domingo, 16 de agosto de 2015

"Um Grande Sinal" (Apo 12:1) - Homilia sobre a Dormição da Teotókos


Por Pe. Matthew Baker
Tradução: Lr. Fabio Lins Leite

Hoje celebramos uma grandiosa e alegre solenidade: a dormição da Mãe de Deus em Jerusalém, e seu translado corporal em glória.

"A Plenitude do Mistério da Economia"

As leituras deste dia - de Gênesis, Ezequiel, e Provérbios - nos apresentam com uma série de imagens, todos com referências à Teotókos. Ela é a escada que ascende da terra ao céu, vista pelo patriarca Jacó em sua visão (Gen, 28:12). Ela é Beth-el, a casa de Deus, e os portões do céu (Gên. 28:17). Ela é o portão oriental do santuário do Templo, que permanece fechado - virginal: nenhum homem passa ali, "pois o Senhor, o Deus de Israel, passou por ele", como Ezequiel profetizou (Ez. 44:2). Ela é sabedoria, ou a casa da sabedoria, da qual o rei Salomão fala (Prov. 9:1).

Essas leituras - de Gênesis, Ezequiel e Provérbios - representam as 3 divisões da Bíblia judaica: o Torah, Profetas e Escritos. Juntos, formam um "bouquet" representando todo o que nós chamamos de Velho Testamento. É como se disséssemos: Maria é o resultado para o qual toda a história de Israel estava apontando desde sempre. Ela é a filha de Sião, o ponto de virada da história da salvação. Nela se inicia a Nova Aliança.

Nas palavras de S. João de Damasco, "no nome da Teotókos está contida a plenitude do mistério da economia. "Economia", do grego oikonomia, como ouvimos em nossos hinos, refere-se à administração que Deus faz de sua "casa", sua governança da criação e da história de acordo com seu plano para nossa salvação e glorificação. Existe uma lógica no plano de Deus, e uma unidade de sentido. Essa unidade é revelada na pessoa da Virgem Santa.

O papel de Maria nessa economia, sua identidade como "Mãe", não termina com o seu parto ou depois de Jesus ter crescido. Não a vemos apenas na Anunciação e nascimento de Jesus, mas também em Seu primeiro milagre em Canã, ao pé da Cruz e com a Igreja no Pentecostes. Como S. João de Damasco disse, "a plenitude da economia".

No ciclo de festas de nosso ano litúrgico, que começa no dia 1 de setembro, a primeira grande festa é o nascimento da Teotókos, em 8 de setembro. A última grande festa é hoje, sua dormição e assunção corporal ao céu. Nossa memória litúrgica do trabalho de salvação de Cristo começa e termina com Maria. Nós começamos com seu nascimento, terminamos com sua glorificação. "No nome da Teotókos está contido todo o mistério da economia".

Uma Mulher vestida de Sol

No fim de sua vida, no exílio na ilha de Patmos, o Apóstolo João teve uma visão. "Um grande sinal apareceu no céu: uma mulher vestida de sol, com a lua sob seus pés e uma coroa de doze estrelas na sua cabeça" (Rev. 12:1). A maioria dos comentaristas fala desta imagem do livro do Apocalipse como se referindo à Igreja, ou aos sobrantes de Israel. Alguns, porém, vêem uma imagem de Maria, especialmente já que ela é a filha de Sião, e tipifica a Igreja. Alguns vêem mesmo a imagem de sua assunção corpórea.

"Um grande sinal apareceu no céu: uma mulher vestida de sol" (Apo. 12:1). No "translado" corporal da Virgem, a Igreja reconhece um "grande sinal". Um sinal profético, que fala de nosso destino do significado da morte, de corpos, de relações humanas.

Esse sinal nos diz: a morte não é o fim do ser humano. Não somos apenas, como o filósofo Heidegger pensou, "seres-para-a-morte". O tempo finito e a morte não são nosso horizonte final. A mãe de Jesus foi "transladada para a vida".

Esse sinal nos diz: um "céu" de seres puramente espirituais não é o nosso estado final. Cristãos não são platonistas. O corpo não é a prisão da alma, um casulo para ser deixado para trás enquanto nosso "verdadeiro eu" emerge como uma borboleta. Platão estava errado: nosso verdadeiro eu, como Deus o desejou, não é apenas alma, mas também corpo. A salvação da pessoa significa também a salvação do corpo.

Esse sinal nos diz: através da ressurreição de Jesus, cada um de nós irá ressuscitar também em nosso próprio corpo, restaurado, conforme ele foi concebido no útero de nossa mãe, como homem ou mulher. E um grande sinal apareceu no céu: uma mulher vestida de sol (Rev. 12:1). Ressuscitada em glória, Maria ainda é uma mulher.

Alguns antigos hereges, chamados gnósticos, acreditavam que o aqui e o agora era algo que tínhamos que superar: no reino do céu, não haveria homem ou mulher, ou talvez todas as mulheres "evoluíssem" para se tornarem homens (de acordo com o pseudo-Evangelho de São Tomé, logion 114). Esses gnósticos desprezavam o casamento, e especialmente a procriação. Eles buscavam libertar-se dos laços da natureza.

Ainda temos nossos gnósticos hoje. Nossos gnósticos gostariam que pensássemos que homem e mulher, mãe e pai, são identidades fluidas, intercambiáveis: não o desenho bom e definitivo do Criador,  mas invenções da sociedade, ou auto-construções plásticas.

Mas hoje a  Igreja nos pede que guardemos uma visão diferente. É um sinal de nossa época, "um sinal de contradição" (Lc. 2:34). "Fostes transladada para a vida, Ó Mãe de Deus". Esse sinal nos diz: ressuscitada em glória, Maria ainda é mãe. Na glorificação corporal de Maria, recebemos uma imagem, uma parcela, da glória do Reino que temos esperança de herdar. É uma glória totalmente corpórea, onde a beleza da diferença conforme criada se preserva. Uma glória onde laços naturais de amor nunca se dissolvem. Uma glória na qual cada um de nós continuará sendo mãe ou pai, e filho ou filha, de alguém. E para todos os que, como o discípulo mado, descançaram sua cabeça no peito do Senhor, ou ficaram ao pé da Sua cruz em oração, Cristo dirá: "Filho, eis aí tua Mãe" (Jo. 19:27).

Não existe nenhuma pessoa humana mais exaltada que a Virgem Maria, a Panaguía. E não há título maior para ela em nosso vocabulário teológico do que "Mãe". Isso deveria nos dizer alguma coisa. Essa palavra, "mãe", se estende muito além do parto físico. A palavra "mãe" nomeia uma preocupação humana abrangente, um laço espiritual, um chamado de Deus. A maternidade espiritual, além da relação de sangue, é um dom e um chamado de toda mulher: casada ou não; tenha dado à luz a muitos, um ou nenhum filho. É um dom, que cada um de nós - toda a humanidade - recebemos como benção e benefício.  Esse é um excelente dom de nosso Criador, não uma invenção nossa. E como a festa de hoje nos lembra, não termina com a morte.

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