nova York, e a comunidade multi-racial progressista da minha mãe na Califórnia. Eu ficava dois anos com cada um – um jeito bem esquisito de fazer as coisas.
Ironicamente, minha mãe tem a si mesma como uma grande mulher maternal. Por acreditar que as mulheres são esmagadas, ela fez campanha pelos direitos feministas por todo o mundo e levantou organizações para ajudar mulheres abandonadas na África – oferecendo a si mesma como uma figura de mãe.
Mas, apesar dela ter cuidado de filhas por todo o mundo e ser altamente reverenciada pelo seu serviço e trabalho público, minha infância conta uma historia bem diferente. Eu estava entre uma de suas últimas prioridades – depois do trabalho, da integridade política, auto-satisfação, amigos, vida espiritual, fama e viagens.
Minha mãe sempre fazia o que ela queria – por exemplo, tirar dois meses de férias na Grécia durante o verão, me deixando com parentes quando eu era adolescente. Isso era independência ou simplesmente egoísmo?
Eu tinha 16 anos quando encontrei um [seu] poema, agora famoso, que me comparava com as diversas calamidades que atrapalhavam e impediam a vida de outras mulheres escritoras. Virginia Woolf era mentalmente doente e os Brontes morreram prematuramente. Minha mãe me tinha como uma “deleitosa distração“, mas ainda assim uma calamidade. Aquilo foi um grande choque para mim, e muito irritante.
De acordo com a ideologia estritamente feminista dos anos ‘70, as mulheres eram primeiramente irmãs, e minha mãe escolheu me ter como sua irmã, em vez de sua filha. A partir dos meus 13 anos, passei a ficar vários dias sozinha enquanto minha mãe se retirava para trabalhar em seu escritório, a umas 100 milhas de distância. Ela me deixava dinheiro para comprar minha própria comida e eu vivia uma dieta de fast food.
Irmãs juntas
Uma vizinha, não muito mais velha que eu, foi encarregada de tomar conta de mim. Nunca reclamei. Eu via como obrigação – meu trabalho – proteger minha mãe e nunca a distrair dos seus escritos. Nunca passou pela minha cabeça dizer que eu precisava de um pouco de seu tempo e de sua atenção.
Quando me batiam na escola – acusada de ser esnobe por ter a pele um pouco mais clara que a de minhas colegas negras – eu sempre dizia para minha mãe que tudo estava bem, que eu tinha ganho a briga. Não queria preocupá-la.
Mas a verdade é que eu era muito solitária e, com o conhecimento da minha mãe, comecei a ter relações sexuais com 13 anos. Acho que foi um alivio para a minha mãe, já que isso significava que eu demandaria menos atenção dela. E ela sentiu que ser sexualmente ativa me dava poder porque isso significava que eu estava no controle do meu corpo.
Agora, simplesmente não entendo como ela pôde ser tão permissiva. Eu mal quero deixar meu filho sair de casa para um encontro com amigos e deixá-lo dormir por aí sozinho fora de casa, sendo ele ainda um garoto que acabou de sair da escola fundamental.
Uma boa mãe é atenta, coloca limites e faz o mundo ser mais seguro para a criança. Mas minha mãe não fez nenhuma destas coisas.
Embora estivesse usando a pílula – algo que eu arrumei aos 13 visitando o médico com minha melhor amiga – fiquei grávida aos 14. Eu organizei um aborto sozinha. Agora estremeço com essa lembrança. Eu era apenas uma pequena menina. Não me lembro da minha mãe ter ficado assustada ou triste. Ela tentou apoiar me acompanhando com seu namorado.
Mesmo acreditando que o aborto naquele momento era a decisão certa para mim, as consequências me assombraram por décadas. Tirou minha auto-confiança e, até ter meu filho Tenzin, eu estava aterrorizada com a idéia de que nunca conseguiria ter um bebê pelo que eu fiz com a criança que destruí. Pois é simplesmente errado o que as feministas dizem, que o aborto não tem consequências.
Quando criança, eu estava terrivelmente confusa, porque enquanto estava me alimentando de uma mensagem fortemente feminista, eu na verdade desejava uma mãe tradicional. A segunda esposa do meu pai, Judy, era uma amável dona de cada com cinco crianças que ela amava loucamente.
Sempre tinha comida na geladeira e ela fazia tudo o que minha mãe não fazia, como ir aos eventos da escola, tirar mil fotografias e dizer às suas crianças a cada momento quão maravilhosas elas eram.
Minha mãe estava no pólo oposto. Ela nunca veio em nenhum evento da escola, ela nunca comprou nenhuma roupa para mim, ela sequer me ajudou a comprar meu primeiro sutiã – uma amiga foi paga para ir comprar comigo. Se eu precisava de ajuda com minha tarefa escolar, perguntava para o namorado da minha mãe.
Mudar de uma casa para a outra era terrível. Na casa do meu pai me sentia bem mais cuidada. Mas, se dissesse para minha mãe que eu tinha passado bons momentos com a Judy, ela me olhava desconsolada – fazendo-me sentir que, ao invés dela, eu estava escolhendo esta mulher branca e privilegiada. Fui ensinada a sentir que tinha que escolher um esquema de idéias, acima de outro.
Quando cheguei na casa dos 20 anos e senti pela primeira vez um desejo de ser mãe, fiquei totalmente confusa. Eu podia sentir meu relógio biológico fazendo tic-tac, mas sentia que, se o escutasse, estaria traindo minha mãe e tudo o que ela tinha me ensinado.
Tentei tirar isso da cabeça, mas durante os dez anos seguintes o desejo ficou mais intenso, e quando conheci o Glen, um professor, numa conferência há 5 anos atrás, sabia que tinha encontrado o homem com o qual eu queria ter um bebê. Ele é gentil, carinhoso, me apóia em tudo e, como eu soube que seria, ele é o mais maravilhoso dos pais.
Mesmo sabendo o que minha mãe sentia por bebês, eu ainda tinha esperança que, quando lhe contasse que estava grávida, ela ficaria alegre por mim.
Mãe, estou grávida
Em vez disso, quando liguei para ela numa manhã de primavera de 2004, enquanto eu estava em uma de suas casas cuidando dos afazeres domésticos, e lhe contei minha novidade e que nunca tinha estado tão feliz, ela silenciou. Tudo o que ela pôde dizer é que estava chocada. Ela então perguntou se eu poderia cuidar do jardim. Desliguei o telefone e chorei convulsivamente – ela tinha se recusado a dar sua aprovação com a intenção de me machucar. Qual mãe amorosa faria isso?
O pior ainda estava por vir. Minha mãe se ofendeu com uma entrevista na qual mencionei que meus pais não me protegiam nem se preocupavam comigo. Ela me mandou um e-mail ameaçando minar minha reputação como escritora. Eu não podia acreditar que ela seria capaz de ser tão ofensiva – particularmente quando estava grávida.
Devastada, eu lhe pedi que se desculpasse e reconhecesse o quanto ela tinha me machucado durante os anos com negligência, não me dando afeto e me culpando por coisas que eu não tinha controle – o fato de ser fruto de uma mistura de duas raças, de ter um pai rico, branco e profissional e até mesmo pelo simples fato de ter nascido.
Mas ela não voltou atrás. Em vez disso, ela me escreveu uma carta dizendo que nossa relação foi, durante muitos anos, inconseqüente, e que ela não estava mais interessada em ser minha mãe. Ela até assinou a carta com o seu primeiro nome, em vez de “mãe”.
Isso tudo foi um mês antes do nascimento de Tenzin, em Dezembro de 2004, e eu não tive contato com minha mãe deste então. Ela não fez contato nem quando ele foi levado para a unidade de terapia intensiva infantil, depois de ter nascido com dificuldades respiratórias.
E até ouvi falar que minha mãe me cortou de seu testamento em favor de um dos primos. Eu me sinto terrivelmente triste – minha mãe está perdendo uma grande oportunidade de estar junto de sua família. Mas também estou aliviada. Diferente da maioria das mães, a minha nunca teve orgulho das minhas conquistas. Ela sempre teve uma estranha competitividade que a levou a me inferiorizar em quase todos os momentos.
Quando entrei na Universidade de Yale – uma grande conquista – ela me perguntou porque raios eu gostaria de ser educada numa universidade ícone da masculinidade. Sempre que eu publicava algo, ela queria escrever a versão dela, tentando eclipsar a minha. Quando escrevi minha memória, “Negra, branca e Judia”, minha mãe insistiu em publicar a sua versão. Ela acha impossível estar fora do palco das celebridades, o que é extremadamente irônico à luz da sua visão de que todas as mulheres são irmãs e deveriam apoiar uma às outras.
Já se passaram quase quatro anos desde o último contato com minha mãe, mas é para o melhor – não somente para a minha auto-proteção mas para o bem-estar de meu filho. Eu fiz de tudo para ser uma filha leal, amorosa, mas não posso mais deixar que essa relação venenosa destrua a minha vida.
Sei que muitas mulheres estão chocadas pela minhas opiniões. Elas esperam que a filha de Alice Walker dê uma mensagem bem diferente. Sim, sem dúvida o feminismo deu oportunidades para as mulheres. Ajudou a abrir as portas para nós em escolas, universidades e nos locais de trabalho. Mas e os problemas que causou às minhas contemporâneas?
E as crianças?
A facilidade com que as pessoas se divorciam hoje em dia não leva em conta o prejuízo sofrido pela criança. Isso tudo é uma parte da incompleta empreitada feminista.
E depois tem a questão de não ter crianças. Até hoje eu encontro mulheres nos seus 30 anos que estão em dúvida sobre ter uma família. Elas dizem coisas do tipo: “eu gostaria de ter uma criança. Se isso acontecer, aconteceu”. Eu digo para elas: “Vá para casa e se esforce nisso porque sua janela de oportunidades é muito pequena”. Como eu sei muito bem.
Aí eu encontro mulheres nos seus 40 e poucos anos que estão devastadas porque gastaram duas décadas trabalhando num PhD ou se tornando sócias numa firma de advocacia, e perderam a chance de ter uma família. Graças ao movimento feminista, elas subestimaram os seus relógios biológicos. Elas perderam a oportunidade e estão lamentando.
O feminismo levou toda uma geração de mulheres a uma vida sem crianças. Isso é devastador.
Mas longe de tomar a responsabilidade por qualquer uma destas coisas, as líderes dos movimentos de mulheres se fecham contra qualquer um que ouse questioná-las – como eu aprendi com muito custo. Eu não quero machucar minha mãe, mas não posso ficar calada. Eu acredito que o feminismo é um experimento, e todo experimento precisa ser avaliado pelos seus resultados. E então, quando você vê os enormes erros que custaram, você precisa fazer alterações.
Espero que minha mãe e eu nos reconciliemos um dia. Tenzin merece ter uma avó. Mas estou simplesmente muito aliviada por meus pontos de vista não estarem mais sendo influenciados pela minha mãe.
Eu tenho minha própria feminilidade, e descobri o que realmente importa – uma família feliz.
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