segunda-feira, 24 de junho de 2019

Aristóteles na Teologia Bizantina

Filósofos Gregos
Filósofos Gregos representados como precursores do Messias no ícone "A Árvore de Jessé", Bucovina, Romênia

Qualquer tentativa de pesquisar o lugar de Aristóteles na teologia bizantina deve começar com o reconhecimento de que a categoria "teologia bizantina" é ela mesma um construto moderno. Os bizantinos não se pensavam como bizantinos, mas como romanos. Esse fato não é uma questão de mera nomeclatura, mas um lembrete do forte senso de continuidade com o passado clássico e o cristianismo primitivo. Quanto à teologia, em particular, os bizantinos não viam nenhuma divisão entre seu próprio tempo e a era de fundação do Cristianismo. Embora reconhecessem a autoridade dos Pais da Igreja, eles não pensavam em termos de uma "era dos Pais da Igreja" fechada e completa(1). Os santos e teóforos(NT) Pais, como os "bizantinos" os chamavam, não estavam limitados a um tempo ou lugar, mas incluíam todos que tinham fielmente recebido e explicado a Verdadeira Fé, particularmente como resposta à heresia. Do ponto de vista "bizantino", que ainda é o da Igreja Católica Ortodoxa hoje em dia, tais pessoas nunca deixaram de existir dentro da Igreja, pois eles constituem o selo vivo de seu guiamento pelo Espírito Santo.

Para compreender o papel de Aristóteles na teologia bizantina, portanto, temos que começar com uma visão de seu papel no pensamento dos primeiros séculos do cristianismo. Esse papel era bem mínimo. Aristóteles nunca fora considerado, por cristãos ou pagãos, como um guia da vida espiritual da ordem de Pitágoras ou Platão. Vários dos Pais da Igreja achavam os escritos destes dois últimos tão impressionantes que chegavam a supor que eles deviam ter lido os livros de Moisés durante suas viagens ao Egito.(2) Nunca ninguém sugeriu algo sequer semelhante sobre Aristóteles. Quando ele é mencionado pelos Pais, frequentemente é com o propósito de denunciar certos ensinamentos seus que consideravam ímpios, tais como a mortalidade da alma, a restrição da providência divina aos céus, e a visão da felicidade humana como dependente de objetos externos.(3) Ocasionalmente ele era criticado por defender que o universo seria eterno e incriado, embora como esse entendimento era difundido na antiguidade, nem sempre associavam-no especificamente a Aristóteles. Além de seus ensinos errôneos, Aristóteles era também visto com suspeita por ter fundado a lógica, uma disciplina ordinariamente usada e abusada pelos hereges, tais como o "neo-ariano" Aécio no século IV. Quando Gregório de Nazianzo ressalta que escreve "como um pescador e não como Aristóteles", quer dizer duas coisas: indica tanto que falou de modo direto e sem tecnicalidades desnecessárias, e que falou com honestidade, sem engodos sofisticados.(4)

Porém essa não é a história toda. A despeito de sua antipatia quanto a Aristóteles, os autores cristãos antigos eram participantes de uma cultura na qual as idéias de Aristóteles já de muito haviam tornado-se lugares comuns. E eles estavam perfeitamente confortáveis em utilizar essas idéias, tipicamente sem reconhecimento, e talvez sem consciência, de sua origem aristotélica. Sem que tentemos algo como um catálogo completo, vale destacar alguns poucos exemplos de empréstimos indiretos antes de entrarmos na era bizantina. Isso ajudará tanto como forma de explorar as variedades da influência aristotélica quanto porque as idéias em questão continuaram vitalmente importante para os bizantinos.

Um exemplo relativamente simples é a análise dos seres criados como matéria e forma. Ao tempo dos Pais da Igreja, esse tipo de análise tornara-se parte do conjunto de idéias compartilhadas nas classes educadas. Já no segundo século, encontramos Tatiano asseverando que Deus é o criador tanto da matéria quanto da forma, uma fórmula que se tornou padrão da afirmação da criação ex nihilo.(5) Os pais geralmente pressupunham, em boa forma aristotélica, que a matéria é necessária para que haja mudança e diversidade numérica.  Aplicar essa premissa em sua crença decididamente não-aristotélica na imortalidade da alma, assim como em sua crença em anjos, levou a uma teoria conhecida como "hilomorfismo pneumático", o qual é o entendimento que todas as criaturas, incluindo anjos e almas, são compostos de forma e matéria, embora obviamente a matéria dos anjos e almas seja altamente refinada em comparação com a dos corpos sensíveis. Essa visão parece ter sido mais ou menos universalmente aceita na Igreja primitiva, especialmente porque aplicava-se bem a passagens bíblicas como a parábola de Lázaro e as diversas aparições de anjos.(6) Continuou a ser o entendimento comum dos bizantinos, que geralmente entendiam daí que devem existir gradações de materialidade. João Damasceno, por exemplo, afirma que os anjos são "incorpóreos e imateriais" em relação aos seres humanos, mas "densos e materiais" em relação a Deus.(7)

Prof. David Bradshaw, trecho de seu ensaio “The Presence of Aristotle in Byzantine Theology” in The Cambridge Intellectual History of Byzantium, KALDELLIS, Anthony e SINIOSSOGLOU, Niketas (Cambridge: Cambridge University Press, 2017).


[1] Veja o Capítulo 17.

[2] Justino Mártir, Apologia I 59–60; pseudo-Justino, Exortação aos Gregos 22, 25–27, 29, 31–33;Clemente de Alexandria, Stromata 1.15, 1.25, 5.14; Eusébio de Cesaréa, Preparação para o Evangelho 10.4, e livros 11–12; Cirilo de Alexandria, Contra Juliano 1.18.

[3] Festugière 1932: 221–263; Runia 1989.

[4] Gregório de Nazianzo, Oração 23 12.

[5] Taciano, Aos Gregos 4–5. Veja também Ireneu, Contra Heresias 2.10, 2.16.3, 4.20.1; Orígenes, Dos Primeiros Princípios 2.1.4; Basílio de Cesaréa, Hexameron 2.2.

[6] P.ex. Justino Mártir, Diálogo com Trifo 5; Taciano, Aos Gregos  4, 12–13; Ireneu, Contra Heresias 2.34; Atanásio, Vida de Antão 31; Basílio de Cesaréa, Carta 8 (provavelmente por Evágrio); Gregório de Nazianzo, Orações 28.31, 38.9; veja a discussão em Jacobs 2012.

[7] João Damasceno, Exposição da Fé Ortodoxa 17 (p. 45); cf. seus Três Tratados sobre as Imagens Divinas 3.24–25.

(NT) Teóforo - portador de Deus, aquele que carrega Deus dentro de si.

Traduzido de 
https://byzantinephilosophy.blogspot.com/2019/06/the-presence-of-aristotle-in-byzantine.html

Um comentário:

João Emiliano Martins Neto disse...

A ferida que o cisma de vocês autoproclamados ortodoxos causaram no corpo de Cristo na segunda metade do século XI causou em vocês ditos ortodoxos que foi a separação de Roma tal cisma: a negação edipiana da supremacia papal, causa problemas anacrônicos, sérios e desnecessários contra vocês cismáticos, caro irmão Fábio. Por que? Porque santo Tomás de Aquino, o mais santo dos sábios e o mais sábio dos santos já fez as adaptações necessárias do aristotelismo ao cristianismo. É melhor ser humilde, voltar para Roma, e vencer com a sabedoria que tem por primeiro degrau a humildade, como diz o mesmo Divino Tomás, vencer toda necedade causada pela ferida gravíssima que todo o cisma causa inclusive na mente de quem torna-se um cismático.

Se me permite pregar para ti, caro irmão Fábio: Maria te ama, meu irmão, Maria, a verdadeira Maria pregada pela única Igreja de Cristo que é a Igreja romana, Maria que foi a imaculada em sua concepção, Maria co-Redentora da humanidade por seu sic et fiat únicos a Deus que ocasionaram a humanização do Verbo, Maria assunta ao céu em corpo e alma, por fim, coroada no céu.

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