domingo, 23 de dezembro de 2012

O Mistério do Natal




Com seu nascimento em uma humilde manjedoura, o Criador de Todas as Coisas, inicia a consumação do seu amoroso plano de salvação da humanidade. Descendo da Eternidade para o mundo físico, Jesus se torna um de nós, um ser de carne e histórico. E por que o Filho de Deus faria isto? Não poderia ele em sua onipotência realizar nossa Salvação sem submeter-se às dores da carne, sem os suores, as ingratidões, infâmias, traição e morte que viriam em seguida? Não é Deus o Senhor, cuja Palavra fez existir todo o universo e um mero sopro tornou um boneco de barro em uma criatura viva e inteligente à sua própria imagem e semelhança? Qual é o mistério da Encarnação do Filho de Deus no Natal?

A resposta, meus caros, é que realmente Deus não estava e não está forçado por nenhuma necessidade ou imperativo para realizar o que fez e ainda faz hoje em dia, pois nada há maior do que Ele. Sendo assim, em absoluta liberdade para fazer outra coisa que não nos salvar, ou realizar a salvação sem dor alguma para si, Deus escolhe encarnar-se como um de nós, exclusivamente por amor. Os ensinos, o que aprendemos do exemplo, tudo isso, por importante que seja, é secundário em face da experiência intensa do amor de Deus por nós, iluminando nossos corações e almas. Deus não veio apenas para ensinar, apenas para profetizar, apenas para educar. Veio para amar. Amar os que iriam amá-lo de volta, amar os que não o compreenderiam, amar até os que iriam odiá-lo. De fato, diz-nos a Santa Escritura que Ele já nos amava quando nós o odiávamos. E odiamos a Deus quando queremos fazer as coisas a nossa maneira, quando queremos que Ele apenas subscreva a nossa vontade como se fosse um mordomo dos nossos desejos. Mas Ele nos ama primeiramente, mesmo assim, pois o Amor verdadeiro não ama virtudes, qualidades, histórias, que nada mais são que abstrações, por belas que sejam. Ama pessoas concretas, seres humanos inteiros, ama-os mais que às suas virtudes e a despeito de seus defeitos.

O Amor de Deus é o amor verdadeiro. Não é um sentimento. Não se satisfaz em sentir amor, não é uma história romântica que montada na cabeça fica aguardando as pessoas que melhor vão interpretar os papéis pré-determinados no roteiro imaginado e que, por vezes, tentamos fazer acontecer "na marra". Não é a expectativa de um bem-estar ou de conforto. O Verdadeiro Amor, como vemos no nascimento de Cristo é união, presença intensa, doação, pois ali a natureza humana e a natureza divina unem-se, sem mistura e sem perder suas peculiaridades, na pessoa de Jesus Cristo, o Qual, por isto, é chamado de completamente Deus e completamente Homem, dupla natureza que representamos com os dois dedos dobrados durante o sinal da Cruz.

Mencionei antes que o Amor verdadeiro não acontece "na marra", por mera força do querer através de ações impositivas. Deus é onipotente, porém Ele não nos obriga, nem mesmo a vivenciarmos seu Amor se não quisermos, muito menos nos força a amar outras pessoas. Sabemos disso através de outra consumação da perfeição, esta perfeição já relativa e humana, que é a presença doce, humilde e majestosa da jovem Maria, Nossa Senhora, a Teotókos. Maria ali representa toda a humanidade. Deus não a força a participar de seu plano. Deus não aparece impondo-se em toda Seu poder infinito. Ao contrário, Ele envia um amigo, um anjo, para levar à Maria um pedido: "Eu gostaria de fazer isto, por amor de todos vocês. Você me permite?" Vejam, amigos que é o "Senhor dos Exércitos", o Criador, Deus Poderoso, Luz do Mundo, Primeiro e Último, Rei das Nações, Senhor da Glória,o Sol Nascente, O Senhor dos mortos e dos vivos, O Eterno forte e poderoso, o Eterno poderoso na batalha, O Sol da justiça, O justo juiz dos vivos e dos mortos, que, diante de uma moça de 14 ou 15 anos, gentilmente pede-lhe permissão de executar a Salvação de todo o universo, simplesmente porque todo ato de amor começa com uma escolha em liberdade. Para a realização do amor, da união de Deus com a Humanidade, o "sim" livremente escolhido é a porta de entrada. Assim como pelo "não" de Eva toda a humanidade caiu, pelo "sim" de Maria todos nós fomos salvos. É o Inimigo quem tenta enredar suas vítimas com palavras e atos envolventes, forçando situações e sentimentos. É este Inimigo que busca que sua vontade e desejos realizem-se "na marra". Isto não é amor. O Amor começa com o "sim" de Maria, cresce na união, na presença, na participação na vida do amado, como Jesus participou da nossa vida, comendo, bebendo, crescendo, trabalhando, suando, ferindo-se, conhecendo nossas alegrias e nossas dores. E consuma-se, como veremos mais tarde, na entrega total da vida, novamente voluntária e por livre escolha como Jesus fez na Cruz, transfigurando assim, a própria escuridão da morte em Vida ressuscitada, luminosa e eterna.

Digamos sim com Maria para a vontade de Deus em nossas vidas, para que Cristo Deus, nasça na manjedoura de nossos corações, iluminando os animais que ali habitam e representam nossos instintos; iluminando São José, ancião protetor da jovem menina e que representa a fé, a honradez e nossas virtudes; recebendo a visita dos pastores que representam a humildade; recebendo a visita dos anjos e que representam a graça de Deus; e a visita dos Reis Magos, que representam a sabedoria, a inteligência, a riqueza e o poder que se curvam em adoração obediente perante o Menino Deus.

domingo, 9 de dezembro de 2012

A Transfiguração da Criatividade


A transfiguração da criatividade não é apenas uma espera ou prelúdio da transfiguração vindoura; é em si mesma sua precedência, seu início real. E pela força desta criatividade, dentro das fronteiras da história, o supra-histórico é alcançado, quer dizer, aquilo que ultrapassa estas fronteiras da história. Isto aplica-se em primeiro lugar à alma do homem, e realiza-se mais vividamente na adoração divina, prementemente na adoração Eucarística, na qual o tempo misteriosamente dissolve-se na eternidade. Mas, de certa forma, isto também se aplica a toda criatividade do homem.

O resultado é uma certa justificação por um tipo de indiferença às coisas terrenas que não podem e não devem possuir dimensões eternas, e que, por consequência são "vãs" e "fúteis" na perspectiva escatológica. Nisto encontra-se a antinomia fundamental da atitude cristã para com a história e a cultura. Pois o Cristianismo é essencialmente histórico, e a história lhe é um process
o sagrado. E, ao mesmo tempo, o Cristianismo pronuncia um julgamento (uma condenação), sobre a história, é em si mesmo uma abolição da história. Pois a plenitude será alcançada na abolição de toda história, através do fim do tempo. Não como resultado de uma sequência de gerações, mas através da restauração de tudo o que morreu.

Tudo isso implica na abolição de toda cultura - pelo menos em tudo que nela há de histórico - não, porém, por rusticidade ou incultura, pois, se assim fosse, significaria uma perda de energia espiritual. A cultura é abolida pelo amor de algo maior e mais alto "que não pode ser contido por orlas terrenas". Portanto a cidade "terrena" perde seu significado pois "buscamos a que está por vir". Pois o Cristianismo é "boa nova" e uma expectativa do fim, consumação e recapitulação, anastasis e apokatastasis.

Pe. George Florovsky em "Asceticism and Culture in the Later Eastern Church (Fragments)"