O Patriarca Ecumênico Bartolomeu em entrevista para o Cafebabel:
"Antes do Grande Cisma de 1054, toda a Europa era Ortodoxa"
Nós o encontramos em seu escritório no Fanar, Istambul, em um tarde nublada de sábado. Esta foi a primeira entrevista conjunta para o Cafebabel Grécia e o Cafebabel Instambul. Estamos um pouco ansiosos, ficamos revisando as perguntas juntos com Ozcan e Angelina. Não sabíamos o que esperar. Estamos antes surpresos que o Patriarca Ecumênico estivesse prestes a conceder uma entrevista para o Cafebabel. Bem, entrevistar o "Papa Oriental", o líder espiritual de mais de 350 milhões de ortodoxos não parecia muito fácil. Toda essa agonia passou quando ele nos saudou. Sorridente, ele nos ofereceu doces tradicionais e café. É como entrevistar o seu avô. Ele vai falar com você sobre tudo: de Halki e o meio-ambiente até a juventude européia, ciência e Chris Spyrou.
O líder da Igreja Católica Romana, o Papa, recentemente visitou o Reino Unido, e, bem antes, o Fanar. Considerando-se que o Patriarcado Ecumênico foi o primeiro a liderar o diálogo entre igrejas cristãs, sendo um dos membros fundadores do Conselho Mundial de Igrejas, o senhor considera a união das igrejas factível?
Desde o tempo de meus predecessores, Atenágoras e Dimitrios, o Patriarcado Ecumênico tem liderado o diálogo entre denominações cristãs. De fato, estamos na liderança do que é chamado "movimento ecumênico". Durante a visita do Papa ao Patriarcado Ecumênico, nós assinamos a declaração conjunta e ele recitou o "Pai Nosso" durante o ofício ortodoxo. Além disso, o Patriarcado Ecumênico participa na Conferência das Igrejas Européias. Nós apoiamos o diálogo,embora o lapso da divisão seja grande, já que estivemos separados por dez séculos. Agora estamos discutindo a questão do primado do Papa, examinando como ele se parecia no primeiro milênio de nossa senda comum e porque ele mudou. Junto com o filioque, esta é a questão mais difícil que nos divide. A estrada para a união é longa, mas não nos desencorajamos. Ao contrário, fazemos todo o possível para construir pontes.
Em agosto, o senhor realizou uma liturgia histórica no Monastério de Sumela, perto de Trebizonda, e poucas semanas atrás, uma liturgia foi oficiada na Igreja Armênia da Santa Cruz, no Lago Van, Turquia. O senhor acredita que tais ações ajudam o entendimento mútuo e o respeito pelas liberdades religiosas no país? Será que o próximo passo pode ser a reabertura da Escola Teológica de Halki (Heybeliada)?
Estamos muito contentes com tais desenvolvimentos, tanto no Monastério de Sumela (Trebizonda), e pelos armênios. Eles revelam uma mudança de atitude da Turquia. O que aconteceu em Panagia Sumela prova que o lugar (o qual oficialmente é um museu) também pode ser utilizado uma vez por ano como local de adoração, como indica a permissão oficial que recebemos. Isto é benéfico para todos. O estado Turco compreende que não somos uma ameaça, mas, ao contrário, que amamos e trabalhamos para para o bem do país. Além dos benefícios materiais para o país resultantes dos peregrinos, tais ações são evidência de que o respeito da liberdade religiosa está crescendo na Turquia. É uma questão de princípios e valores em relação aos direitos humanos básicos.
No que tange a Escola Teológica de Halki, estamos muito otimistas.Acreditamos que a questão será resolvida no ano 2011, quando completam-se 40 anos do fechamento da escola. Nós estamos prontos para operar imediatamente com o fim de acomodar estudantes da Turquia e de fora, assim como no passado. Estaremos prontos para treinar nosso clero em todos os níveis necessários para o funcionamento do Patriarcado Ecumênico, o qual, como vocês sabem, tem dioceses em muitas partes do mundo, tais como Estados Unidos, Europa Ocidental e Oriental, Austrália, Coréia, Hong Kong, América do Sul e Central e assim por diante.
Como o senhor sente pessoalmente o peso histórico de sentar no trono de S.João Crisóstomo, do Patriarca Fócio e do Patriarca Genadios?
É um enorme peso histórico. Estas pessoas foram titãs da fé e do conhecimento. Claro que pessoalmente não podemos chegar ao nível deles. Mas este trono é uma cruz, que cada patriarca é obrigado e chamado a carregar. Nós somos a voz de uma instituição vibrante que tem existido nesta cidade, Istambul, por dezessete séculos e assim irá permanecer com a graça de Deus.
A Turquia parece estar gradualmente reconhecendo que o Patriarcado Ecumênico não é simplesmente uma diocese local dos gregos de Constantinopla, mas uma instituição universal, e que não restringindo, mas, ao contrário, apoiando suas atividades, o país tem muito a ganhar. O senhor compartilha desta visão e tem alguma evidência de que o estado turco esteja mudando sua política?
Veja, podemos resumir a posição do governo turco até hoje com uma única palavra: contra-producente.
É contra-producente não apenas para nós, mas primeiramente e acima de tudo para o interesse nacional da própria Turquia. Entretanto, os desenvolvimentos atuais são positivos. É compreendido que não temos, nunca tivemos e não teremos, nenhuma aspiração ou interesse político. Às vezes, alguns argumentos nem um pouco sérios tem sido expressos, isto é, de que estaríamos tentando criar um segundo Vaticano no Fanar. Que venham e mostrem onde estas tentativas se encontram. Tais argumentos não são sérios.
O fato é que vemos uma mudança de atitude, e a nova Lei de Fundações de Minorias também destacam esta mudança. Ela não resolve todos os nossos problemas, mas certamente dá mais liberdade de movimento para as minorias. Recentemente um ortodoxo rume (um cidadão turco de origem grega) foi eleito como membro da Comissão de Estado para a Administração de todas as Vakif (fundações) em Ankara, e que tem reuniões quinzenais. Estes são desenvolvimentos sem precedentes para nós aqui, e estamos muito felizes com eles. Além disso, o Primeiro-Ministro Erdogan visitou o orfanato grego em Büyükada antes que a CEDH (Corte Européia de Direitos Humanos) anunciasse sua decisão, que justificava nossos direitos sobre a propriedade. Este foi um corajoso ato político da parte do Primeiro-Ministro, cheio de poderoso simbolismo.
A autoridade do Patriarcado Ecumênico na Igreja Ortodoxa ao redor do mundo é imensa, algo que é benéfico para a Turquia. Nossos esforços de construir a paz e promover o respeito entre os povos de toda fé são bem conhecidos, e isto é confirmado pelo fato de que todo político que vem à Turquia sempre visita o Patriarcado Ecumênico. Estamos otimistas, então, e insistimos sobre estes direitos.
O que o senhor pensa da nova reaproximação do governo turco com as minorias?
Isto é uma questão política e não podemos silenciar sobre a questão. Não é segredo algum que estamos realmente felizes sobre estes passos do governo turco. Apoiamos esta abordagem.Esperamos que continue no futuro. Além disso, como dissemos antes, acreditamos que tais negociações irão deixar a Turquia mais democrática como um país, e é precisamente por esta razão que apoiamos a total participação da Turquia na UE.
Um grupo greco-americano liderado pelo Sr. Chris Spyrou queria organizar uma cerimônia religiosa em Hagia Sophia, em Istambul, mas cancelaram seu plano. O senhor esteve envolvido nas tentativas de cancelar os planos deles?
Não conhecemos esta pessoa. Não sabemos como seria possível organizar uma cerimônia religiosa sem nos consultar em nossa competência como o Arcebispo local da cidade e sem obter a permissão do governo turco. Nós objetamos e eles cancelaram seus planos. Ninguém pode conduzir um cerimônia cristã ortodoxa em Hagia Sophia sem uma permissão tanto do Patriarcado Ecumênico quanto do governo turco. Nem mesmo nós podemos conduzir cerimônias religiosas em outros países sem a permissão das igrejas locais nesses países e das autoridades locais.
O senhor tem sido chamado de "Patriarca Verde" por causa de sua sensibilidade ambiental. O senhor acha que líderes religiosos são capazes de afetar, se não os governos, pelo menos a consciência ambiental dos fiéis?
É quase impossível influenciar governos. Interesses financeiros estão pressionando tanto que não é possível para os políticos mesmos concordarem, e nós encaramos essa situação em Copenhagen. Mas, sim, nós achamos que somos capazes de cultivar entre os fiéis uma sensibilidade no que diz respeito às questões ambientais.
Esta crise global é primariamente conceitual; ela trata de valores. Temos que entender que somos responsáveis por passar o planeta para as próximas gerações. Não podemos continuar a desperdiçar recursos mas, ao invés, permitir que as gerações futuras se beneficiem do que nos foi dado por Deus.
A palavra "ecologia" vem do grego "eco" e "logos", onde "eco"(oikos) significa nosso lar. Para que isso seja compreendido, temos que primeiro apreender que não somos donos, mas gerentes do mundo, o qual Deus nos confiou. Portanto, temos que cuidar deste mundo com o fim de passá-lo para a próxima geração. O Patriarcado Ecumênico tomou a liderança neste esforço para desenvolver consciência ecológica através do seu Simpósio Ecológico Internacional.
É fácil combinar o estilo de vida moderno de consumismo com a frugalidade advogada pelo Cristianismo? Muitos argumentam que os dois modelos são incompatíveis.
É essencial mudarmos a mentalidade atual e abandonar o estilo de vida de excesso de consumo e ganância que inevitavelmente levam à injustiça social e a desigualdade. O Apóstolo Paulo ensina que a ganância nos leva à idolatria dos bens materiais, e a idolatria é o maior dos pecados. A Igreja não ensina ganância mas "oligarkeia" (isto é, viver uma vida simples, lacônica). O Evangelho diz que quem quer que possua duas roupas dê uma para quem não tem nenhuma. Infelizmente, chegamos em um ponto no qual tentamos tirar de nosso próximo até suas próprias vestes.
O que podem dar à juventude da Europa a fé e o testemunho ortodoxos? É fácil adotar conceitos e valores ortodoxos para um europeu ocidental com um histórico católico ou protestante?
Como eu disse antes, todos os assuntos estão interligados uns com os outros - socialmente, economicamente, e ideologicamente. Os jovens sentem-se inseguros. A Igreja Ortodoxa tem a oferecer a fé original como ela existiu durante os dez primeiros séculos de nossa estrada comum com o Ocidente. Isso quer dizer, a fé e a Igreja como o verdadeiro Corpo de Cristo. Antes do Grande Cisma de 1054, toda a Europa era Ortodoxa. Portanto, o que a Igreja é chamada a oferecer é a simplicidade e a autenticidade da fé cristã. Ensinamos a autenticidade, a moralidade e a espiritualidade ascéticas. Todas estas estão faltando nas igrejas protestantes e católico-romanas.
O Ocidente separou-se destes valores, e é precisamente isto que justifica a nostalgia manifesta hoje em dia. Recentemente, mais e mais livros litúrgicos da Igreja Ortodoxa tem sido traduzidos e publicados em países estrangeiros. Além dos livros teológicos, pode-se encontrar orientação espiritual em livros tais como a Filokalia, que de grande interesse para povos não-ortodoxos. Além disso, na fé ortodoxa, existe muita atenção para a devoção e a adoração; e existe uma ênfase maior no coração do que no intelecto. É por isso que pode-se dizer que a Ortodoxia compreende a tradição, a experiência e a sabedoria condensada.
O senhor teme a globalização? Muitos argumentam que com tantos elementos sendo bombardeados por todos os lados a tendência é que tudo se torne uma "aktarma" (mistura sem forma).
A globalização tem alguns elementos positivos que apoiamos. Ela oferece compreensão entre povos e cria uma base para as pessoas cooperarem e viverem pacificamente. Entretanto, como o Arcebispo Christodoulos costumava dizer, existe também o perigo de nos tornarmos como "carne moída". Isso certamente não é desejável.
Nós defendemos que todos os povos mantenham um registro de sua cultura, língua, etc. que os preservem distintos. Estes elementos contribuem para a individualidade de um povo. Entretanto, ao mesmo tempo, devemos ser criativos e não manter estes elementos em um "jarro fechado" e reduzi-los a uma forma de auto-admiração.
Os missionários Cirilo e Metódio, no século VI, foram comissionados como delegados do Patriarcado Ecumênico para pregar o Evangelho aos eslavos. Como resultado, eles criaram o alfabeto cirilico. Isso foi fonte de acusação do Patriarcado por parte do historiador grego Paparigopoulos, alegando que os missionários não converteram os eslavos à ortodoxia grega. Dizemos isso porque o Patriarcado Ecumênico via esses povos como eslavos; acreditamos que devemos respeitá-los e pregar para eles em sua própria língua, mas não mudá-los. Desta forma, protegemos tanto a identidade grega quanto a identidade eslava. Então agora todos os povos eslavos - russos, búlgaros e sérvios - são gratos à Igreja Mãe de Constantinopla.
Finalmente, a ciência e a fé são incompatíveis ou simplesmente possuem recipientes e conteúdos diferentes? Recentemente, Stephen Hawking causou certa comoção com sua declaração de que o universo pode existir sem um Criador. O senhor considera estas afirmativas como significativas? Qual é a resposta da Igreja?
Eu não considero que a fé e a ciência sejam opostos, mas sim vias paralelas. Elas são complementares porque levam ao mesmo objetivo da Verdade. Einstein uma vez disse: "A ciência não tem um Deus, mas os cientistas sim."
A Igreja Ortodoxa não é contra a ciência. Na verdade, existe evidência histórica de que nossos bispos estiveram entre os mais eminentes cientistas. Os monastérios ortodoxos preservaram os manuscritos gregos e os disponibilizaram para o Ocidente. São Gregório Palamás estudou a filosofia de Aristóteles. Além disso, nossa Igreja tem um santo chamado Epistimi (que significa "ciência" em grego) e um santo Ypomoni (que significa "paciência"). Não tivemos nenhum Galileu.
Afirmações como as de Stephen Hawking são respeitáveis mas não são mandatórias para ninguém. Entretanto são provacadoras e no fim apenas dividem as pessoas. Nossa abordagem é que todo o universo criado que vemos a nossa volta - o céu, os oceanos, as plantas - não poderia ter sido gerado por acaso e de fato tem um Criador. Poucos dias atrás, eu passeava pelo jardim com amigos. Quando peguei uma flor, reparei quão perfeita e bela ela era e quão sabiamente ela era construída por milhares de florezinhas que eram uma festa de se contemplar. Isso não pode ter acontecido por acaso.
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