quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

A Vida do Justo São José, o Noivo, Primeiro Devoto de Maria






Os grandes santos anulam seu ego, sua identidade, sua imagem decaída para exaltar o Cristo.



É o que vemos em S. João Batista quando este diz: “É necessário que Ele (Jesus) cresça e eu diminua” (João 3:29,30) e também S. Paulo declarando seu processo de teosis/santificação, isto é, resgate da imagem e semelhança plena de Deus: “Não sou mais eu que vivo, mas é o Cristo que vive em mim” (GI 2,20).



São Paulo e São João Batista estabelecem, portanto, o plano completo de nossa salvação com estas suas palavras. S. João Batista nos mostra o meio da salvação (que a imagem do “eu” diminua para que Cristo tome a alma e resgate nela sua própria imagem) e S. Paulo nos mostra o efeito final e conclusão do processo; depois de diminuído a imagem decaída, esta morre e Jesus Cristo é que vive em nós e não nossas falsas concepções a respeito de nós mesmos e do mundo.



Esta breve introdução a respeito da humildade santa – que como visto é muito diferente da humildade “social” – é necessária para que compreendamos em sua total amplitude a figura do Venerando e Justo São José, o Noivo. De forma geral sabemos apenas que ele foi carpinteiro, que aceitou após um período de dúvidas ser o pai adotivo de Nosso Senhor Jesus Cristo e que em algum ponto entre os 12 e 30 anos de idade do seu filho ele deve ter falecido. Entretanto, esse santo que parece manter-se propositadamente à sombra de Maria e de Jesus Cristo guarda muitos ensinamentos para todos nós.

A Igreja Ortodoxa, sendo a Igreja criada por Jesus Cristo e transmitida pelos Apóstolos, preserva em seus registros escritos (dentre os quais, além das escrituras, o testemunho de historiadores cristãos primitivos que moravam ou iam nos locais santos buscar informações adicionais), culturais e pictóricos uma série de outras informações úteis a respeito dele e todas estas informações estão resumidas no título Justo São José, o Noivo.



O título de “Noivo” é dado pela relação que ele tinha com a Virgem Maria, que era expressão da relação que tinha com Deus. Para compreender a relação que ele tinha com a Virgem, devemos estudar quem era José pouco antes de conhece-la e onde ela estava quando foi entregue a ele.


Maria vivia de alguma forma dedicada ao Templo, provavelmente prestando serviços de tecelagem como outras jovens faziam. Tornando-se moça por volta dos 14 anos, pelos costumes da época, tinha que ser entregue em casamento para alguém.

Santíssima Virgem Maria,
modelo de vida consagrada


Dizem os primeiros historiadores da Igreja que Maria fizera um voto de permanecer virgem a vida toda, o que gerava um problema pois, tendo atingido a adolescência, tinha que ser desposada. Ao mesmo tempo, os sacerdotes do Templo se admiravam com a devoção sincera da mocinha e não queriam passar por cima do seu voto, o que seria inevitável se ela se casasse. Naquele tempo ainda não existia a instituição das freiras, que era a clara inclinação da jovem Maria.


A solução encontrada pela sua santa família foi precisamente entregá-la em noivado sem consumação do matrimônio a um viúvo idoso, igualmente religioso e que compreendesse a situação, que se comprometeria a cuidar dela pelo pouco que restasse de sua vida, de modo que ela pudesse ser fiel a seu voto e ao mesmo tempo atendesse às prerrogativas sociais de uma época sem mosteiros e que exigiam que ela se casasse.


Segundo os registros, José era um homem de idade extremamente avançada, ao contrário do jovem que filmes e certas imagens sugerem. De fato, a tradição de mostrar José como um idoso nas imagens era comum ao Ocidente e o Oriente até o século 17, quando na Espanha começam a aparecer imagens de um José mais jovem. Até ali, em toda a Cristandade, a Sagrada Família era a família de Nossa Senhora, constituída por Santa Ana, São Joaquim e sua santa filha, a Virgem Maria. Eles eram o exemplo de família devota e piedosa, cuja educação correta conduz os filhos à santidade. Já Santa Maria era vista à luz de sua condição especial de Virgindade Devota e Miraculosa Mãe, e São José como devotado a Maria e a Deus.



De toda forma, segundo a tradição da Igreja, José teria 80 anos ao ter conhecido Maria e teria falecido por volta dos 110 anos, ou seja, logo antes de Jesus iniciar seu ministério aos 30 anos. Essas idades são extraordinárias mas possíveis e ainda que sejam números imprecisos (seu valor simbólico sugerem que sejam), o fato estabelecido é que com certeza já passara da terceira idade. Era viúvo de um casamento de aproximadamente 40 anos, com uma mulher chamada Salomé, que era prima de João Batista apesar da diferença de idades, e que dera a José sete filhos: Tiago, Judá, Simão e José eram os filhos e Salomé, Ester e uma terceira cujo nome é incerto, eram as filhas. Tiago é o que seria mais tarde chamado Irmão do Senhor e seria o primeiro bispo de Jerusalém e autor da Liturgia de S. Tiago. Esta Salomé, filha de José, seria mais tarde a mãe de um outro Tiago, nomeado provavelmente em homenagem ao tio, e que era irmão de São João Teólogo, autor do quarto evangelho e portanto sobrinho de Jesus.


São José foi então sorteado entre os viúvos piedosos da cidade para ser noivo da jovem Maria. No Judaísmo da época não existia propriamente um noivado, mas um contrato de comprometimento, no qual as partes, através de seus pais, ou como no caso de José, por sua assinatura mesmo, se comprometiam a morar juntos durante algum tempo e a relação sexual após a cerimônia do casamento representaria a consumação do casamento. Como a jovem estava noivando com um idoso com o fim de manter seu desejo de devoção total a Deus, a ideia era provavelmente desde o início que o casamento jamais fosse consumado, mas a sociedade fosse apaziguada pelo contrato de noivado.


Tem-se registrado que S. José teria hesitado em receber a jovem devido à diferença de idades e mesmo teria dito que seria ridículo já que ele tinha filhos mais velhos do que ela (Maria deve ter-lhe sido entregue tendo por volta de 14 anos). Mas vendo a piedade da moça e compreendendo que esse noivado iria protegê-la, ele resolve aceitar e recebê-la como sua protegida.


Tendo aceitado-a, teria deixado a jovem em sua casa em Nazaré, acompanhada de 5 outras virgens para auxiliá-la, enquanto ia preparar uma casa definitiva longe dali. Essa mudança é outro sinal de que o contrato de noivado servia mais para proteger a vocacionada Maria de uma sociedade que não tinha ainda freiras ou mosteiros. Ao retornar, José encontrou-a grávida e raciocinou segundo os padrões normais, supondo que ela teria se deitado com algum homem.

S. José, o primeiro devoto de Maria

O interessante é que os registros deixam claro que mesmo em suas lamentações ele não fala como um homem traído e sim como um “protetor” que falhou em sua missão. De fato, tudo parece indicar que José tinha o entendimento de que a jovem virgem lhe havia sido entregue mais como alguém a ser protegida do que como esposa de fato. É apenas com a visitação do Arcanjo Gabriel em sonhos que o Justo José começa a compreender o que se passara. Que o seu comprometimento, vai muito além de cuidar de uma jovem devota, mas de proteger o próprio Filho de Deus que virá através dela.


S. José então relê as Escrituras judaicas e confirma que tudo está ocorrendo de acordo com as profecias. A partir daí, resolve assumir a jovem como noiva, ainda que não tencione consumar o matrimônio, já que esse não era o objetivo inicial e ele compreende que a Virgem Maria é a própria Arca da Nova Aliança, o Santíssimo, inexpugnável e no qual quem tocar morre; todos estes atributos eram relegados ao local onde Deus habitava no Antigo Testamento. De fato, era proibido tocar na Arca da Aliança e José, compreendendo que a Virgem Maria era a Nova Arca pois o Incontenível estava contido em seu útero jamais a tocaria.


Após nascido o Salvador, somos informados que Herodes manda matar os bebês com menos de dois anos e a São José recebe aviso para fugir para o Egito. O ícone que embeleza o início deste artigo representa tal fuga. Nele podemos ver São José, a Santíssima Maria, o Menino Jesus e São Tiago, já citado filho mais velho de São José com sua primeira esposa, Salomé.


Em sua terceira idade, este homem devoto toma a si o encargo de guiar sua jovem noiva, e o Filho de Deus através de uma viagem que seria longa e cansativa mesmo para um jovem. Viverão em um país estrangeiro onde terá que sustentá-los com seu ofício desgastante de carpinteiro. Retornam para Israel três anos mais tarde e então veremos José pela última vez nos Evangelhos no evento do Templo, quando o jovem Jesus, com 12 anos, dá lições aos sacerdotes. Neste meio tempo, José cumpriu perante Ele, perante a sociedade e perante Maria todas as obrigações e sacrifícios de pai e noivo, de forma total e completa. Por isso ele é chamado de S. José, o Noivo, não apenas porque nunca consumou o casamento com Maria, mas porque a virtude principal de um noivo é a fidelidade ao compromisso. São José era comprometido com Maria, e com a missão que Deus lhe outorgou e a cumpriu integralmente.


Vale citar ainda, o outro título de José: que ele era Justo. Este título, na religião judaica era mais que um adjetivo sinônimo de “honesto” ou de alguém com um senso de “justiça humana” aguda. Ser um Justo era o objetivo final da vida místico-religiosa judaica assim como ser santo o é do Cristianismo. O Justo (Tsadic) judeu é alguém que alcançou o Amor absoluto à Deus, o nível de ahava beta'anugim - "deleite amoroso".


Outros dois homens bíblicos que são chamados Justos são Noé e o José do Velho Testamento. Segundo o site Beit Chabad:

Um tsadic (o justo consumado) é alguém tão completamente devotado a D'us que nunca se considera como uma entidade separada ou individual. Sim, sua observância da Torá e dos mandamentos está repleta da intenção de aderir e tornar-se unido a D'us, cumprindo Sua vontade, e vivencia a Divindade com amor e temor. Mesmo assim, atribui tudo à infinita graça e providência de D'us. Como dizem nossos Sábios (Ética dos Pais 3:7): "Dê (i.e., atribua) a Ele tudo que Lhe pertence, pois você e tudo que é seu pertencem a Ele. (...)O serviço do tsadic a D'us é sem nenhum interesse. Seu desejo incondicional de servir e tornar-se um com Ele obstrui qualquer preocupação com o recebimento de uma recompensa, mesmo aquela do Mundo Vindouro."
E ainda outra fonte judaica sobre o que é ser um "Justo":
O Tsadic (O Justo)
Segundo a opinião do Tanya, uma pessoa que passou por testes de força moral e de caráter, e não sucumbiu ao pecado em pensamento, palavra e ação não é exatamente o significado do termo tsadic. Este também não descreve a essência de um tsadic. Ao contrário, o título tsadic refere-se a uma pessoa que triunfou sobre sua alma animalesca. Esta vitória significa que ele expulsou, ou transformou em bem, o mal inerente a seu coração desde o momento em que nasceu.
No capítulo dez do Tanya, Rabi Shneur Zalman explica que há duas categorias gerais de tsadic.
Um tsadic imperfeito ou incompleto é alguém que conseguiu banir ou eliminar o mal dentro de si por meio de seu serviço Divino, como alude o versículo: "E erradicarás o mal de dentro de ti." Um tsadic perfeito ou consumado é alguém que não somente baniu qualquer traço de mal dentro de si, como também conseguiu transformar o mal em bem.
Conforme já destacamos, na sabedoria chassídica há uma distinção entre a faculdade do desejo da alma animalesca, e as "vestes imundas" nas quais a alma animalesca se veste. O poder do desejo não é necessariamente mau. Ele tem em si o potencial de ser atraído na direção do bem ou do mal. As "vestes imundas" nas quais a alma se veste são o produto da indulgência nos deleites físicos deste mundo. Assim como uma pessoa pode mudar de roupas à vontade, assim também pode tirar as vestes imundas que cobrem sua alma.
Banir e eliminar o mal
Deveria ser enfatizado que a transformação do poder do desejo da alma animalesca em amor a D’us caminha de mãos dadas com mudar completamente as vestes imundas. Devido a isto, o tsadic imperfeito, que não conseguiu transformar o mal em bem, também não conseguiu eliminar o mal dentro de si próprio. É por este motivo que o tsadic incompleto é também chamado "um tsadic que conhece o mal", ou "um tsadic no qual existe o mal", pois algum minúsculo vestígio do mal ainda permanece dentro dele, no lado esquerdo de seu coração. No entanto, em seu favor, devemos dizer que o vestígio do mal nunca é expresso em pensamento, palavra ou ação, pois "em razão de sua pequenez, é subjugado e anulado para o bem."
Rabi Shneur Zalman enfatiza que o nível de "um tsadic que conhece o mal" na verdade abrange miríades de níveis, que são classificados segundo a quantidade e a potência do mal que permanece dentro dele. Em um tsadic imperfeito, um vestígio do mal originário do elemento Ar permanece. Em outro, um traço do mal do elemento Terra sobrevive, e assim por diante. Em um tsadic incompleto, o mal é anulado pelo bem na proporção de um para sessenta. Em outro tsadic imperfeito, o mal é anulado na proporção de um para mil, ou dez mil, etc. Estas várias subdivisões na categoria do tsadic imperfeito são os níveis dos numerosos tsadikim encontrados em todas as gerações. Segundo o Tanya, este é o significado da declaração de Nossos Sábios, que "dezoito mil tsadikim ficam de pé perante o Eterno, bendito seja."
O mal não é sentido
O rei David declarou sobre si mesmo: "Meu coração está vazio (chalal) dentro de mim." Isso sugere que seu coração estava vazio da consciência da má inclinação. E a razão para isso está declarada no Talmud Yerushalmi: "pois ele o tinha matado através do jejum." A palavra chalal significa também um cadáver, implicando assim que depois que o Rei David tinha jejuado a tal ponto que destruiu sua má inclinação, tudo de que tinha consciência era o "cadáver" do yetser hará (yetser hará=inclinação para o mal) dentro dele. Este status é atingido por todo "tsadic que conhece o mal" na guerra contra a alma animalesca.
O tsadic imperfeito destruiu seu yetser hará, e cumpriu o versículo "erradicarás o mal de seu meio", embora às vezes o vestígio do mal que permanece dentro dele (o "cadáver" de seu yetser hará) demonstre sua presença. Mesmo assim, não tem efeito sobre ele (permanece um corpo sem vida, por assim dizer) e não pode perturbá-lo em seu serviço Divino ou impedi-lo de apegar-se a D’us.
Em contraste, o yetser hará do benoni (o sujeito que não é mais um pecador inveterado, mas não é um tsadic ainda) é passível de incomodá-lo ao máximo. Mesmo quando o benoni está ocupado com seu serviço Divino, e em meio a seu apego por D’us, maus pensamentos podem perturbá-lo. Para superar estes maus impulsos ele deve ir à guerra. No tsadic incompleto, porém, a aparência do mal é apenas transitória, e pode imediatamente ser ordenado a fugir sem qualquer luta. 
http://www.chabad.org.br/tora/cabalaterapia/cab125.html




Vemos, portanto que José é um homem que recebe três títulos honrosos: ele é Santo que é um  reconhecimento de avançado estágio de aproximação de Deus segundo os critérios Cristãos, garantindo que ele fora salvo por seu Filho, algo que está acima de ser Justo. Mas ele também é um Justo,  o que, como vimos, é também o nome de uma forma de santidade no judaísmo em reconhecimento do pleno cumprimento da Vontade de Deus por parte de José. Este octogenário conseguiu nada mais, nada menos do que cumprir tanto o que Deus exigia no Velho Testamento quanto o que exigia no Novo. É Santo e Justo.


Finalmente, é chamado também "o Noivo" porque ele obteve tais virtudes pelo comprometimento com Deus que realizou através do noivado com sua Santíssima Mãe Maria, superando a vergonha do escárnio da sociedade por ser visto como "traído" por uma moça mais nova. Com profunda fé em Deus e fidelidade a missão recebida, São José foi o primeiro devoto consagrado a Maria, o primeiro homem que entregou sua vida integralmente a Deus através do serviço constante à Sua Santíssima Mãe, relacionando-se com ela com a reverencial piedade de um devoto e não como marido - lembramos mais uma vez que tradicionalmente a figura exemplo da Sagrada Família, de santidade no casamento e na criação dos filhos é a família de Nossa Senhora e seus pais, Santa Ana e São Joaquim, com muitos e luminosos exemplos de fé, paciência, e alegria, gerando uma filha santa.



Portanto, São José é um homem de estatura espiritual singular e magnífica e que ainda assim manteve suficiente silêncio humilde a respeito de si mesmo para que não se destacasse diante daqueles a quem devia servir, entre os quais o próprio Deus. Diminui-se para que Deus fosse glorificado, entregou até o último suspiro de suas forças ao Plano de Deus, servindo assim de exemplo para todos nós e merecendo ser chamado o Justo São José, o Noivo. 

A Sagrada Família Tradicional:
São Joaquim, exemplo de pai, Santa Ana, exemplo de mãe,
e a Virgem Maria, exemplo de filha, símbolos do casamento e da família cristã

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