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terça-feira, 23 de junho de 2015

O Império Bizantino e a Península Ibérica


Um dos mais ambiciosos planos do Imperador Justiniano (527-565) era resgatar a Península Ibérica dos Visigodos e dos Suevos, a Itália dos Ostrogodos, e a África dos Vândalos; o Imperador Heráclios (610-41) é que finalmente desistiria de todo o plano. As relações entre o oriente grego e a Ibéria eram multifacetadas e íntimas, especialmente durante o século VI (01). Surpreendentemente, não foi na Espanha Visigótico-Bizantina, mas no distante noroeste da Península, habitada pelos Suevos(NT02), que ocorreu tradução de literatura. Ao mesmo tempo, ou pouco depois, foram compostas ali traduções dos Apopthegmata e compilações similares, por ordem do Apóstolo dos Suevos, Martinho de Braga (d.ca. 580). Um certo Paschasius traduziu partes de um codex chamado Vitas Patrum Grecorum que lhe fora dado com esse mesmo exato propósito. A tradução ficou conhecida como Liber Geronticon (02). O próprio Martinho, que havia morado na Palestina antes de fundar o mosteiro de Dume entre os Suevos e se tornar arcebispo na cidade real sueva de Braga, traduziu uma coleção chamada de Setentiae Patrum Aegyptiorum. Também é-lhe atribuída uma coleção de cânones gregos.

Na segunda metade do sétimo século, quando o reino suevo foi incorporado à monarquia visigótica, o Abade Valerius de Bierzo produziu na Galícia uma edição do Vitas Patrum, a qual continha traduções de vidas de santos gregos; não é claro se eram o trabalho da escola de tradutores galegos fundada por Martinho de Braga ou se vinha da Itália.(03)

A população católico-românica e os godos arianos do reino visigótico reconciliaram-se com o Bispo Leandro de Sevilha (578-99), que viera da cidade bizantina de Cartágena (NT03). O sucessor no bispado de Sevilha foi o irmão mais novo de Leandro, Isidoro (599-636), que, no fim das contas, tornou-se o mais famoso autor latino da Espanha.

Seu curto tratado, De ortu et obitu patrum (Migne PL 83, cols. 129-59) contém um núcleo com vidas de profetas, traduzido do grego, dentro de uma série de oitenta e seis rascunhos biográficos de figuras do Antigo e Novo Testamentos; ver Τ. Schermann, Prophetarum vitae fabulosae(Leipzig 1907), and Propheten- und Apostellegenden nebst Jüngerkatalogen des Dorotheus und verwandter Texte, TU 31/g (Leipzig 1907); Α Vaccari, "Una fonte del 'de ortu et obitu Patrum' di S. Isidoro," in Miscellanea Isidoriana (Rome 1936), pp. 165-75.

O principal trabalho de Isidoro é o Etymologiae (Orígenes), o qual serviu o Ocidente por séculos. Como um segundo Varro, ele tentou, em vinte livros curtos, resumir conceitualmente o trivium, o quadrivium, a medicina, o direito, a teologia, a história, a filosofia, a zoologia, a geografia, a produção de livros, a arquitetura, a mineralogia, a metalurgia, a agricultura, questões militares, jogos públicos e privados, construção de navios, e outras áreas de conhecimento e tecnologia. Como geralmente era o caso na antiguidade, o conhecimento transmitido por Isidoro era primariamente grego, via intermediários latinos dos quais ele obtinha essas informações. Vários dados gregos foram preservados nos trabalhos de Isidoro. Ele utiliza palavras gregas, que são escritas em alfabeto grego e incorporadas ao texto latino de acordo com a prática antiga (04). O alfabeto grego é explicado historicamente - segundo os modelos antigos - no início das obras. Além disso ele inclui a importante doutrina da litterae mysticae, que era típica da avaliação medieval do grego: (05)

Cadmus, o filho de Agenor, primeiramente trouxe dezessete letras gregas para a Grécia desde a Fenícia: Α Β Γ Δ Ε Ζ 1 Κ Λ Μ Ν Ο Π Ρ C T Φ. Palamedes acrescentou três mais durante a Guerra de Tróia: Η Χ Ω. Depois, o poeta lírico Simonides acrescentou mais três letras: Ψ Ξ Θ. Pitágoras de Samos primeiramente desenvolveu a letra Y tendo como modelo a vida humana: o traço de baixo significa os anos da infância, ainda incertos, e que não se entregaram ainda ao vício ou virtude. A bifurcação, porém, inicia-se na adolescência: seu braço direito é abrupto, mas leva a uma vida abençoada; o esquerdo é mais fácil e leva ao desastre e à destruição. Persius diz sobre essa letra: "E a letra que estende os braços samianos, revela a trilha ascendente na mão direita" [III 56].

Os gregos possuem cinco letras de mistério. A primeira é o Y, a qual significa a vida humana, e da qual acabamos de falar. A segunda é o Θ, que significa morte, posto que juízes colocam-na ao lado dos nomes daqueles que condenam à pena de morte. E theta significa ΑΠΟ ΤΟΥ ΘΑΝΑΤΟΥ, i.e. "da morte". Por essa razão, ela também possui um cabo no meio, que é o símbolo da morte. Já foi dito: "Theta, és a mais desgraçada das letras". A terceira, T, significa a cruz do Senhor; por isso é traduzida para o hebraico como "sinal". Sobre essa letra, é dito ao anjo em Ezequiel (9:4): "Vá ao centro de Jerusalém e trace um tau na fronte dos homens que lamentam e suspiram". As duas letras restantes são o Α e o Ω , que foram reclamadas como primeira e última pelo próprio Cristo, pois Ele mesmo diz: "Eu sou o Alfa e o Ômega". Quando essas duas letras movem-se uma para a outra, A move-se para o Ω e o Ω, por sua vez, move-se para o A; de forma que o Senhor quer dizer que o fluir do início para o fim e o retorno do fim para o início está nEle. Mas todas as letras gregas formam palavras e números. Pois a letra chamada alfa significa um, a que se chama beta significa dois, e onde escrevem gama, ela é chamada três, e delta é quatro, e assim todas as letras possuem valores numéricos. Os latinos não usam letras por números, mas delas formam apenas palavras, com exceção de I e X, cujas figura também significa a cruz e tem o valor numérico de dez.

Em outra passagem do trabalho, Isidoro designa a língua grega como uma das três línguas sagradas(06)

Existem três línguas sagradas: hebraico, grego e latim, que são as mais distintas em toda a terra. Pois foi com essas línguas que Pilatos escreveu a sentença do Senhor sobre a cruz. Portanto, é também por obscuridade das Santas Escrituras que um conhecimento dessas três línguas é necessário, para que se possa consultar uma ou outra quando o texto em um língua gerar dúvida sobre um nome ou uma tradução. Ainda assim, o grego é considerada uma língua especialmente esplêndida entre as nações. Pois é mais ressonante que o latim e que todas as demais línguas. Suas variedades classificam-se em cinco componentes: primeiro, o Koiné, isto é "misturada" ou "comum", que todos usam; segundo, o Ático, nomeadamente, a língua de Atenas, que todos os autores gregos utilizaram; terceiro, o dórico, usada por egípcios e sírios; quarto o Iônico e quinto o Aélico. Existem várias características distintas a serem observadas nas línguas gregas. Assim está dividida sua língua.

Uma grande parte dessa explicação é derivada de trabalhos mais antigos, como geralmente é o caso na Etymologiae: Isidoro elogia a beleza da língua grega segundo o modelo de Quintiliano. A doutrina da língua sacra é desenvolvida a partir das afirmações de Agostinho sobre as linguae principales (07). Mas aquele que não apenas usa mas também lê Isidoro, observará que existe uma "linha interna... que conecta todos esses trechos aparentemente desconexos" ("innere Linie ...die sich durch alle diese scheinbar gedankenlosen Excerpte zieht")(08). A vitória de Isidoro no que concerne o conhecimento medieval do grego se dá pelo foco no material fundamental e claramente organizado: a litterae mysticae e a linguae sacrae eram schemata de um novo arcaísmo bem adaptado às recém-cristianizadas nações do Ocidente.

01. P. Goubert, "L' Espagne Byzantine. Influences Byzantines sur l' Espagne Wisigothique, " Revue des Études Byzantines 4 (1946) 111-33.

02. Rosweyde, Vitae Patrum. lib. VII (Migne PL 73, cols. 1052-62). New edition by J.G. Freire, A versão latina por Pascásio de Dume dos Apophegmata Patrum (Coimbra 1971), I/2 (I, 159 ff. Liber Geronticon de octo principalibus vitiis). Freire editou uma outra tradução do Apophtegmata do século VI em Commonitiones sanctorum patrum. Uma nova colecção de apotegmas (Coimbra 1974). Essa coleção é quase idêntica à publicada por Rosweyde no terceiro livro do seu Vitae Patrum sob o nome de Rufinus.

03. Rosweyde incluiu essa tradução no apêndice do seu Vitae Patrum. New edition by C.W. Barlow, Martini episcopi Bracarensis opera omnia(New Haven 1950), pp. 30-51; A coleção de cânones, ibid., pp. 123-44. Cf. K. Schäferdiek, Die Kirche in den Reichen der Westgoten und Suewen(Berlin 1967), pp.120 ff.

04. D. de Bruyne, "L' héritage littéraire de l'abbé Saint Valère, "RB 32 (1920), 1-10. Sobre a Vita S. Mariae Aegyptiacae na compilação, uma das mais antigas traduções de "caráter expressivo", ver Kunze, Studien zur Legende der heiligen Maria Aegyptiaca, pp. 28 ff.; cf. W. Berschin, in Mittellateinisches Jahrbuch 10 (1975),310.

05. "As raízes e etimologias gregas no trabalho de Isidoro, as quais estão corrigidas e impressas em grego na edição de Lindsay, são em muitos casos escritas com alfabeto latino nos manuscritos e geralmente são transmitidas de forma quase ilegível, já que nem sempre exibem as formas linguísticas clássicas mesmo no texto original."; Bischoff, in Latin Script and Letters A.D. 400-900, Festschrift Bieler, p. 209. Na mesma passagem, Bischoff mostra como a palavra latina bannita = syllaba, littera saiu da transcrição do Graeca em Etym. I 16, 1: "nam syllaba dicta est ΑΠΟ ΤΟΥCΥΛΛΑΜΒΑΝΕΙΝ ΤΑ ΓΡΑΜΜΑΤΑ."

06. Etym. I 3.

07. Etym. IX 1.

08. J. Fontaine's Isidore de Séville et la culture classique dans l' Espagne Wisigothique (Paris 1959), I/2 (pp. 58-61) sobre o trecho concernente ao alfabeto grego) contém uma análise detalhada das fontes.

NT01 No original o autor refere-se à "Espanha" como um nome para toda a Península Ibérica, incluindo mesmo as terras de Portugal, indistinção essa que é um erro comum na língua inglesa. Como o público leitor de língua portuguesa preserva uma memória mais precisa da história da Península, e sabendo que é a ela que o autor original se refere, utilizei o termo mais comum em português "Península Ibérica" para a região que o autor do original tem em mente ao escrever "Espanha". 

NT02 O "noroeste da Espanha" no original é claramente a região centro-norte de Portugal, possivelmente alcançando a Galícia, que é precisamente a área que era ocupada pelos suevos, tanto que S. Martinho de Braga (uma das mais tradicionais cidades portuguesas), mencionado logo em seguida, é patrono da fé ortodoxa lusitana.

NT03 Trata-se da mesma Cartagena da Espanha.

Fonte: "Early Byzantine Italy and the Maritime Lands of the West"  

quinta-feira, 30 de abril de 2015

Uma sociedade moralmente sedentária

Macunaíma


Adaptação do artigo "Uma sociedade moralmente sedentária" de Percival Puggina


Li “O homem medíocre” pela primeira vez em 1999. O autor, José Ingenieros, tratava, ali, da diferença entre a mera honestidade e a virtude, bem como da falsa honestidade daqueles que a exibem como troféu.

“Em todos os tempos, a ditadura dos medíocres é inimiga do homem virtuoso. Prefere o honesto e o exibe como exemplo. Mas há nisso um erro ou mentira que cabe apontar. Honestidade não é virtude, ainda que não seja vício. A virtude se eleva sobre a moral corrente, implica uma certa aristocracia do coração, própria do talento moral. O virtuoso se empenha em busca da perfeição.”

Com efeito, não fazer o mal é bem menos do que fazer todo o bem que se possa. Ser e proclamar-se honesto para consumo externo é moldar-se às expectativas da massa e isso fica muito aquém da verdadeira virtude. 

“Não há diferença entre o covarde que modera suas ações por medo do castigo e o cobiçoso que age em busca da recompensa“, 

afirma o filósofo portenho enquanto sentencia sobre o homem medíocre:

“Ele teme a opinião pública porque ela é a medida de todas as coisas, senhora de seus atos“.

É preciso distinguir, portanto, a virtude que se alcança por adesão voluntária a um determinado bem, da virtude intrínseca a modelos institucionais que inibem a conduta não virtuosa. A fidelidade será, sempre, um produto da vontade humana. O pérfido só renunciará a perfídia quando ela se mostrar inconveniente. O venal pode trocar de camiseta, mas só não terá preço se não houver negócio a ser feito.

A corrupção tem causas em duas fragilidades, a da moralidade individual e a institucional. No plano das individualidades, só teremos pessoas virtuosas em maior número quando forem enfrentadas certas questões mais amplas, na ordem social. Ou seja, quando:

• a virtude for socialmente reconhecida como um bem a ser buscado;

• escolas e universidades retomarem o espírito que lhes deu origem e levarem a sério sua missão de formação e informação e não cooptação;

• famílias e meios de comunicação compreenderem a relação existente entre o desvario das condutas instalado na vida pública e o estrago que vêm produzindo na formação da consciência moral e na vida privada dos indivíduos;

• o Estado deixar de ser fonte de privilégios;

• for vedada a filiação partidária dos servidores públicos;

• forem extintos os Cargos de Confiança na administração direta, indireta e Estatais;

• a sociedade observar com a atenção devida o método formativo e educacional das corporações militares;

• voltar a ser cultivado o amor à Pátria;

• a noção ideológica de “la pátria grande”, que prega que a "América Latina" é que é a pátria, ao invés dos países, for banida por inspirar alta traição;

• as Igrejas voltarem a reconhecer que sua missão salvadora nada tem a ver com sociedade do bem estar social, mas com sociedade comprometida com os valores que levam ao supremo Bem.

Não há virtude onde não há uma robusta adesão da vontade ao Bem. E isso não acontece por acaso. É uma busca que exige grande empenho.

Por fim, quero lembrar que o relativismo moral veio para acabar com a moral. O novo totalitarismo elegeu como adversário os valores do Ocidente. Multidões, sem o perceber, tornaram-se moralmente sedentárias.

Abandonaram os exercícios que moldam a consciência e fortalecem a vontade. Ao fim e ao cabo, em vez de uma sociedade onde os indivíduos orientam suas vidas segundo os conceitos que têm, constituímos uma sociedade onde os indivíduos conformam seus princípios e seus valores à vida que levam.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

As Três Formas de Conhecimento


  1. Informacional, quando você aprende e compreende racionalmente a respeito de alguma coisa.
  2. Empírica, quando você tem ou testemunha a experiência da coisa conhecida.
  3. Participativa, quando você participa da energia da coisa conhecida.
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  • Relacionado a Deus, o conhecimento informacional é o típico da doutrina e do dogma.
  • O conhecimento empírico é o que alguns místicos e abençoados da Graça têm em caráter excepcional para benefício de todos, seja em êxtases, visões ou profecias.
  • O conhecimento participativo de Deus, ironicamente, é o mais acessível a qualquer um, o mais intenso, o conhecimento final para o qual Deus encarnou-Se e o mais difícil de manter.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Asceticismo e a Sociedade Livre





Na última sexta-feira tive a oportunidade de apresentar um trabalho na conferência anual do Instituto Sophia, no Union Theological Seminary. O tópico deste ano era "Casamento, Família, e Amor na Tradição Ortodoxa". O título do meu trabalho foi "O que constitui uma sociedade?" e focava, no contexto do casamento e da família, no desenvolvimento de uma resposta cristã ortodoxa para a questão. As respostas católico-romanas e neo-calvinistas, respectivamente subsidiariedade e esfera de soberania, embora não mutuamente exclusivas, recebem atenção frequente no PowerBlog, mas, até onde sei, nenhuma resposta ortodoxa foi claramente articulada, e por isso pode ser difícil saber onde começar. Estou convicto, porém. que, conforme o tópico da minha pesquisa, que uma resposta ortodoxa historicamente razoável para essa questão pode ser encontrada no conceito de asceticismo, corretamente entendido.

Embora eu não vá reproduzir meu trabalho aqui, pretendo resumir brevemente dois de seus pontos fundamentais que podem ser de interesse geral. Primeiramente, o que é asceticismo? Em segundo lugar, como pode o asceticismo ser visto como um princípio organizacional da sociedade? Finalmente, tenciono explorar rapidamente a relevância deste princípio para uma sociedade livre, tema que vai além do escopo do meu trabalho.

Considerando a primeira questão, é muito importante reconhecer que existem muitas formas de asceticismo. A palavra vem do grego "askesis" e significa basicamente "exercício". Aplicada a nossas vidas espirituais, possui a conotação de recusar confortos para o corpo com o fim de treinar nossas almas através de oração, jejum, doação de esmolas, etc. Mais frequentemente, entretanto, as pessoas lembram apenas dos sentidos negativos quando escutam a palavra, como, por exemplo, o tipo de asceticismo que S. Paulo denuncia na Epístola aos Colossenses dizendo: 

Se em Cristo estais mortos aos princípios deste mundo, por que ainda vos deixais impor proibições, como se vivêsseis no mundo?
Não pegues! Não proves! Não toques!,
proibições estas que se tornam perniciosas pelo uso que delas se faz, e que não passam de normas e doutrinas humanas.
Elas podem, sem dúvida, dar a impressão de sabedoria, enquanto exibem culto voluntário, de humildade e austeridade corporal. Mas não têm nenhum valor real, e só servem para satisfazer a carne. 
Colossenses 2:20-23

O problema com este tipo de asceticismo era que ele confundia os meios com os fins. As disciplinas ascéticas (oração, jejum, esmolas, simplicidade, etc) não são um fim em si mesmas, não para o cristão ao menos. A atitude correta pode ser vista em muitos dos ditos dos pais do deserto, nos quais, por exemplo, eles criticam os que recusam hospitalidade em nome do jejum.

Ao invés, de acordo com S. Moisés, o Etíope, estas disciplinas "devem ser degraus de uma escada na qual o coração ascende ao perfeito amor". E de acordo com o Pe. George Florovsky, "o verdadeiro asceticismo é inspirado não pelo desdém, mas pelo desejo de transformação". O corpo não é visto como algo mau e que merece ser mal-tratado, mas como um instrumento para melhorarmos nossas almas, exercitando-nos nas virtudes e, em última instância, no amor. É o meio pelo qual mortificamos nossos membros na terra e colocamos nossas mentes nas coisas que são de cima (cf. Colossenses 3:1-11). Desta forma, o asceticismo cristão tem, na verdade, uma visão excepcionalmente elevada do corpo: ele não é mau, nem sem valor espiritualmente, mas essencial para nosso desenvolvimento espiritual.

Mas como pode o asceticismo, de ordinário associado exclusivamente com monges e místicos, ser um princípio social? Como escrevi em meu trabalho,

Podemos confirmar isto refletindo nos hábitos cotidianos da família. Não chamamos de disfuncional a família na qual as crianças podem comer sorvete no café-da-manhã, onde a família não passa nenhum tempo juntos voluntariamente, e a desobediência nunca é disciplinada? Não chamamos, com razão, de irresponsáveis os pais que abandonam seus filhos, recusando-se a sacrificarem-se para prover a eles, e que, ao invés, buscam uma existência egoísta? Famílias saudáveis, por outro lado, têm refeições juntas de acordo com as limitações dietéticas auto-impostas ("coma seus legumes, depois pode comer a sobremesa", por exemplo); eles compartilham espaços e tempo uns com os outros; os pais sacrificam seu tempo e desejos para trabalhar para prover para seus filhos; os filhos tem o dever de realizar tarefas domésticas para contribuir com a casa, e assim por diante. A sociedade simplesmente não "funciona" sem a auto-renúncia ascética.

Em meu trabalho, clarifico: "É verdade, tal asceticismo pode ser considerado leve por qualquer padrão e não a corporificação perfeita do ideal, mas o princípio básico deve, mesmo assim, estar presente." Compreendido desta forma, não há sociedade que possa sobreviver sem algum grau de asceticismo.

Eu acho esta perspectiva particularmente adequada à tradição ortodoxa porque ainda existe uma expectativa de que todos pratiquem o asceticismo em certa medida. Quartas e sextas são dias de jejum, e os períodos do Advento e da Quaresma, entre outros, são épocas nas quais maior ênfase é dada, não apenas ao jejum, mas também à oração, esmolas, simplicidade, arrependimento, etc. O asceticismo intencional é ainda um elemento fundamental do ethos ortodoxo, e a tradição ortodoxa está cheia de sabedoria sobre o modo ascético de vida.

Tudo isto está bem e é bom, mas o que significa para uma sociedade livre? De acordo com Edmund Burke,

A sociedade não pode existir, a menos que um poder que controle a vontade e o apetite seja colocado em algum lugar, e quanto menos exista interiormente, mais dele existirá exteriormente. Está ordenado na constituição eterna das coisas, que homens de mentes intemperantes não podem ser livres. Suas paixões forjam seus próprios grilhões.

O asceticismo é historicamente o meio pelo qual os cristãos esmerilham-se, em cooperação com a Graça, para colocar um "poder que controle a vontade e o apetite". Quanto mais autodomínio as pessoas tiverem dentro de si, mais limitado o governo delas pode ser. Quanto mais austeras as próprias pessoas forem, mais terão para dar ao próximo, reduzindo a necessidade de assistência do governo. É assim que a austeridade no governo requer uma cultura de austeridade e generosidade.

Em nossa nação hoje em dia (o autor refere-se aos EUA), ambos são largamente necessários. Temos um problema com o débito que apenas se torna maior a cada dia, e uma parcela significativa disto é devido a termos realizado promessas às gerações futuras que não podemos realisticamente manter se nossas atitudes e práticas em relação a dívidas e déficits não mudarem. Estamos, ao mesmo tempo, prometendo às nossas crianças todo tipo de direitos, muitos dos quais louváveis e que valeriam preservar, mas os quais, postos todos ao mesmo tempo, são economicamente insustentáveis em nosso atual estado. Se quisermos que nosso governo torne-se mais austero em prol da responsabilidade fiscal - e devemos querer isso - então também temos que encorajar uma cultura mais ascética, na qual a austeridade é realizada por generosidade e amor, ou seja, o verdadeiro asceticismo. O asceticismo deve ser visto como um modo de vida, que mantém a sociedade coesa, e por meio do qual somos verdadeiramente livres. De outra forma, seremos prisioneiros de nossas paixões que "forjam nossos grilhões", e precisaremos apenas olhar no espelho para sabermos a quem devemos culpar.

domingo, 9 de dezembro de 2012

A Transfiguração da Criatividade


A transfiguração da criatividade não é apenas uma espera ou prelúdio da transfiguração vindoura; é em si mesma sua precedência, seu início real. E pela força desta criatividade, dentro das fronteiras da história, o supra-histórico é alcançado, quer dizer, aquilo que ultrapassa estas fronteiras da história. Isto aplica-se em primeiro lugar à alma do homem, e realiza-se mais vividamente na adoração divina, prementemente na adoração Eucarística, na qual o tempo misteriosamente dissolve-se na eternidade. Mas, de certa forma, isto também se aplica a toda criatividade do homem.

O resultado é uma certa justificação por um tipo de indiferença às coisas terrenas que não podem e não devem possuir dimensões eternas, e que, por consequência são "vãs" e "fúteis" na perspectiva escatológica. Nisto encontra-se a antinomia fundamental da atitude cristã para com a história e a cultura. Pois o Cristianismo é essencialmente histórico, e a história lhe é um process
o sagrado. E, ao mesmo tempo, o Cristianismo pronuncia um julgamento (uma condenação), sobre a história, é em si mesmo uma abolição da história. Pois a plenitude será alcançada na abolição de toda história, através do fim do tempo. Não como resultado de uma sequência de gerações, mas através da restauração de tudo o que morreu.

Tudo isso implica na abolição de toda cultura - pelo menos em tudo que nela há de histórico - não, porém, por rusticidade ou incultura, pois, se assim fosse, significaria uma perda de energia espiritual. A cultura é abolida pelo amor de algo maior e mais alto "que não pode ser contido por orlas terrenas". Portanto a cidade "terrena" perde seu significado pois "buscamos a que está por vir". Pois o Cristianismo é "boa nova" e uma expectativa do fim, consumação e recapitulação, anastasis e apokatastasis.

Pe. George Florovsky em "Asceticism and Culture in the Later Eastern Church (Fragments)"

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Patriarca Bartolomeu I sobre o Filioque



Patriarca Ecumênico:


"Com o Filioque, novas cacadoxias, cismas e heresias foram criadas"



Fonte: "Orthodox Press" - 5/11/2010
http://www.oodegr.com/english/papismos/filioque_cacodoxies.htm



O Patriarca Ecumênico Bartolomeu realizou uma visita oficial e pacífica ao Patriarca da Romênia.


Durante sua visita, ele participou e dirigiu-se ao Santo Sínodo do Patriarcado da Romênia.



Durante sua fala, e depois de referir-se às relações do Patriarcado Ecumênico com o Patriarcado da Romênia, ele disse o seguinte entre outras coisas:



"O Santo Primeiro Sínodo Ecumênico de Niceia da Betânia foi convocado, como sabemos, com o propósito de confrontar a horrenda e blasfema heresia do Arianismo.



O território de Wallachia havia sido igualmente afligido pela calamidade ariana, e mesmo dois bispos da Wallachia - Ursacius e Valens - tinham aceito a heresia e se tornado lobos selvagens ao invés de pastores. Mas felizmente, existiam de fato bons pastores - como existiam em toda a Igreja, que permaneceram vigilantes pelo rebanho das ovelhas racionais de Cristo - e firmes defensores da fé Ortodoxa. Entre eles estava o Bispo Teófilos de Dakia, que foi um dos 318 Santos Pais do 1o. Sínodo Ecumênico e um dos signatários de suas decisões. Subsequentemente, a Igreja romena acrescentou razões para comemorar festivamente o aniversário conduzido.



Os 318 Pais não eram meros bispos ou clérigos. Eram verdadeiros portadores-de-Deus; eles tinham Cristo habitando em seus corações e o Espírito Santo completava sua existência. Eles haviam transcendido o estágio da catarse (purificação), já haviam subjugado todas as paixões repreensíveis e tinham recebido a iluminação divina, que lhes deu o potencial de discernir entre a verdade e a falsidade; entre a luz e as trevas, entre a vontade divina e a vontade do astucioso. Eles foram ricamente agraciados com os frutos do Espírito, "toda bondade, justiça e verdade"(Ef. 5:9). Eles já eram portadores-de-Deus. Era precisamente neste detalhe que eles diferiam de Ário e de todos os hereges, que queriam fazer teologia sem os pre-requisitos da santidade pessoal e que inevitavelmente naufragavam nas obscuras profundezas da ilusão, tagarelando sobre assuntos divinos e não teologando.



Quando Atanásio, o Grande, falou, ele pronunciou as palavras de Deus, O Qual habitava em seu coração. É por isso que o termo "homoousios" (consubstancial) não foi algo inventado por ele, mas uma informação inerrante dada pelo Espírito Santo. Quando Santo Espiridião realizou o milagre com o fragmento de cerâmica, foi o Deus Triuno Quem interviu. Quando São Nicolau confrontou a blasfêmia de Ário de forma veemente e militante, era o próprio Deus quem estalava a chibata da ira de Seu, normalmente desapaixonado, bispo.



É nas pessoas dos Pais que constituíram o Santíssimo Sínodo Patrístico, que temos o exemplo perenial da Teologia inerrante e do precioso arquétipo de um genuíno pai e professor. O 1o Santo Sínodo escreveu - caros irmãos - o primeiro Símbolo da Fé, o qual foi mais tarde completo pelo 2o Santo Sínodo Ecumênico de Constantinopla em 381, com seus 5 últimos artigos. Ambos os santos sínodos serviram ao mais sagrado e nobre propósito na vida dos Cristãos, que não é outro senão a unidade, a concordância na paz da Igreja.



Através de sua determinação dogmática, a qual está sucintamente cristalizada no Símbolo sagrado, eles delinearam o "básico" da fé ortodoxa, cuja transgressão coloca o que ousa perpetrá-la, fora do corpo da Igreja.



No Fanarion, no antigo hall de conferência de nosso Santo e Sagrado Sínodo do Patriarcado Ecumênico, entre outros temas representados, está artisticamente inscrito em nossas quatro paredes o Credo Niceno-Constantinopolitano, o qual claramente denota - na semelhança com um círculo de fogo - aquele "básico" que ninguém pode pensar em ignorar ou contornar.

Bastou, muito tempo depois, a adição de uma única palavra, o conhecido "filioque" para criar novas cacadoxias e cismas e heresias, as quais, até hoje aprisionam a cristandade ocidental longe do Oriente Ortodoxo.



Como observado muito inteligentemente por um teólogo contemporâneo, o Símbolo é um estandarte espiritual, e estandartes têm a missão de unir pessoas de grupos de pensamentos afins, sob ideais comuns. Nós, portanto, que reverentemente cremos em Cristo, nos encontramos sob o estandarte do sagrado Símbolo Niceno-Constantinopolitano que proclama em alto e bom som Quem é o Deus Vivo, Sua Providência por amor de nós, qual é a verdadeira Igreja e qual é a esperança daqueles que crêem.

Nos tempos antigos, o Certificado de Batismo emitido por certas províncias do Patriarcado Ecumênico costumavam ter impressas em circuferência à volta do documento, todo o Sìmbolo, que atuava como conveniente lembrança para o batizado, sobre a verdade salvífica.



E é esta fé salvífica e precisa que somos chamados, nos dias presentes, a preservar sem adulterações e sem danos como um item valioso, assim como devemos vivê-lo em nossas práticas diárias, seguindo nos passos dos Pais Portadores-de-Deus e todos os Santos ao longo dos tempos."

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Em quem votar segundo a Santa Igreja


Estamos em ano de eleição no Brasil. Oportunamente, encontrei um conselho do Ancião Paisios, um sábio e provavelmente santo grego do século XX, sobre como escolhermos nosso candidato de forma cristã. 

Algumas pessoas foram visitar o ancião Paisios pouco antes das eleições e lhe perguntaram em quem deveriam votar. Ele respondeu:

- Vote em quem você acreditar que é o melhor. Naquele que amar a Deus e seu país.

Os visitantes redarguiram:

- Mas eles são todos iguais, pai!

O ancião continuou:

- Vejam bem, todas as oliveiras são iguais. E todas são atacadas pela mesma doença chamada dakos. Mesmo assim, algumas são afetadas em 100%, outras em 80% e outras em 50%. Já que precisamos das oliveiras, temos que procurar as que estão menos contaminadas. Quando vamos votar, devemos sempre ter em mente duas coisas: a) o quanto o candidato ama a Deus e portanto é um membro consciente da Igreja, e b) o quanto ele ama seu país e olha apenas pelo interesse da nação e não pelo seu próprio interesse. Se alguém utiliza outro critério para votar, ele está agindo por auto-interesse e não está se comportando como um verdadeiro cristão. Amanhã, a justiça divina permitirá que ele pague por seu erro.
Fonte: Elder Paisios of the Holy Mountain, p 123 

sábado, 23 de julho de 2011

Amy Winehouse e a Incoerência

As pessoas reclamam de vivermos em uma época que preza o ter acima do ser, e que mede as pessoas como objetos pelo que elas podem oferecer e fazer ao invés do que pelo que são.

Pois bem. Morre uma pessoa que no quesito ser era auto-destrutiva, abusava do poder que tinha (talento e beleza são formas de poder), e recusava toda ajuda. Sua única qualidade redentora era... cantar bem, uma qualidade puramente técnica. E porque essas músicas eram agradáveis todo o resto do que ela foi não importa.

Ele é corrupto, mas ajuda a gente, ela é auto-destrutiva e um exemplo corruptor, mas é bonita e canta bem, ele é promíscuo e desrespeita as mulheres, mas é bom ator, ela é burra e superficial, mas tem um corpão. Oras, meu povo, mais critério e coerência

Que Deus se apiede de sua alma, não lhe impute suas faltas porque todos somos miseráveis e pecadores! Senhor tem piedade da alma de tua criatura, vira Tua face das acusações do inimigo, e que Teus anjos a protejam!

Foto de Amy Winehouse quando era criança, antes das opções que acabaram com sua vida. Que seja assim que ela seja recebida por Deus, mas que tenhamos o discernimento de não seguir o seu exemplo nem glamurizar seus erros. Como disse o padre ortodoxo americano Moisés, quando ele vê mulheres se prostituindo na rua, pessoas se drogando, bandidos de todo matiz na prisão, a forma que ele tem de estimular o amor por eles é lembrar que "um dia, todos estes eram crianças brincando no parquinho". Algo deu errado no meio do caminho. Que Deus tenha piedade!

domingo, 12 de junho de 2011

Jugo Desigual

por Padre Chris Metropulos
20 de outubro de 2009


Fonte: HELLENIC Communication Service
http://www.helleniccomserve.com/crtlunequallyyoked.html




Parece que todo lugar em que olhamos hoje em dia, tem alguém falando sobre o casamento. No mundo político, o assunto do assim chamado "casamento gay" é cheio de raiva. O New York Times recentemente publicou que pela primeira vez na história dos EUA o número de mulheres solteiras é maior que o número de mulheres casadas: 51%.

Os comerciais de TV e a internet anunciam websites feitos para te ajudar a encontrar um parceiro, e têm lucrado muito. Há artigos sobre solidão, sobre os problemas dos casamentos, e sobre realização pessoal que condicionam uma mentalidade sobre relacionamentos que parece contrária à sabedoria preservada na Igreja.

Então, como devemos interpretar estes "sinais dos tempos"? Eu sugiro que o entendimento atual sobre o que é o casamento e o que os relacionamentos foram feitos para ser é incompleto para dizer o mínimo.

Vivemos em uma época na qual "eu tenho o direito de ser feliz" parece estar no topo das prioridades da cabeça de todos. O casamento é visto como uma forma de realização pessoal e de felicidade. As relações são avaliadas por quão "felizes" elas fazem as pessoas, e quando a pessoa não se sente mais "feliz" então a relação "acabou". "Minha felicidade" é a medida de todas as coisas e quando esta é abalada, então a fuga é a resposta.

Se este é o modo pelo qual a maioria das pessoas trata o casamento e as relações, será alguma surpresa que exista tanto medo de compromisso e um indíce tão alto de divórcio?

A Igreja nos oferece uma visão radicalmente diferente do casamento e das relações. A Fé nos diz que o casamento não é sobre felicidade pessoal, mas sobre salvação pessoal. As relações nos são dadas, não com fins utilitários de fazer-nos felizes, ou de fazermos crianças, ou mesmo para o sucesso econômico. Eles nos são dadas para nos ajudarem a sermos como Cristo em nossas atitudes e comportamento. As relações foram feitas por Deus para servir como caminhos que nos chamam a sermos cristãos.

Não surpreende que o Apóstolo Paulo tenha insistido que "Não vos prendais a um jugo desigual com os infiéis; porque, que sociedade tem a justiça com a injustiça? E que comunhão tem a luz com as trevas?" (2 Coríntios 6:14). Com esta atitude cristã sobre o casamento e as relações, você não escolhe alguém para casar baseando-se na aparência, no dinheiro, ou mesmo na atração física. Você escolhe primariamente baseado em como aquela pessoa pode te ajudar a ser o melhor cristão que você pode ser. Sem isso como o critério primário para seu parceiro pela vida toda, você só vai alimentar a noção de relações descartáveis.

Aqui estão três modos de evitar o 'jugo desigual" e realizar uma escolha sábia para casar-se.

Primeiro - Escolha baseado na Fé. Ninguém deve ter medo de encontrar um parceiro que ame a Deus mais do que o/a esposo/a. A verdade é que um esposo que é comprometido com Cristo e Sua Igreja é uma escolha melhor do que alguém morno na fé. Um cristão ortodoxo comprometido irá levar a sério os mandamentos do Salvador de amar e servir e de fazer o casamento o mais forte possível.

Segundo - Escolha baseado em camaradagem. Um esposo é mais do que um parceiro econômico ou mesmo uma fonte de prazer sexual. Seu esposo é seu companheiro de vida. Isto significa que esta pessoa precisa ser alguém com quem você pode passar durante tempos difíceis. É alguém que vai te ajudar nas horas difíceis e se alegrar contigo nas horas felizes.

Finalmente, escolha baseado na família. Qual é a atitude do seu potencial esposo em relação à família? É a mesma que a sua? Vocês serão pais comprometidos e criar seus filhos em um lar cristão ortodoxo? As respostas a tais questões são fundamentais para que qualquer casamento seja o que ele foi feito para ser.

O maravilhoso paradoxo disso tudo é que quando você procura primeiro o Reino de Deus e coloca a sua fé como a prioridade maior da sua vida, felicidade e alegria te encontram por si sós. Você não estará o tempo todo lutando para ser feliz ou, pior ainda, dependendo de outros para te fazerem feliz. Você vai descobrir que focar a sua vida em Cristo traz todas as outras coisas que você esperava e que você será capaz de recebê-las como presentes ao invés de como um "direito" de uma vida auto-centrada e amesquinhadora da alma.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Morar Junto Sem Casar Causa Depressão



Vocês querem ser modernos e práticos, deixam todo aquele papo de altar, convites com frufru e bolo de vários andares pra lá, juntam as trouxinhas e vão morar juntos. Pronto: na prática,estão casados. Mas, também na prática, têm chances bem maiores de acabarem de cara feia e sem vontade de sair da cama (pelos motivos errados) do que os casais de papel passado. “Casais que apenas moram juntos reportam níveis mais altos de depressão do que os que são casados”, alertam pesquisadores da Bowling Green State University, em Ohio (EUA). O motivo? Aquele sentimento de falta de estabilidade no relacionamento, que atinge os “juntados” 25% mais do que os casados pela lei. “E isso é especialmente verdade entre os casais que estão juntos há muito tempo”, diz o estudo. E aí, quer repensar essa modernidade toda?
http://super.abril.com.br/blogs/cienciamaluca/morar-junto-sem-casar-causa-depressao/

sexta-feira, 18 de março de 2011

Anúncio sobre Vassula Ryden pelo Patriarcado Ecumênico



A Igreja Ortodoxa, seguindo estritamente o exemplo e o ensino luminosos dos Santos Apóstolos, o ensino dos Pais da Igreja que sucederam estes Apóstolos, e as decisões divinamente inspiradas dos Sínodos Ecumênicos, resguarda como uma pérola valiosa a fé da Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica a qual é vivenciada por todos os cristãos através da participação nos Sacramentos e toda a vida espiritual do divinamente fundado corpo eclesiástico.

Portanto, são rejeitados sempre como uma inovação inaceitável, quaisquer movimentos ou tensões geradas, pessoais ou coletivas, em menosprezo ou ruptura com os dogmas da fé e vida cristã ortodoxa dentro da Igreja como único caminho para a salvação de nossas almas, especialmente as auto-proclamadas personalidades "supostamente carismáticas".

Neste espírito, e para a proteção benéfica da plenitude dos fiéis ortodoxos em face de uma perigosa confusão espiritual, ao não perceberem bem as questões nais quais há risco de ilusão, expulsamos da Igreja Mãe, Vasiliki Paraskevis Pentaki-Ryden, conhecida como "Vassula", e sua organização fundada sob o título "Verdadeira Vida em Deus"(True Life in God) que precipitada e frivolamente prega ensinos baseados no suposto "diálogo direto entre ela(Vassula) e o Fundador da Igreja, Jesus Cristo, Nosso Senhor"; assim como (expulsamos) os que foram conquistados por ela e os apoiadores do "Verdadeira Vida em Cristo", que escandaliza a mentalidade ortodoxa dos crentes piedosos,e se desvia voluntariamente dos ensinos da Igreja, dados por Deus.

Assim, convocamos todos os proponentes destas inovações inaceitáveis e os apoiadores que as mantêm, os quais a partir de agora não são mais aceitos na comunhão eclesiástica,  não somente a não estarem envolvidos no trabalho pastoral da sua Santa Metrópolis local, mas também a não pregarem os ensinos novos, para que se evitem as devidas sanções de acordo com os Santos Cânones.

Expressamos, finalmente, a profunda tristeza do Patriarcado Ecumênico a respeito dos atos de nove membros do clero da Igreja Ortodoxa - felizmente são poucos - que se descobriu estarem em diálogos com a dita "Vassula" e lhe concederam um "certificado de Ortodoxia".

No Patriarcado, 16 de março de 2011
do Secretário-Chefe do Santo e Sagrado Sínodo

Original: http://www.ec-patr.org/docdisplay.php?lang=gr&id=1306&tla=gr
Traduzido do inglês, no site: http://www.johnsanidopoulos.com/2011/03/announcement-on-vassula-ryden-by.html

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Sobre a Beleza

Ao escritor ortodoxo Dostoievsky é atribuída a citação que diz "a Beleza salvará o mundo". Evidentemente não falava da beleza mundana, aquela que meramente nos atrái, mas sim da Beleza sublime, aquela que nos eleva, destacada por Platão e Aristóteles como idêntica ao Justo e ao Bom. Falava da Beleza consagrada na obra máxima da espiritualidade ortodoxa depois da Bíblia, a Filokalia (de "filo" que significa o amor de amizade, e "kalia" significando "ao que é Belo"). Assim como a Grécia antiga nos deu a Filosofia,o amor à sabedoria, a Grécia cristã nos deu a Filokalia, que nada mais é que o viver filosófico imerso na graça salvífica do terno amor da Santíssima Trindade por nós. 

Essa Beleza verdadeira tem sido abandonada pela cultura auto-proclamada superior desde há muito tempo. Nós vivemos uma fase que o filósofo brasileiro Olavo de Carvalho identifica precisamente como "apeirokalia", a falta da experiência do que é belo, isto é, nós somos educados e vivemos nossas vidas sem sequer conhecer este belo sublime. Felizmente, é claro, a ortodoxia cristã preservou esta experiência do Belo na arquitetura e design das igrejas ortodoxas tradicionais, nos ícones escritos de acordo com os padrões tradicionais que existem não por "imposição", mas porque são os instrumentos adequados para a expressão do sublime na vida de Cristo e dos santos, e que, afinal, é uma só. Preservamos a experiência do Belo também na música religiosa ortodoxa tradicional, que realmente não é feita para ser apetecícel, isto é, não é feita para ser agradável, mas para operar terapeuticamente em nossa alma e sensibilidade. De fato, a música ortodoxa tradicional, em conjunção com as Liturgias, as leituras e as festas da Igreja, são uma terapia de cura da nossa alma, do nosso estado decaído pelo pecado e, inclusive, da nossa percepção do Belo. 

Como testemunho dessa problemática em relação ao Belo, trago um artigo de um apresentador inglês de documentários. Ele apresentou um programa sobre o Belo na arte e o texto abaixo é seu testemunho e opinião a respeito da reação que obteve do público.

Sobre a defesa da beleza
ROGER SCRUTON | 04 JANEIRO 2011

O que eu sei é que muita gente por aí sente o que eu sinto. Eles concordam comigo que a beleza importa, que a profanação e o niilismo são crimes e que deveríamos encontrar um modo de exaltar nosso mundo e dotá-lo de uma significação mais do que mundana.

Para o bem e para o mal, eu sou identificado pelas elites britânicas como a pessoa com quem se pode contar para defender o indefensável e que se pode permitir defender o indefensável, mesmo em uma televisão estatal (quer dizer, a BBC), desde que a defesa seja suficientemente diluída por outros defendendo o óbvio. No código oficial, "indefensável" quer dizer "conservador", enquanto que "óbvio" quer dizer "liberal-esquerdista". Assim sendo, quando a BBC me pediu para participar de uma série de televisão sobre a beleza, esperava-se que eu sustentasse que uma tal coisa realmente existe, que não é só uma questão de gosto, que ela está ligada ao nobre, àquilo que se deve aspirar e ao que há de sagrado em nossos sentimentos, e que a cultura pós-moderna, que enfatiza a feiúra, o desalento e a profanação, é uma traição a um chamado divino. Então, foi isso o que eu disse, já que, afinal de contas, era para isto que eles estavam me pagando. Para alcançar o equilíbrio que a BBC é obrigada por seu regimento a apresentar, dois outros programas foram encomendados, reafirmando as ortodoxias. Eles afirmaram que a arte não tem a ver com a beleza, mas com a originalidade e a originalidade quer dizer você se exibir com a língua (ou algum outro órgão apropriado) para fora.

Em "Por que a beleza importa" (http://www.youtube.com/watch?v=65YpzZrwKI4) , eu falei um pouco sobre arte, mas estava mais preocupado em chamar atenção para o lugar da beleza na vida cotidiana -- nas maneiras, nas roupas, na decoração de interiores e em edifícios vernaculares comuns. Eu critiquei tanto a arquitetura funcional de concreto e vidro, que destruiu cidades em todo o mundo, quanto as maneiras egocêntricas que fizeram o mesmo com a vida doméstica. Tentei explicar por que os filósofos do Iluminismo acompanharam Shaftesbury ao colocarem a beleza no centro do novo código de valores seculares. Para Shaftesbury, Burke, Kant, Schiller e seus seguidores, sugeri eu, a beleza era o caminho de volta para o mundo que eles estavam perdendo, com a perda do Deus cristão -- o mundo do sentido, da ordem e da transcendência, que deve ser constantemente emulado neste mundo se quisermos que nossas vidas sejam verdadeiramente humanas e verdadeiramente plenas de significado. E afirmei em seguida que desde as piadas pueris de Marcel Duchamp, repetidas reiteradas vezes em toda mostra de faculdade de graduação em artes na Grã-Bretanha, um hábito de sarcasmo e profanação tinha se apoderado do exercício das artes visuais.

Por isso, os artistas britânicos de hoje - pelo menos os reconhecidos pela cultura oficial - não têm muito mais a nos mostrar além do quanto são repulsivos. Me parecia óbvio que a pintura de Delacroix mostrando sua cama por fazer ( http://is.gd/k60DO , na Maison Delacroix, em Paris) era uma verdadeira obra de arte, que mostra algo sobre a condição espiritual humana, enquanto que a famosa cama de Tracey Emin ( http://is.gd/k60XQ , na galeria Tate Modern, em Londres) é só uma cama desarrumada. Podemos deduzir, pela visão desta cama, um bocado a respeito da pessoa que a desarrumou, mas isto não a distingue de nenhum outro entulho deixado no rastro de uma vida humana. O sentido superior que é a meta da arte -- o sentido que mostra por que a vida importa -- é algo que esta cama não alcança nem tem como meta.

Eu recebi mais de 500 e-mails de telespectadores, todos eles, exceto por um, dizendo: "Graças a Deus alguém está dizendo o que é preciso ser dito," metade deles acrescentando, "mas como é que deixaram você dizer isso na BBC?" ( http://is.gd/k623p ) Enquanto isto, os colunistas juntaram-se em bandos para lamentar o caráter triste, anômalo e reacionário do pobre Scruton, e agradecer à BBC por mostrar o absurdo e o anacronismo das opiniões do professor, já bem idoso. Waldemar Januszczak, que fez um outro dos filmes da série sobre a beleza, preparou um verdadeiro libelo para assassinato de caráter no Sunday Times ( http://is.gd/k62nc ), a fim de aconselhar a seus leitores, antes da exibição de meu filme, a desconsiderarem o que quer que eu pudesse tentar lhes dizer.

O episódio foi, para mim, revelador e instrutivo a respeito de meu país e sua cultura. Eu não digo que meu filme tivesse qualquer outro mérito além de sua honestidade. Mas ele gerou provas esmagadoras de que sua visão da arte e da estética é compartilhada por muitos espectadores britânicos e que a cultura oficial não está só divorciada destas pessoas, mas é profundamente hostil ao que elas acreditam, o que elas sentem e ao que elas aspiram. A arte niilista de nossa época é repassada ao povo britânico como uma reprimenda, que ele deve aceitar com toda humildade e em um espírito de desculpas por ter querido algo de "superior." Não há nada de superior -- esta é a lição a ser aprendida com a Arte Jovem Britânica (http://en.wikipedia.org/wiki/Young_British_Artists), e com as pilhas de lixo sem nexo que ela manda para nossos museus e galerias. Só podemos entender a condição humana, ela nos diz, se adotarmos uma postura de grosseria e confrontação e se pusermos a língua para fora.

ESTE É SÓ UM ASPECTO DE algo que os americanos em visita à Grã-Bretanha notam cada vez mais. Nos anos 50 e 60, quando minha geração estava crescendo, os britânicos eram ativamente engajados pelo sistema educacional e os mundos da arte e da religião, em uma cultura da aspiração. Esta foi a época de Henry Moore ( http://pt.wikipedia.org/wiki/Henry_Moore ) e Benjamin Britten ( http://pt.wikipedia.org/wiki/Benjamin_Britten ), de Graham Sutherland ( http://en.wikipedia.org/wiki/Graham_Sutherland )e Michael Tippett ( http://en.wikipedia.org/wiki/Michael_Tippett) . W. H. Auden ( http://pt.wikipedia.org/wiki/W._H._Auden )era uma voz importante, assim como era o ex-americano T. S. Eliot ( http://pt.wikipedia.org/wiki/T._S._Eliot ). A Grã-Bretanha era um lugar de grande significação hístórica e religiosa. Era um privilégio pertencer a esta terra e por toda a parte a história nacional tinha deixado as marcas e os prodígios de um modo de vida superior. Correndo o risco de exagerar, pode-se dizer que meu país, naquela época em que a geração do baby boom avançava em direção a uma perpétua imaturidade, era um ensaio da redenção. Sua arte, cultura e religião eram devotadas ao ideal de uma comunidade na qual a decência, a curiosidade e a abnegação mandavam em tudo. E lá permanecia, como uma espécie de sobra da propaganda do período da guerra, a crença no gentleman, que encara a vida com uma postura de devoção em auto-sacrifício a ideais sem sentido -- quer dizer, sem sentido segundo o ponto de vista do observador cínico, mas que não eram sem sentido de forma alguma, dado o espírito com que eram aceitos.

O americano em visita à Grã-Bretanha hoje, e sobretudo se ainda tiver lembrança daquele mundo extraordinário no qual a decência, a auto-censura e o queixo duro eram os princípios dominantes, muitas vezes recua com horror diante do que encontra. A cultura pública é a do apetite e da sátira e o país inteiro parece querer escandalizar, como se estivesse com uma língua coletiva para fora. Muitos amigos americanos me dizem isto e falam sentidos a respeito da mudança daquela Grã-Bretanha que eles costumavam visitar com uma sensação de estarem voltando para casa, para esta Grã-Bretanha que eles visitam hoje, que é uma terra de estranhos. O estranho, entretanto ( e a reação a meu filme parece confirmar isto) é que muitos dos britânicos concordam com eles. Os britânicos estão numa terra de estrangeiros e a cultura que os governa é de uma natureza a qual muitos de meus compatriotas não podem pertencer de coração.

O espírito oficial que predomina nas escolas e universidades e também no Partido Trabalhista é de desprezo e repúdio aos antigos ideais. A cultura oficial britânica é retratada com exatidão pela cama de Tracey Emin. É uma cultura de caos emocional e simpatias aleatórias, na qual lealdades tradicionais não desempenham nenhum papel. A própria Emin é filha ilegítima de um cipriota turco e sua situação é típica de sua geração. Incapaz de se identificar com um país ou um modo de vida, educada por um currículo de contos de fada multiculturalistas e aprendendo na escola de arte que você encontra seu lugar no mundo através da transgressão e da auto-exibição, ela teve o bom-senso de ser um verdadeiro caos visível ao público. Seus trabalhos podem não ser obras de arte, no sentido de que minha geração foi educada a compreender este selo honorífico, mas eles mostram um mundo que a cultura oficial da Grã-Bretanha optou por endossar.

A prova circunstancial da reação a meu filme não demonstra nada. O que eu sei é que muita gente por aí sente o que eu sinto. Eles concordam comigo que a beleza importa, que a profanação e o niilismo são crimes e que deveríamos encontrar um modo de exaltar nosso mundo e dotá-lo de uma significação mais do que mundana. Mas talvez haja muitos ou até mais que acreditam na fábula "multicultural" oficial, que nos diz que não há nada de especial na Grã-Bretanha, que os antigos ideais e dignidades são meras ilusões e que o objetivo da arte é cobrir de desprezo os valores de pessoas antiquadas. E a impressão dos visitantes americanos é correta; não é só a cultura oficial, mas a geração ascendente de Neo-Britânicos que se decidiu pela zombaria à dignidade e pela transgressão às normas da vida social. Se for assim, então se fez justiça a pelo menos uma parte de meu filme: a saber, que a beleza importa e que não se pode cobrir de desprezo a beleza sem perder de vista o sentido da vida.




Roger Scruton: The American Spectator, 15 de maio de 2010

Original: On Defending Beauty

Tradução e links: Dextra
http://www.midiasemmascara.org/artigos/conservadorismo/11739-sobre-a-defesa-da-beleza.html

sábado, 1 de janeiro de 2011

A Festa do Tempo

http://www.pravmir.com/article_1196.html

Igúmeno Simeão (Gagatik)
01 de Janeiro de 2011



Na véspera do ano novo, muitos meditam sobre o significado desta festa e sobre porque tantos amam esta data. Existem também alguns irmãos queridos que questionam porque os cristãos ortodoxos deveriam associar qualquer significado especial a esta data.

Desde minha ordenação, eu começo todo ano novo com as palavras: "Bendito é o Reino do Pai, e do Filho e do Espírito Santo, agora e sempre e na era das eras". Este momento é sempre um dos mais bonitos que eu tenho.

E por que? Porque é belo glorificar o Reino da Santa Trindade no primeiro momento do ano. É por isso que esta festa religiosa é tão maravilhosa e bonita.

"Religiosa?" - alguns podem perguntar. Sim, precisamente uma festa religiosa. Temos esta festa em nosso Menaion, onde é chamada de "Início do Novo Ano". É comemorada de acordo com o Typikon, com a Grande Doxologia. Muitos poderiam dizer: "Mas esse é o início do Ano Novo Eclesiástico, no dia 01 de setembro". A questão é que a palavra "eclesiástico" não se encontra em lugar nenhum associada com este ofício: não está no Typikon, nem no Menaion, nem em nenhuma oração, em lugar nenhum. Eu acho que a palavra "eclesiástico" veio para os calendários de hoje por causa de um mal-entendido. O Ano Novo era celebrado no dia 01 de setembro porque era o início do Ano Novo no Império Romaico - o início do ano civil. A Igreja assinalou uma festa especial para o início deste ano novo secular e civil. Por que? A resposta a essa pergunta pode ser encontrada nos hinos do ofício do Ano Novo. A Igreja pede a Deus para abençoar o Ano Novo, para fazê-lo um ano da misericórdia de Deus, um ano de salvação.

Em outras palavras, a Igreja pede para Deus transfigurar o tempo físico, biológico e político em um tempo místico - um tempo que nos une à eternidade. A benção de Deus não é pedida sobre um "ano novo eclesiástico", isso não encontraremos no ofício festal. É precisamente o tempo normal de nossa vida que tem necessidade da benção de Deus, com o fim de transformá-lo no tempo de nossa salvação. Assim como abençoamos a água normal e assim como batizamos um corpo normal, os quais então deixam de ser normais se tornam santos, então, da mesma forma, não abençoamos um "ano eclesiástico", mas o próprio ano norma de nossa vida para fazê-lo santo.

É verdade que as pessoas hoje em dia sentem o Ano Novo de forma mais intensa.Isso se explica pelo fato de que o tempo para a pessoa moderna é dramático e trágico como nunca fora antes. Nunca antes a vida do ser humano foi tão sem sentido como hoje. Em todas as épocas anteriores, a vida de cada um estava relacionada de alguma forma com a eternidade. Quanto mais eternidade havia na vida diária, menos significado tinha o passar do tempo. Hoje a eternidade desapareceu da vida do homem, e apenas o tempo ficou. Provavelmente é por isso que celebramos o Ano Novo tão festivamente. Estamos tentando nos esconder do horror da aproximação inevitável de um fim sem sentido.

Em uma tal situação a Igreja deve ainda mais proclamar que existe algo além do tempo, e que nossa vida não é limitada por este tempo. É por isso que é tão importante, e também tão belo, iniciar o Ano Novo com a glorificação e a benção do Reino eterno da Santa Trindade.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Entrevista do Patriarca Bartolomeu I

O Patriarca Ecumênico Bartolomeu em entrevista para o Cafebabel:
"Antes do Grande Cisma de 1054, toda a Europa era Ortodoxa"

Nós o encontramos em seu escritório no Fanar, Istambul, em um tarde nublada de sábado. Esta foi a primeira entrevista conjunta para o Cafebabel Grécia e o Cafebabel Instambul. Estamos um pouco ansiosos, ficamos revisando as perguntas juntos com Ozcan e Angelina. Não sabíamos o que esperar. Estamos antes surpresos que o Patriarca Ecumênico estivesse prestes a conceder uma entrevista para o Cafebabel. Bem, entrevistar o "Papa Oriental", o líder espiritual de mais de 350 milhões de ortodoxos não parecia muito fácil. Toda essa agonia passou quando ele nos saudou. Sorridente, ele nos ofereceu doces tradicionais e café. É como entrevistar o seu avô. Ele vai falar com você sobre tudo: de Halki e o meio-ambiente até a juventude européia, ciência e Chris Spyrou.


O líder da Igreja Católica Romana, o Papa, recentemente visitou o Reino Unido, e, bem antes, o Fanar. Considerando-se que o Patriarcado Ecumênico foi o primeiro a liderar o diálogo entre igrejas cristãs, sendo um dos membros fundadores do Conselho Mundial de Igrejas, o senhor considera a união das igrejas factível?

Desde o tempo de meus predecessores, Atenágoras e Dimitrios, o Patriarcado Ecumênico tem liderado o diálogo entre denominações cristãs. De fato, estamos na liderança do que é chamado "movimento ecumênico". Durante a visita do Papa ao Patriarcado Ecumênico, nós assinamos a declaração conjunta e ele recitou o "Pai Nosso" durante o ofício ortodoxo. Além disso, o Patriarcado Ecumênico participa na Conferência das Igrejas Européias. Nós apoiamos o diálogo,embora o lapso da divisão seja grande, já que estivemos separados por dez séculos. Agora estamos discutindo a questão do primado do Papa, examinando como ele se parecia no primeiro milênio de nossa senda comum e porque ele mudou. Junto com o filioque, esta é a questão mais difícil que nos divide. A estrada para a união é longa, mas não nos desencorajamos. Ao contrário, fazemos todo o possível para construir pontes.

Em agosto, o senhor realizou uma liturgia histórica no Monastério de Sumela, perto de Trebizonda, e poucas semanas atrás, uma liturgia foi oficiada na Igreja Armênia da Santa Cruz, no Lago Van, Turquia. O senhor acredita que tais ações ajudam o entendimento mútuo e o respeito pelas liberdades religiosas no país? Será que o próximo passo pode ser a reabertura da Escola Teológica de Halki (Heybeliada)?

Estamos muito contentes com tais desenvolvimentos, tanto no Monastério de Sumela (Trebizonda), e pelos armênios. Eles revelam uma mudança de atitude da Turquia. O que aconteceu em Panagia Sumela prova que o lugar (o qual oficialmente é um museu) também pode ser utilizado uma vez por ano como local de adoração, como indica a permissão oficial que recebemos. Isto é benéfico para todos. O estado Turco compreende que não somos uma ameaça, mas, ao contrário, que amamos e trabalhamos para para o bem do país. Além dos benefícios materiais para o país resultantes dos peregrinos, tais ações são evidência de que o respeito da liberdade religiosa está crescendo na Turquia. É uma questão de princípios e valores em relação aos direitos humanos básicos.

No que tange a Escola Teológica de Halki, estamos muito otimistas.Acreditamos que a questão será resolvida no ano 2011, quando completam-se 40 anos do fechamento da escola. Nós estamos prontos para operar imediatamente com o fim de acomodar estudantes da Turquia e de fora, assim como no passado. Estaremos prontos para treinar nosso clero em todos os níveis necessários para o funcionamento do Patriarcado Ecumênico, o qual, como vocês sabem, tem dioceses em muitas partes do mundo, tais como Estados Unidos, Europa Ocidental e Oriental, Austrália, Coréia, Hong Kong, América do Sul e Central e assim por diante.

Como o senhor sente pessoalmente o peso histórico de sentar no trono de S.João Crisóstomo, do Patriarca Fócio e do Patriarca Genadios?

É um enorme peso histórico. Estas pessoas foram titãs da fé e do conhecimento. Claro que pessoalmente não podemos chegar ao nível deles. Mas este trono é uma cruz, que cada patriarca é obrigado e chamado a carregar. Nós somos a voz de uma instituição vibrante que tem existido nesta cidade, Istambul, por dezessete séculos e assim irá permanecer com a graça de Deus.

A Turquia parece estar gradualmente reconhecendo que o Patriarcado Ecumênico não é simplesmente uma diocese local dos gregos de Constantinopla, mas uma instituição universal, e que não restringindo, mas, ao contrário, apoiando suas atividades, o país tem muito a ganhar. O senhor compartilha desta visão e tem alguma evidência de que o estado turco esteja mudando sua política?

Veja, podemos resumir a posição do governo turco até hoje com uma única palavra: contra-producente.

É contra-producente não apenas para nós, mas primeiramente e acima de tudo para o interesse nacional da própria Turquia. Entretanto, os desenvolvimentos atuais são positivos. É compreendido que não temos, nunca tivemos e não teremos, nenhuma aspiração ou interesse político. Às vezes, alguns argumentos nem um pouco sérios tem sido expressos, isto é, de que estaríamos tentando criar um segundo Vaticano no Fanar. Que venham e mostrem onde estas tentativas se encontram. Tais argumentos não são sérios.

O fato é que vemos uma mudança de atitude, e a nova Lei de Fundações de Minorias também destacam esta mudança. Ela não resolve todos os nossos problemas, mas certamente dá mais liberdade de movimento para as minorias. Recentemente um ortodoxo rume (um cidadão turco de origem grega) foi eleito como membro da Comissão de Estado para a Administração de todas as Vakif (fundações) em Ankara, e que tem reuniões quinzenais. Estes são desenvolvimentos sem precedentes para nós aqui, e estamos muito felizes com eles. Além disso, o Primeiro-Ministro Erdogan visitou o orfanato grego em Büyükada antes que a CEDH (Corte Européia de Direitos Humanos) anunciasse sua decisão, que justificava nossos direitos sobre a propriedade. Este foi um corajoso ato político da parte do Primeiro-Ministro, cheio de poderoso simbolismo.

A autoridade do Patriarcado Ecumênico na Igreja Ortodoxa ao redor do mundo é imensa, algo que é benéfico para a Turquia. Nossos esforços de construir a paz e promover o respeito entre os povos de toda fé são bem conhecidos, e isto é confirmado pelo fato de que todo político que vem à Turquia sempre visita o Patriarcado Ecumênico. Estamos otimistas, então, e insistimos sobre estes direitos. 

O que o senhor pensa da nova reaproximação do governo turco com as minorias?

Isto é uma questão política e não podemos silenciar sobre a questão. Não é segredo algum que estamos realmente felizes sobre estes passos do governo turco. Apoiamos esta abordagem.Esperamos que continue no futuro. Além disso, como dissemos antes, acreditamos que tais negociações irão deixar a Turquia mais democrática como um país, e é precisamente por esta razão que apoiamos a total participação da Turquia na UE.

Um grupo greco-americano liderado pelo Sr. Chris Spyrou queria organizar uma cerimônia religiosa em Hagia Sophia, em Istambul, mas cancelaram seu plano. O senhor esteve envolvido nas tentativas de cancelar os planos deles?

Não conhecemos esta pessoa. Não sabemos como seria possível organizar uma cerimônia religiosa sem nos consultar em nossa competência como o Arcebispo local da cidade e sem obter a permissão do governo turco. Nós objetamos e eles cancelaram seus planos. Ninguém pode conduzir um cerimônia cristã ortodoxa em Hagia Sophia sem uma permissão tanto do Patriarcado Ecumênico quanto do governo turco. Nem mesmo nós podemos conduzir cerimônias religiosas em outros países sem a permissão das igrejas locais nesses países e das autoridades locais.


O senhor tem sido chamado de "Patriarca Verde" por causa de sua sensibilidade ambiental. O senhor acha que líderes religiosos são capazes de afetar, se não os governos, pelo menos a consciência ambiental dos fiéis?

É quase impossível influenciar governos. Interesses financeiros estão pressionando tanto que não é possível para os políticos mesmos concordarem, e nós encaramos essa situação em Copenhagen. Mas, sim, nós achamos que somos capazes de cultivar entre os fiéis uma sensibilidade no que diz respeito às questões ambientais.

Esta crise global é primariamente conceitual; ela trata de valores. Temos que entender que somos responsáveis por passar o planeta para as próximas gerações. Não podemos continuar a desperdiçar recursos mas, ao invés, permitir que as gerações futuras se beneficiem do que nos foi dado por Deus.

A palavra "ecologia" vem do grego "eco" e "logos", onde "eco"(oikos) significa nosso lar. Para que isso seja compreendido, temos que primeiro apreender que não somos donos, mas gerentes do mundo, o qual Deus nos confiou. Portanto, temos que cuidar deste mundo com o fim de passá-lo para a próxima geração. O Patriarcado Ecumênico tomou a liderança neste esforço para desenvolver consciência ecológica através do seu Simpósio Ecológico Internacional.

 É fácil combinar o estilo de vida moderno de consumismo com a frugalidade advogada pelo Cristianismo? Muitos argumentam que os dois modelos são incompatíveis.

É essencial mudarmos a mentalidade atual e abandonar o estilo de vida de excesso de consumo e ganância que inevitavelmente levam à injustiça social e a desigualdade. O Apóstolo Paulo ensina que a ganância nos leva à idolatria dos bens materiais, e a idolatria é o maior dos pecados. A Igreja não ensina ganância mas "oligarkeia" (isto é, viver uma vida simples, lacônica). O Evangelho diz que quem quer que possua duas roupas dê uma para quem não tem nenhuma. Infelizmente, chegamos em um ponto no qual tentamos tirar de nosso próximo até suas próprias vestes.

O que podem dar à juventude da Europa a fé e o testemunho ortodoxos? É fácil adotar conceitos e valores ortodoxos para um europeu ocidental com um histórico católico ou protestante?

Como eu disse antes, todos os assuntos estão interligados uns com os outros - socialmente, economicamente, e ideologicamente. Os jovens sentem-se inseguros. A Igreja Ortodoxa tem a oferecer a fé original como ela existiu durante os dez primeiros séculos de nossa estrada comum com o Ocidente. Isso quer dizer, a fé e a Igreja como o verdadeiro Corpo de Cristo. Antes do Grande Cisma de 1054, toda a Europa era Ortodoxa. Portanto, o que a Igreja é chamada a oferecer é a simplicidade e a autenticidade da fé cristã. Ensinamos a autenticidade, a moralidade e a espiritualidade ascéticas. Todas estas estão faltando nas igrejas protestantes e católico-romanas.

O Ocidente separou-se destes valores, e é precisamente isto que justifica a nostalgia manifesta hoje em dia. Recentemente, mais e mais livros litúrgicos da Igreja Ortodoxa tem sido traduzidos e publicados em países estrangeiros. Além dos livros teológicos, pode-se encontrar orientação espiritual em livros tais como a Filokalia, que de grande interesse para povos não-ortodoxos. Além disso, na fé ortodoxa, existe muita atenção para a devoção e a adoração; e existe uma ênfase maior no coração do que no intelecto. É por isso que pode-se dizer que a Ortodoxia compreende a tradição, a experiência e a sabedoria condensada.

O senhor teme a globalização? Muitos argumentam que com tantos elementos sendo bombardeados por todos os lados a tendência é que tudo se torne uma "aktarma" (mistura sem forma).

A globalização tem alguns elementos positivos que apoiamos. Ela oferece compreensão entre povos e cria uma base para as pessoas cooperarem e viverem pacificamente. Entretanto, como o Arcebispo Christodoulos costumava dizer, existe também o perigo de nos tornarmos como "carne moída". Isso certamente não é desejável.
Nós defendemos que todos os povos mantenham um registro de sua cultura, língua, etc. que os preservem distintos. Estes elementos contribuem para a individualidade de um povo. Entretanto, ao mesmo tempo, devemos ser criativos e não manter estes elementos em um "jarro fechado" e reduzi-los a uma forma de auto-admiração.

Os missionários Cirilo e Metódio, no século VI, foram comissionados como delegados do Patriarcado Ecumênico para pregar o Evangelho aos eslavos. Como resultado, eles criaram o alfabeto cirilico. Isso foi fonte de acusação do Patriarcado por parte do historiador grego Paparigopoulos, alegando que os missionários não converteram os eslavos à ortodoxia grega. Dizemos isso porque o Patriarcado Ecumênico via esses povos como eslavos; acreditamos que devemos respeitá-los e pregar para eles em sua própria língua, mas não mudá-los. Desta forma, protegemos tanto a identidade grega quanto a identidade eslava. Então agora todos os povos eslavos - russos, búlgaros e sérvios - são gratos à Igreja Mãe de Constantinopla.

Finalmente, a ciência e a fé são incompatíveis ou simplesmente possuem recipientes e conteúdos diferentes? Recentemente, Stephen Hawking causou certa comoção com sua declaração de que o universo pode existir sem um Criador. O senhor considera estas afirmativas como significativas? Qual é a resposta da Igreja?

Eu não considero que a fé e a ciência sejam opostos, mas sim vias paralelas. Elas são complementares porque levam ao mesmo objetivo da Verdade. Einstein uma vez disse: "A ciência não tem um Deus, mas os cientistas sim."
A Igreja Ortodoxa não é contra a ciência. Na verdade, existe evidência histórica de que nossos bispos estiveram entre os mais eminentes cientistas. Os monastérios ortodoxos preservaram os manuscritos gregos e os disponibilizaram para o Ocidente. São Gregório Palamás estudou a filosofia de Aristóteles. Além disso, nossa Igreja tem um santo chamado Epistimi (que significa "ciência" em grego) e um santo Ypomoni (que significa "paciência"). Não tivemos nenhum Galileu.

Afirmações como as de Stephen Hawking são respeitáveis mas não são mandatórias para ninguém. Entretanto são provacadoras e no fim apenas dividem as pessoas. Nossa abordagem é que todo o universo criado que vemos a nossa volta - o céu, os oceanos, as plantas - não poderia ter sido gerado por acaso e de fato tem um Criador. Poucos dias atrás, eu passeava pelo jardim com amigos. Quando peguei uma flor, reparei quão perfeita e bela ela era e quão sabiamente ela era construída por milhares de florezinhas que eram uma festa de se contemplar. Isso não pode ter acontecido por acaso. 

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