quarta-feira, 10 de setembro de 2008

O Brasil na História do Ocidente

O Brasil na História do Ocidente
Fabio Lins

A história do Ocidente, desde antes de Roma, pode ser descrita nos seguintes termos fundamentais: um império, e uma miríade de forças bárbaras. São papéis que foram interpretados por muitos atores ao longo dos milênios mas permaneceram os mesmos. Estes dois elementos sucedessem-se, coexistem, combatem-se e geram um ao outro. Dizer quem veio primeiro é praticamente como querer dizer se quem nasceu primeiro foi o ovo ou a galinha.

Com certeza, Roma é o marco inicial dessa dinâmica. Fica também a questão se ela não teria sido gerada pelos conflitos bárbaros anteriores, mas com certeza é a partir do Império que essa dinâmica fica clara e determinante. Todo o resto da história do Ocidente depois da queda de Roma até hoje é uma grande disputa para ver quem vai ficar com o papel que outrora foi da cidade italiana. O "resumo da história ocidental abaixo" demonstra o que alego.

Com a formação do Império romano, alcança-se um veículo no qual as diversas tribos bárbaras encontram ponto comum para diálogos e mesmo para regras comuns para guerra, conflitos e etc. O mundo, outrora fragmentado nas tribos, está finalmente unificado.

O centro do Império romano passa para Constantinopla. O Império, para desespero dos ocidentais migrara para o Oriente abandonando-os. O mundo ocidental fragmenta-se novamente. Cada rei local, cada tribo bárbara clama para seus líderes o titulo de "rei dos romanos", "imperador dos romanos" nas suas tentativas de conquistar os vizinhos. A Igreja, que preservou a burocracia imperial em sua organização, mesmo sem ser estado, é ainda um improviso de unidade. É uma era de "caos" na sociedade ocidental porque está só é estável se houver bárbaros *e* império em tensão dinâmica, seja construtiva ou combativa. Daí a idéia de que o ocidente seria mais "dinâmico" que o Oriente, que, de fato, fundamenta suas outras civilizações em principíos unitários e não dísticos.

Com o tempo, algumas tribos alcançam poder e influencia para tentar preencher o vácuo deixado pela ausência do império e começam a ensaiar a idéia deles mesmos serem esse império. A primeira tentativa de realce é, naturalmente, o reinado carolíngeo. É principalmente a partir daí que a Igreja ocidental começará a ter o papel estatal que acostumamo-nos a atribuir a ela. Antes disso era apenas a religião local de províncias abandonadas do império, a mercê dos líderes tribais. Foi para dispensar a "proteção" inexistente do Imperador Romano em Constantinopla que os papas passaram a dar apoio aos reis carolíngeos. É a partir daí também que começam a surgir as primeiras falsificações, exercidas pelos carolíngeos, para "reescrever" a história, alegando que o papa recebera o poder secular de Constantino e portanto podia repassá-lo a eles, francos-carolíngeos. É também aí que surge a teoria de "desenvolvimento do dogma" pois os bárbaros francos consideravam o entendimento particular deles do Cristianismo superior ao dos orientais. Criaram então a idéia de que se podiam "acrescentar" coisas aos ensinamentos do Cristo pois eles era uma raça superior, com entendimento superior e portanto livres para ditar
inclusive coisas novas. Os francos eram uma tribo gêrmanica, são os inventores da tese do "sangue azul" e sua crenças racistas deram no que deram no século XX. Passaram a colocar papas dos seus em Roma, provocando a cisão do Cristianismo ocidental de sua matriz oriental. É
a partir daí que o Ocidente começa a achar que o Cristianismo é uma religião ocidental e o resto é "variante" oriental, quando é o preciso contrário.

O Império Carolíngeo foi um esforço adiante de seu tempo porém. Foi uma espécie de primeiro vôo de uma máquina que seria aperfeiçoada ao longo do segundo milênio. Na medida em que os reinos locais iam se fortalecendo, cada um tendia a cultivar as sementes de império que continham em si. É assim que as monarquias medievais vão se tornando as monarquias absolutistas da Renascença. As monarquias absolutistas nada mais são que tribos bárbaras ricas e francas candidatas ao posto de Império e vêem no desenvolvimento das navegações e da descoberta do Novo Mundo o instrumento perfeito de suas ambições. É durante a Renascença e o Iluminismo em que os intelectuais desvinculados da igreja ocidental irão abertamente expor suas teses de formação de uma "paz universal" que nada mais é que o novo império. Essas idéias "revolucionárias" serão a fonte da nova ideologia. Enquanto isso, Holanda, Inglaterra, Espanha e França principalmente lutam desesperadamente para se tornar esse império. Essa disputa será, no século XVIII e XIX, finalmente polarizada por Inglaterra e França que estabelecerão aí dois modelos de império: o império mercantil global, fundamentado no comércio internacional, representado pela Inglaterra; e o Império continental, mais tradicionalista, representado pela França e Napoleão. O primeiro é fundamentado na capacidade de produção mercantil, o segundo em relações aprimoradas de vassalagem entre "nobres" e "servos" que também serão papéis representados por muitos atores a partir daí em todas as variantes e aprimoramentos do modelo
francês a partir daí, dentre eles principalmente o movimento socialista que defende um estado forte, guiado por uma elite de vanguarda que irá prover aos servos. Se são nobres por sangue, por afiliação partidária ou ideológica, não importa. O modelo francês continental sempre crê em um grupo de pessoas nobres guiando a massa.

Se o filhote do modelo francês são os modelos socialistas, o filhote do modelo inglês é, evidentemente, os impérios capitalistas liberais, notadamente os EUA. Foram necessárias duas guerras mundiais para destruir o domínio das forças tradicionais da Europa, dando abertura para os EUA herdarem o poderio inglês e a URSS o ideal revolucionário. Com a queda da URSS, entidades globais como a ONU são as novas herdeiras, além do difuso movimento "progressista".

Temos assim, hoje, a ocidentalização total do mundo. Duas grandes forças representam dois candidatos a império: o modelo comercial americano (que quanto mais se torna império, menos liberal fica, pois são contradições em termos) e no qual o poder é maior para quem mais produz para a sociedade, e o modelo de francês de "massa guiada pelos nobres", quaisquer que sejam os critérios de nobreza ora instituídos. Nem um nem outro é, realmente honesto no sentido estrito do termo. Ambos servem de fachadas para planos pessoais de ambição e poder, mas são dinâmicas sociais com vida própria. Os bárbaros, as tribos menores e com menos recursos, hoje, é todo o resto do mundo e é precisamente porque esse conflito cresceu tanto a ponto de recontextualizar os demais é que se pode falar de ocidentalização mundial.

O Brasil, aqui na América do Sul, nunca quis realmente entrar na disputa para sermos império e esse é o motivo único e exclusivo pelo qual continuamos na condição de "bárbaros" a serem conquistados e pacificados. A tal "mentalidade de colônia" é precisamente a recusa em ser e agir como império. Não é que queiramos ser dominados. Mas é que, sem compreender que na selva internacional só existem dominadores e dominados, recusamos ser dominadores achando que é possível com isso não cair automaticamente na condição de dominados. Daí que quando estamos em uma geração, como a atual, que recusa veementemente o modelo imperial americano, caímos automaticamente na condição de dominados pelo modelo alternativo de dominados pelo império que já foi Francês, Soviético e hoje é "globalista" existente em uma rede de meta-milionários, ONU e associados de nobreza-vassalagem. Quando encontramos força para recusar isso também, nos tornamos entreguistas ao modelo americano. O ciclo só vai terminar quando pararmos de pensar em "com quem vamos nos aliar" para nos apropriarmos das tecnologias sócio-culturais e materiais propriamente ditas de império e nos tornarmos nós mesmos uma força imperialista. Isso ou esperamos a tensão global se acirrar até que aconteça algo, provavelmente uma guerra, que encerre esse ciclo "ocidental" da organização mundial. Mas
aí, podem ter certeza de que o que sobrar depois, não será mais o "nós" que conhecemos. Já não haverá Brasil nem nada, mas alguma outra coisa.

O Brasil, porém, está embarcado nessa bobagem de bloco socialistóide na América do Sul exatamente seguindo a dinâmica descrita. Vamos nos tornar colônias do "império globalista" precisamente porque não juntamos à recusa do império comercial ações e vontade de sermos um
império. Por isso nenhuma retração do gigante colonial Brasil perante gritos de anões com pretensões de serem capatazes regionais do imperialismo globalista me surpreende. Estamos tendo exatamente o que plantamos.

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